Música e poesia, aquele abraço! Parte 2
Música para mim é lançar olhar por debaixo dos óculos, é se ocupar com a circunstância, com o processo.
E, nesse sentido, escrevo o abraço de hoje na tentativa de apreender a beleza da permeabilidade na obra artística de Caetano Veloso.
Como já dissemos no outro abraço, ou seja, no outro texto sobre poesia e música, parte 1, não se trata de um texto teórico de música, nem de poesia, apenas uma conversa sobre as dimensões imateriais dos ritmos das palavras.
E pra começar nosso papo, divido com vocês uma imagem que me veio à cabeça sobre as músicas de Caetano Veloso, elas têm um efeito de movimento.
Caetano é líquido feito areia, não consegue ficar parado, e em seu Pulsar e Dias e Dias, faz da poesia de Augusto de Campos melodia inefável para nosso deleite.
Fico atraída tanto pelo silêncio nelas contido, como pelo ímpeto irreparável em cada nota cantada, em cada palavra incoercível.
Ah Caetano, poeta, compositor, intérprete, um circuladô de fulô, que observa, nutre, questiona, escreve.
Um circuladô de fulô que conversa com galáxias inteiras de Haroldo de Campos em plena órbita.
Caetano une linguagens aparentemente distintas, verbal e sonora. Cabe aqui uma reflexão, um tanto antiga, sugerida também por Albert Camus, sobre as fronteiras daquilo que se é, e daquilo que se deseja ser.
Eu tenho a impressão que Caetano Veloso não se delimita por essas fronteiras, ele as mistura, feito massa de bolo, e nos oferece experimentação, uma degustação delicada e, sobretudo, incontida no tempo ordinário.
Posso citar mais um exemplo do maleável, do intercambiável na obra de Caetano, como diz Carlos Rennó, ele vem demonstrando constantemente ser o cantor libertário por excelência do Brasil moderno.
À medida em que a gente se aproxima da obra de Caetano, o momento do mergulho na vastidão de suas imagens sonoras, fica cada vez mais proeminente.
A perna treme porque sabe que o desequilíbrio poético está ali, bem à sua frente, feito abismo, feito um abissal a ser descoberto qual um tesouro que Netuno nos oferta.
A presença assídua da sua inquieta palavra em suas próprias músicas, em seus próprios poemas musicados, Caetano nos convida, com seu ritmo, a nos mover para fora do pensamento, para longe de uma formatação cultural de tempo e espaço.
Os exemplos são muitos, cito Terra, Língua, Cajuína, Tempo e Sampa, a vontade que tenho é de estender as linhas desse texto com todas as músicas de Caetano Veloso. Acho que eu iria parar nas linhas de Nazca, ou do Equador, quem sabe, eu sobrevoaria a linha do tempo.
O que não seria nada mal, não é mesmo?
Mas gostaria de conversar um pouquinho mais sobre suas parcerias com outros poetas, como Waly Salomão, que detém nas convicções poéticas uma devoção pelo poliédrico. Podemos citar alguns, Alteza, Cobra Coral, Mel, Graffitti, Talismã. Caetano musicou muitos poemas de Waly Salomão em variados períodos, desde a década de 1970.
Penso que Caetano se nutre pelo som das grafias, sejam urbanas, psíquicas, intergaláticas, linguísticas.
Ou ainda, se nutre da grafia dos vários Brasis, dos vários corpos sociais. Como em sua interligação com Castro Alves, quando musicou Navio Negreiro, e com Gregório de Matos, na música Triste Bahia, onde cita dois trechos do poeta.
Nossa conversa vai chegando ao fim, não por falta de repertório, e sim por uma desmedida vontade de convidá-los para ligar o som e ouvir Caetano Veloso com despreocupação.
De forma atrevida sugiro um vinho ou uma cerveja, para curtir suas parcerias com Paulo Leminski, como o poema musicado Verdura. Ah e vale aumentar o som com Onde Andarás, parceria com o poeta Ferreira Gullar.
Minhas amigas, meus amigos, espero que tenham gostado, e fica o convite para o próximo abraço! Até.
Este artigo foi escrito por Fabiana Kretzer e publicado originalmente em Prensa.li.