NOSFERATU - O Centenário do Primeiro Vampiro Genérico do Cinema
Ao contrário do que diz o senso-comum, Nosferatu - Uma Sinfonia do Horror, não foi o primeiro filme de vampiros do cinema. Drakula Halála, uma produção húngara de 1921, é creditada como a primeira do gênero, apesar de hoje restarem apenas registros técnicos da película, como pôster, fotos dos sets de filmagem, e outras referências publicadas em revistas de cinema da época.
No entanto, Nosferatu, que quase teve destino semelhante por força dos tribunais, seguiu ileso no imaginário popular por conta da força dramática da obra e por uma macabra lenda urbana que dava conta de que Max Schreck, ator intérprete do protagonista, era mesmo um vampiro de verdade.
O Expressionismo alemão, foi a primeira "escola cinematográfica", quando o cinema deixou de ser uma curiosidade tecnológica ou meramente um entretenimento de massa e passou a ter uma estética, linguagem.
Foi neste período, que os filmes passaram a ser lembrados pelos títulos, história, atores, diretores. De toda essa marcante produção, podemos citar Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens, dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau em 1922, como um de seus grandes expoentes.
O expressionismo no cinema fazia uma junção dos processos da atuação teatral, cenografia e trucagens de câmera, as primeiras manifestações dos chamados efeitos especiais práticos. Aplicações de sombra, makeup exagerado, cenografia repleta de elementos que davam ao espectador uma imersão numa atmosfera de pavor e angústia.
Na história, Thomas Hutter, um agente imobiliário, viaja até os Montes Cárpatos para vender um castelo no Mar Báltico cujo proprietário é o excêntrico conde Graf Orlock, que na verdade é um velho vampiro. Sua ideia é mudar-se para uma cidade maior, Wisborg, que também é a cidade de Hutter, para ampliar seu reinado de terror.
Na terra do sinistro conde, há uma atmosfera de silêncio e pavor por parte dos moradores que tentam dissuadi-lo, sem sucesso e sem dar maiores detalhes, de ir até o castelo.
Lá, bem recebido pelo taciturno e solitário conde, Thomas lhe dá informações da nova residência, que coincidentemente fica em frente à sua. E ao assinar os papéis do contrato, Orlok ganha uma motivação a mais ao ver uma foto da esposa de Hutter, Ellen, cair dos documentos do contrato.
O mito dos vampiros ou entidades sugadoras de sangue antropomórficas ou não é POP, há muito tempo. Há registros a respeito, que datam de séculos, milênios até. Da Europa balcânica até as nações nativas americanas.
No entanto, o mito ganhou corpo e forma na Europa desde antes da Idade Média até que em 1897, recebe sua personificação definitiva e moderna com o livro Drácula, do escritor Bram Stoker baseado em histórias do folclore e de um sanguinário nobre romeno.
Nosferatu deveria ter sido uma adaptação deste livro, que foi taxativamente proibida pelos familiares de Stoker à época, o que acabou sendo a maior oportunidade da produção.
Sem poder contar fielmente a história descrita no romance, o diretor criou um vampiro genérico e consequentemente muito mais assustador. E principalmente, acrescentando elementos que todos conhecemos muito bem dentro do mito, como o medo da luz do sol, por causar sua morte. Isso acontece pela primeira vez neste filme.
É impressionante como Nosferatu ainda tem muita força, mesmo depois de cem anos. A atmosfera horripilante paira desde o começo do filme até seu fim. O vampiro Orlock não é um dúbio e sedutor vampiro como os que foram eternizados em outras obras do gênero, ele é esquálido, pálido, tem dentes e orelhas pontiagudas, ele é o que é, não esconde sua natureza e essa é uma modernização interessante.
Outro fato a ser anotado nesse aspecto, é que Nosferatu é um vampiro da Era da Industrialização, a lâmpada elétrica já existe, portanto, não é mais um mundo de trevas como o do seu "primo" Drácula. Ainda assim, as trevas estão lá, como elemento cenográfico ou como na alma de cada personagem. Nada disso seria possível, claro, sem a atuação de Max Schreck, no papel-título.
Magro, alto (com quase 1,90m), um olhar vidrado e desconcertante e com uma extensa carreira nos palcos interpretando tipos estranhos e abusando da caracterização, Max Schreck já assustava antes mesmo do filme começar a ser rodado.
Ele tinha um trato com o diretor para dar mais veracidade às atuações. Sempre estava maquiado, nenhum ator ou integrante da equipe sabia como era seu rosto de verdade, não sabiam sequer seu nome e sempre que perguntado, respondia: “Conde Orlock”. Ele jamais interagia com os colegas em intervalos ou coisa do tipo, falava somente com o diretor com uma voz disfarçada.
Schrek, sempre aguardava a hora de filmar encolhido em cantos escuros do set e dizem, que chegou a morder um assistente desavisado que ousou importuná-lo (até onde se sabe, o mesmo não virou vampiro). O próprio diretor embarcou na trollagem e passou a dizer que o ator era mesmo um vampiro. Não é preciso dizer o tipo de contornos que a história ganhou, e sem os mecanismos de checagem de que hoje dispomos, fugiram do controle.
Chegou-se até afirmar que Schreck foi contratado pela produção tendo como pagamento, o direito de sugar o pescoço da atriz Greta Schröder, que interpreta a mocinha Ellen no filme, que desapareceu das telas um ano após o lançamento da produção, o que colocou mais fervura na boataria. Por exigência do próprio ator, ele nem foi creditado na produção e por 14 anos ninguém soube quem era o intérprete do conde Orlock.
Mas devido às semelhanças com a história do livro Drácula, a viúva de Bram Stoker entrou na justiça, que deu ganho de causa à eles determinando que todas as cópias, cenários, roteiro e trilha sonora composta fossem queimados.
Graças a uma cópia que foi mantida guardada até o falecimento da esposa de Stoker é que o filme pôde novamente ver a luz do dia, sem entrar em combustão, sem trocadilhos. Nosferatu cumpre o que promete, aterroriza e ponto final. Inovador e essencial para a modernização e aperfeiçoamento de um mito que fascina e assusta a humanidade desde sua aurora. Podemos dizer que, sem Nosferatu, não haveria... o Crepúsculo.
P.S. A atriz Greta Schröder teve uma longa vida sem ser importunada por qualquer sugador de sangue noturno, morrendo em 1980 aos 87 anos. E Max Schrek em 1936 com apenas 56 anos, morreu do coração (infarto e não estaca cravada) sepultando de vez, uma das mais tenebrosas fake news da história do cinema.
Este artigo foi escrito por Marcelo Pereira e publicado originalmente em Prensa.li.