NFT: Para além do hype - Parte 2
Imagem: Pixabay/Tumisu
No último texto, a intenção foi trazer de forma até mesmo superficial alguns dos conceitos basilares da tecnologia dos tokens não fungíveis. O presente artigo visa trazer alguns desafios legais para adoção da tecnologia e alguns caminhos da tokenização.
A tokenização legal
Recentemente, os tokens não fungíveis permitiram uma popularização para além da comunidade cripto, levando sua adoção por um público que até então pouco havia ouvido falar ou não utilizava as ferramentas de blockchain então existentes.
Ao contrário do esperado pela comunidade, não foram as ferramentas das finanças descentralizadas que definitivamente potencializaram o uso dos Smart Contracts, mas, sim o uso de artigos e bens colecionáveis para a criação de comunidades, games e plataformas levaram a coisa para outro patamar.
Uma das explicações talvez esteja no fato de que o uso de bens exclusivos (premium), colecionáveis e com algum registro de escassez seja algo muito mais comum do que imaginado, presente no cotidiano, ainda que silencioso, de milhares de pessoas, enquanto as ferramentas financeiras descentralizadas demandam um conhecimento sobre o funcionamento do mercado financeiro que não é tanto popular.
Pode também ser a facilidade de adaptação à tecnologia, como o caráter pedagógico de permitir uma interação com blockchain através de um game, por exemplo, como o Axie Infinity, sem que o usuário se quer tenha que se aprofundar em como funciona uma cadeia de blocos ou como são operados os hashs de validação.
De todo modo, os NFT’s prometem revolucionar os sistemas legais ao redor do mundo, pelo simples fato de que permitem uma dinâmica social completamente nova, a partir do desenvolvimento da Web 3.0, levando os limites da liberdade produtiva, de negócios, estruturas legais e organizacionais a um nível ainda mais intenso nesse estágio da globalização.
NFT 2.0
Em excelente artigo publicada na Revista de Direito Digital, Intelectual e Sociedade (GEDAI/UFPR), Alexandre Pesserl traz o conceito do NFT 2.0 para atribuir justamente a utilização da tecnologia em um momento posterior ao hype inicial, escalando o potencial de uso de blockchain, neste caso, especificamente, no mercado fonográfico.
Segundo o autor, o mercado fonográfico passou por diversas transformações até chegar no momento atual onde um dos principais desafios dos produtores e artistas da arte musical está tanto na garantia de registro das obras, mas, principalmente nas possibilidades de utilização desse direito de uso e propriedade e arrecadação.
Atualmente a distribuição dos lucros sobre direitos autorais é centralizada pelo ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos) e não são novos os desafios e críticas sobre a atuação da entidade. Sem fugir da polêmica ou adentrar em um tema controverso, sem dúvidas a utilização de ferramentas blockchain e a distribuição de direitos através de NFT’s pode levar toda a cadeia comercial então vigente um nível de disrupção cada vez maior.
Isto porque, o registro em blockchain permite a descentralização e a dependência de músicos e artistas das grandes gravadoras ou selos, enquanto o desenvolvimento de soluções de rastreio de uso da música tendem a ser acelerados com a melhoria e criação de novas ferramentas. Por sua vez, a distribuição de direitos através de tokens podem permitir a criação de inovações de negócios, possibilidades de uso e execução de uma maneira difusa e distribuída.
O desafio legal dos NFT’s: propriedade, mercado e contrato
O caso do mercado fonográfico é apenas um fio condutor de como um nicho de mercado, arte e cultura pode se relacionar a novas formas de negócios, contratos e formas produtivas, mas, a tendência é o que o potencial inovativo provoque intensamente a estrutura jurídico-legal então vigente.
Por exemplo, um estudo de caso bastante interessante, é a discussão sobre a legalidade da comercialização de espaços no próprio corpo para tatuagem. Sim, isso mesmo.
No anúncio, o usuário Bishop anuncia a venda de um espaço em seu corpo (“Let me be your canvas”), se resguardando ao direito de não permitir artes obscenas, compatíveis com local de trabalho, atribuindo um percentual fixo de royaltes sobre revendas e limitando o contrato ao seu tempo de vida. Para acessar o anúncio clique aqui.
O tema sequer é novo e é trabalhado pelo prestigiado professor de Harvard, Michael Sandel, em seu livro “O que o dinheiro não compra” (What Money Can’t Buy), onde alguns casos similares, como o da Casa Sanchez que em 1988 garantia almoço grátis pelo resto da vida a quem se dispusesse a tatuar a logo da marca em seu corpo, são levantados para se discutir até onde vai a liberdade de mercado. Nesse caso, por exemplo, seria possível a comercialização do corpo por empresas privadas a partir de marketplaces digitais?
A provocação é estritamente casual, mas, busca-se atentar como o desenvolvimento da descentralização aquece inevitavelmente também o debate sobre a liberdade individual, por sua vez, os protocolos difundem seus próprios limites de participação, no entanto, não se sabe ainda exatamente onde estão as fronteiras legais colocadas para além dos critérios da comunidade.
Se por um lado, os modos de controle dos Estados nacionais são confrontados em sua legitimidade e interesse, existem pontos de convergência que precisarão serem testados, desde a liberdade individual e o mercado, até as formas de uso, os requisitos legais, as repercussões tributárias e cíveis, os efeitos penais e a competência judiciária.
O caminho da tokenização
Em sua trilogia de textos, o pesquisador Marcelo Silva aponta sobre o potencial econômico da tokenização para pequenos negócios, demonstrando como a utilização pode permitir a criação de novas alternativas de mercado e negócios para empreendedores que nem sempre possuem condições de disputa real no mercado tradicional.
Esse é justamente um caminho possível para a utilização dos tokens não fungíveis que absolutamente não possuem uma definição única e concreta sobre o seu potencial, é um erro dizer que tratam-se apenas de “arte digital”, essa definição até mesmo vulgar faz transparecer um significado que a tecnologia não possui, ao contrário, o seu significado de uso somente se dá pela experiência.
Em artigo publicado pela Harvard Business Review (“How NFTs Create Value”), o uso de NFTs é associado à capacidade de criação de novas formas de propriedade, novas possibilidades de desenvolvimento de comunidades e ecossistemas, a partir da maturidade no desenvolvimento do design dos tokens e de sua adoção social crescente.
Em breve novas formas de uso serão desenvolvidas, seja por pequenos negócios, empreendedores, grandes marcas e empresas, e até mesmo pela administração pública, de todo modo, um longo e desafiador caminho se aponta para a absorção de seu uso pelos poderes legislativos, pela compreensão das instituições de justiça e poderes, enquanto a sociedade avança no sentido da inovação e criatividade.
Por enquanto, cumpre apontar que, sim, os NFT’s estão para além do hype, do meme e da zoeira, a tecnologia avança independentemente dos descrentes que podem amargar mais uma vez os custos da oposição ao desenvolvimento social em curso.
Este artigo foi escrito por Verber Alves de Souza e publicado originalmente em Prensa.li.