Natal: A dominação cultural disfarçada de bondade
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Você com certeza já ouviu falar a respeito do "espírito do Natal", não ouviu? Aquele sentimento maravilhoso de amor ao próximo, de fraternidade coletiva, de união e comoção, sabe? Tempos maravilhosos, onde tentamos deixar os problemas e as diferenças de lado, em nome de algo maior.
Teoricamente é disso que se trata. Esse conceito está atrelado ao significado cristão atribuído ao nome da data. Natal, como é chamado em muitas linguas, significa nascimento. Christmas, no inglês e com variações em outras línguas, cem de Christ's mass, que seria a missa de Cristo.
Seria a celebração do nascimento de Cristo e, sendo assim, a lembrança dessa fé da encarnação do próprio Deus.
A Igreja Cristã, no caso a Apostólica Romana, responsável por o Cristianismo ter se tornado o que é, a principal religião do mundo até hoje, na realidade apropriou a data de uma festividade pagã, como fez com praticamente todas as outras celebrações.
Ressignificação é a principal forma de dominação cultural. Alguém com poder pode utilizar um conceito já enraizado e se apropriar dele para dar força aos seus próprios interesses. Como alguém poderia desconfiar de um sentido maldoso numa data que comemora o nascimento do Salvador e que propõe a caridade, a paz, a união?
A celebração dessa data era a festa "Dies Natalis Solis Invicti", a celebração da vitória do Deus Sol sobre o gelo e as trevas. Era o solstício de inverno do hemisfério norte.
A celebração do nascimento de Cristo acaba sendo ainda mais controversa, se pararmos para pensar que nosso calendário é Cristão. Sendo assim, teoricamente, o dia 1 de janeiro do ano 1 é marcado pelo nascimento de Cristo. Como ele poderia ter nascido no dia 25 de dezembro?
Data-se do ano 350 d.C. pelo Papa Júlio I a instituição da comemoração. Mas só quase 200 anos depois, em 529 que o Imperador Justiniano decretou o feriado. Foi a conversão de Imperadores romanos, inclusive, que deu tanta força para essa religião.
Mas não foi só a Igreja que apropriou-se do conceito do Natal. Apesar de muitas instituições terem tentado copiar a estratégia de ressignificação cultural para buscar dominação, foi apenas no início do século XX, mais precisamente em 1931 que uma agência de publicidade contratada pela Coca-Cola revolucionou a data.
Baseado num poema de Clement Clark Moore de 1822, criou a imagem de uma figura comercial personificada, adequada aos interesses comerciais capitalistas: O St. Nicholas, o "Santa", Papai Noel. Por trás dessa figura encantadora, que presenteia as crianças boas, está todo o espírito do consumismo desenfreado.
Da mesma forma que as pessoas poderiam pagar por seus pecados, confessando e doando seu dinheiro e pertences em nome de sua fé, o comércio conseguiu também angariar seus fiéis, aqueles que não conseguiam mais acreditar em boa parte da história contada pelas antigas escrituras, que faziam cada vez menos sentido para a sociedade moderna, com o desenvolvimento e popularização da ciência.
Esses novos fiéis pagavam por seus pecados, dando presentes, fazendo caridade, naquela data específica do ano. Por pelo menos um dia, forçavam-se a tentar ser boas pessoas, respeitosas, familiares, bondosas e felizes.
O Natal, nada mais é do que uma constante renovação da necessidade humana de receber perdão. De tentar fazer bem, não ao próximo, na verdade, mas à própria consciência.
Com base nisso, aqueles que conseguem oferecer mais absolvição, vinculada a data, acaba conseguindo, aos poucos, ganhar para si o poder de influência dentro de uma data que tem seu real valor medido em moeda e não realmente em sentimentos.
Que a humanidade, um dia, consiga re-significar seu comportamento como um todo, com maior distribuição de recursos naturais e qualidade de vida para todos e não apenas uma data que melhor dê a elite a sensação de que estão fazendo sua parte, dentro da imagem que esperam em seu círculo social.
Este artigo foi escrito por Eder B. Jr. e publicado originalmente em Prensa.li.