Nem sonsa, nem zonza: Luísa Sonza
Tuparendi é uma cidade gaúcha, quase fora do mapa do Brasil. Localizada a 510 km de Porto Alegre, tem menos de dez mil habitantes, todos levando uma vida pacata e interiorana. Todos? Não. Sua vida não é pacata se você é Luísa Sonza.
Chegou aqui, janeiro de 22, e não sabe quem é Luísa Sonza? Calma, explico. A mais ilustre tuparendiense é cantora, compositora e produtora. Suas músicas trafegam entre o pop, arabian pop, o folk e até soul.
No momento está estouradíssima com Anaconda +o+~~~ (grafado assim mesmo), um reggaeton mesclado com funk carioca. Versátil, a menina.
Surgiu para valer no cenário musical em meados de 2017, ao lançar Good Vibes, canção de sua autoria com frases bastante diferentes do seu estilo atual. Vejamos. A primeira frase é “Por que tão lindo, perfeito assim; certeza que meu Deus criou você pensando em mim…”; Muito good vibes para quem canta em Anaconda: “depois que tu pá, é só bye, bye, bye; te chamo um carro e cê vai, vai, vai”.
O que ocorreu para transformar aquela doçura de Good Vibes nessa tremenda dona de seu nariz do atual álbum Doce 22? Vamos descobrir junto com ela, saltando nesse Penhasco.
Menina prodígio
A carreira começou nos bailes da vida / Imagem: Instagram
Ao surgir na mídia, Luísa Sonza era mais conhecida como “aquela loirinha, mulher do Whindersson Nunes”, o que, cá entre nós, devia deixá-la incomodada, com razão.
Mas a carreira começou um pouquinho antes, em 2005. Aos sete anos de idade, estreou cantando na banda Sol Maior, de Tuparendi. Uma daquelas bandas de baile, que literalmente toca em qualquer evento, de casamentos à inauguração de padaria, de festa de debutantes a… velórios, conforme confidenciou em uma entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, em 2019.
Integrou a banda por dez anos (até o lançamento de sua carreira solo, na época de Good Vibes). Cantou Beatles, Legião, ABBA, Queen, Michel Teló e claro, “toca Raul!”, como convém a uma banda deste tipo. A versatilidade, somada à voz poderosa, rendeu o apelido de rainha dos covers.
Mas peraí, você pergunta com aquela inconfundível cara de emoji de ponto de interrogação: como uma cantora de banda de baile de uma cidadezinha fronteiriça com a Argentina foi cair nas graças da Universal Music? Seria uma princesa de contos de fada?
Fazendo barulho
Longe disso: Sonza sempre trabalhou pesado. Em 2014, ganhou um smartphone usado por um tio e resolveu abrir um singelo canal no YouTube, soltando a voz. Gravou algumas canções, no meio da bagunça do quarto, entre apostilas e cadernos escolares, como muita menina por aí já fez. Inclusive você, que está lendo esta reportagem e tinha o sonho secreto de ser cantora. Confessa, vai.
Por obra e graça dos deuses dos algoritmos, os vídeos viralizaram. No começo, eram covers; em seguida, passou a compor e gravar músicas-resposta, sobretudo as que objetificam mulheres, como Camarote, de Wesley Safadão.
A fera começou a colocar as garras para fora, mostrando ao que veio. Muita gente ficou de olho. Entre outros, um tal de Whindersson Nunes, que passou a trocar mensagens com a guria. Gravaram juntos, e devido à superexposição dos vídeos, foi chamada para uma conversinha na Universal Music.
Luísa: rotina de muito trabalho / Imagem: Instagram
Good Vibes deu tão certo que lançou as bases para Pandora, seu primeiro álbum, cheio de participações especiais, entre elas, Pabllo Vittar. Nesse meio tempo, trocou alianças com Whindersson.
Monstros nas sombras
Fosse outra mulher, talvez tivesse “encostado o burro na sombra”, como se dizia antigamente, vivendo dos rendimentos do marido. Mesmo parando a carreira para auxiliá-lo quando Whindersson teve um caso de depressão profunda, Luísa não parou.
Rapidamente planejou as bases de um novo álbum. Ao mesmo tempo em que ajudava o parceiro deprimido, encarou um novo tipo de pressão, para o qual não estava preparada. Estar ao lado de Whindersson atraiu a ira de uma legião de haters.
Se você não tem familiaridade com termo, um hater é um indivíduo que leva ao máximo o conceito de "não gosto, não quero gostar e tenho raiva de quem gosta”. Ódio em estado bruto, geralmente motivado por inveja, ciúmes, e na maior parte das vezes, falta do que fazer.
A camuflagem e a impunidade do anonimato, proporcionado pelas redes sociais, permitiu a proliferação desenfreada deste espécime, que age como um predador da vida e sobretudo da intimidade alheia.
Luísa Sonza não lidou bem com isso. Somado a sua rotina workaholic, e ao desgaste do relacionamento conjugal, culminando em separação, seu psicológico entrou numa espiral descendente e ela simplesmente travou. Saúde física e mental degringolaram, às vésperas da produção do novo álbum. Muita terapia foi necessária.
Em setembro de 2020, iniciou um novo relacionamento, agora com o cantor Vitão, com quem gravou o clipe Flores. Mas, nem tudo são flores, e os haters, que agora a criticavam por ter se separado de Whindersson, passaram a odiá-la por estar com Vitão. Ok, não é para qualquer um estar na pele de Luísa Sonza.
Soltando a braba
A pressão aumentava, enquanto ela estourava com Braba, primeira música do novo álbum, Doce 22. Com o hit, chegou uma atitude visivelmente mais ousada. Desafiadora, dona de suas vontades e desejos. Nem precisa imaginar quantos novos haters com perfil mais conservador atraiu desta vez.
Luísa desmoronou, e em plena regressiva para o lançamento do álbum. Graças a uma pesada base de fãs, e da equipe que a acompanha, conseguiu levantar e estabilizou a vida por volta de setembro de 2021, ao mesmo tempo em que se separava de Vitão.
O sucesso de Anaconda, em Doce 22: subindo pelo elevador / Imagem: Instagram
Em dezembro, lançou seu maior sucesso até o momento, Anaconda, em parceria com a americana Mariah Angeliq. Para se ter uma ideia do impacto, no início de janeiro de 2022, a música já somava quase sete milhões de plays na plataforma Spotify. A postura liberada e sexy foi acentuada nos clipes e shows. E adivinhe, os haters novamente entraram em ação!
Só não esperavam uma Luísa diferente, que assim como a personagem que assumiu para seus novos clipes e canções, está pouco ligando para a opinião alheia.
Segundo entrevista ao podcast G1 Ouviu, em dezembro de 2021, essa nova maneira de encarar a vida foi extremamente benéfica. Luísa se viu forçada por seu produtor a entrar em um período de “ócio criativo”, e fazer coisas que sua rotina alucinante não permitiam. Afinal, ficar enfiada num estúdio por dezessete horas diárias não parece muito saudável.
Ela tem encontrado amigos, saído e pelo menos tentando descansar, coisa que não conseguiu fazer decentemente desde os sete anos de idade.
Dedicação total
Fãs atualmente desempenham um papel crucial na vida de qualquer artista, pois representam o milagre da multiplicação das informações, via redes sociais. Com a Luísa, não é diferente.
Mesmo agora, num momento diferente da carreira, visitei alguns grupos dedicados à ela. No Facebook, em meio a dezenas de vídeos com trechos de shows, fragmentos de Anaconda Challenge, declarações de amor e desejos impublicáveis, há comentários de quem entre nos grupos com o intuito de xingá-la, sem motivo. Apenas para destilar veneno. Alguns depoimentos, tão impublicáveis quanto os desejos.
Demonstração de ódio gratuito / Imagem: Facebook
Procurei fã-clubes para ilustrar esta reportagem. Não são poucos, e estão espalhados por todo o país. Ela realmente é um fenômeno nacional.
Segundo o fã-clube carioca Rede Luísa Sonza, a artista é um símbolo de “força e empoderamento”. O pessoal do Luísa Sonza Charts, logo ali em Nova Iguaçu, destaca como principal característica sua personalidade, além da voz marcante.
Questionei o cotidiano dos fãs. Bem ativos nas redes sociais, votam em enquetes, realizam mutirões de apoio, listen parties… ressaltam ser uma via de duas mãos, pois Luísa reconhece o esforço de seus seguidores e costuma ser bastante atenciosa e carinhosa.
Segundo a equipe do Rede Luísa Sonza, a dedicação não conhece limites: certa ocasião, ficaram cerca de sete horas sob forte chuva (sem que a artista soubesse), aguardando o término da gravação de um programa de TV, para lhe fazer uma surpresa.
Segundo eles, Luísa ficou extremamente feliz (e acredito que um tanto impressionada com tamanha dedicação). Já a turma do Luísa Sonza Charts apontou que um fã tatuou as nádegas de Luísa no braço. Eu juro, gostaria de saber a opinião da cantora.
No vídeo, garantia de audiência / Imagem: Divulgação TV Globo
Anacondas por todo o lado
Paralelamente, o sucesso de Anaconda provocou um fenômeno na internet: o Anaconda Challenge. Não, leitor, não se trata de desafiar uma serpente para o combate mano a mano, como o nome poderia sugerir; é uma competição de vídeos para ver que consegue replicar nos mínimos detalhes a coreografia criada por Luísa para as apresentações em shows e no clipe.
Uma invasão de vídeos rebolantes e sensuais tomou conta do Tik Tok, Instagram, Twitter, YouTube e Facebook, sobretudo em grupos e canais dedicados à cantora. Segundo o pessoal do fã-clube Rede Luísa Sonza, é a coreografia “mais complexa e completa” dentre as músicas do show Doce 22.
Para o pessoal do Luísa Sonza Charts, o segredo do Anaconda Challenge está nos movimentos, que “a maior parte das pessoas consegue fazer”. Qualquer pessoa com condicionamento físico em dia, eu acrescento.
Parece fácil lidar com a fama, mas não é / Imagem: Instagram
Susto
No final de dezembro, uma notícia bombástica: Luísa Sonza estava morta.
Ao menos para o sistema do Governo Federal; às vésperas de uma viagem para Portugal, Luísa acessou o Conecte SUS, para conseguir seu comprovante vacinal. Seu registro informava: falecida.
A cantora precisou acionar o Governo através da Justiça, e conseguir uma “prova de vida” emergencial, para que pudesse obter o certificado de vacinação e seguir viagem.
Sem parar
Ela não se aguenta / Imagem: Twitter
Apesar do bom momento, a tradicional rotina workaholic de Luísa Sonza parece estar em vias de retornar: Em 7 de janeiro deste ano, já estava fazendo shows e tuitando que precisava fazer um álbum para desabafar. “Achei que demoraria muito mais para sentir essa necessidade de novo”, continuou. “Queria não me importar como finjo que não me importo”.
Eu volto! Mas não tenho tanto pique quanto a Luísa, não!
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.