Netflix: ganhar mais ou perder muito?
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Não faz muito tempo, andei metendo o bedelho em algumas decisões, digamos, equivocadas, que a Netflix havia tomado, sob meu ponto de vista. Que pode não condizer com o que a gigante do streaming ache, e talvez nem você que lê meus artigos. Mas volto a tocar no assunto aqui, porque acho que ela está prestes a cometer outro deslize, pra não dizer uma tremenda besteira. Explico.
Passando a sacolinha
Cansada de ver assinantes fazendo a “farra da senha”, ou seja, compartilhando algo que deveria ser pessoal e intransferível, para amigos, parentes, vizinhos e mais uma renca (atenção revisão: o uso de “renca” ainda é permitido na língua portuguesa?) de gente, a Netflix decidiu cobrar por assinatura compartilhada. Então, em vez de pagar em torno de 40 reais, do plano mediano (permite mais de uma tela) e dividir com os amiguinhos, cada um deles vai desembolsar mais uns 15 reais por ponto. Beleza?
Esta nova modalidade de cobrança passou a ser feita em meados de julho na Argentina, El Salvador, Guatemala, Honduras e República Dominicana. No final de maio, o mesmo padrão foi aplicado ao Peru, Chile e Costa Rica, com péssimos reflexos. Brasil e México, mercados muito mais importantes para a empresa, ainda não foram incluídos, mas imagina-se que seja questão de pouco tempo.
Dizem, se conselho fosse bom, ninguém dava, vendia. Mas como sou legal, vamos lá.
A assinatura da Netflix não é nem de longe a mais barata entre os streamings disponíveis. Disney, HBO Max, Paramount, Discovery e mesmo a Globoplay, que vem incrementando paulatinamente seu catálogo, giram em torno de uns 20 reais.
Disputa de peso
O ponto forte da Netflix é sua tradição e seu conteúdo exclusivo, que por melhor que seja, é facilmente enfrentado por uma Disney e uma HBO. Nem mencionei a Prime Video, que mesmo com um conteúdo abaixo das rivais, mesmo que muito bom, agrega valor ao adicionar serviços da Amazon ao pacote, e fica potencialmente tentador a quem tem o hábito de fazer compras pela internet.
Esta cobrança do ponto adicional, que lembra muito o que faziam a NET e a TVA nos tempos jurássicos da televisão por assinatura (há uns quinze, vinte anos), pode configurar um enorme tiro pela culatra. Só pra começar, a Netflix perdeu 200 mil assinantes no primeiro trimestre do ano, seguidos por mais 970 mil no segundo trimestre, segundo divulgação da própria empresa em 19 de julho.
A Netflix acredita que algo em torno de cem milhões de famílias ao redor do mundo tenham este comportamento espertinho de compartilhar senhas, e essa cobrança seria um modo de pelo menos remendar o cofrinho por onde tantas moedas escorrem.
A meu ver, já há muita possibilidade do público que não se interesse por conteúdos específicos, cancelarem a Netflix em detrimento de um ou dois concorrentes. E pelo mesmo preço de um, com a possibilidade de continuar dividindo acessos.
Entendo que para garantir a qualidade e a liquidez da cara operação do streaming, e no quesito operacional a Netflix está ao menos um passo na frente de qualquer concorrente, a empresa precisa gerar lucro constante.
Resultado perigoso
Mas implantar este programa no Brasil de hoje, onde tudo está numa alta de preços raivosa, não me parece prudente. Face a necessidades prementes, quase tudo vira supérfluo. E entretenimento costuma ser um dos primeiros itens a cortar.
Implantar medida tão antipática e avarenta pode ter um resultado catastrófico. Ainda mais em um país onde o saco de arroz, alimento básico, chegou a 25 reais, não dá pra imaginar outro resultado.
Os concorrentes certamente agradecerão, quase aplaudindo a iniciativa.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.