Notas sobre a rotina de quem combate o crime
Alguns deles se tornaram policiais militares com o ideal de fazer cumprir a lei ou porque desejavam ser como os heróis vistos nos filmes de super-heróis. Em um misto de medo e admiração pelas forças militares, tudo isso é confrontado após anos de atividade em meio à dura realidade que o trabalho proporciona.
A exposição diária à violência extrema, somada a uma remuneração pouco condizente com a realidade e insalubridade desta atividade; vítimas, por isso, da depressão, ansiedade ou de vícios, como o consumo de álcool ou outras drogas ilícitas.
Quem são eles? Como vivem? No que acreditam? Conversei com alguns policiais militares e obtive algumas respostas curiosas sobre o tema da paz, da violência e da segurança pública. O resultado foi surpreendente e a intenção deste artigo é revelar estas soluções da maneira mais honesta e realista possível.
Há, na corporação, os que admitem que a função de um policial militar é algo realmente honroso, no entanto, pouco reconhecido.
O fim do romantismo para uns, diante da realidade que a profissão impõe é, na maioria dos casos, inevitável. Desta decepção, decorre a morte do herói dos filmes de super-herói outrora idealizada.
Assim, o que se vê são homens cansados com o combate ao crime de outros indivíduos presentes em suas rotinas de violência e crueldade. O cansaço e a depressão é o que define o que se tornaram estes servidores.
A real natureza humana, isto é, cruel e perversa, amplificada durante a experiência e contato diários com a corrupção dos homens, é reforçada sempre que a grande mídia, por exemplo, distorce a realidade destes homens importantes para a manutenção da ordem.
A formação em Direitos Humanos ou alguns testes agressivos deixaram marcas indeléveis nas vidas destes indivíduos corajosos mas nenhum teste ou formação lhes pareceu mais duro que o contato com o cotidiano do crime.
“Para mim, é estranho pensar que, em casa, numa gaveta da escrivaninha, há um começo de drama – Saul – e um monte de poemas. Quantas noites passei trabalhando neles; quase todos nós fazíamos algo semelhante; mas tudo ficou tão irreal para mim, que não consigo representar nitidamente os fatos na memória.”
Estas palavras são de Erich Maria Remarque e, no contexto da vivência, quando jovem, com a primeira guerra mundial. O que retrata o romance cognominado por Nada de novo no front, traduz a rotina e o efeito de quem trabalha como policial militar com uma precisão quase cirúrgica: ambos os personagens, isto é, o autor do romance, que viveu os horrores da primeira guerra, assim como os policias militares, testemunham aquilo que a violência produz quando não se é um Rosenberg.
Indaguei-os, por exemplo, sobre racismo e corrupção. Como resposta, ouvi que, em nenhum momento da formação militar ou durante o próprio serviço militar, nenhum dos policiais que usam a farda que lhes confere algum poder e orgulho, é orientado a cometer tais crimes.
Desta forma, a realidade da violência produzida por alguns membros da corporação corrompidos ou corruptores é, antes, herança trazida de casa e, portanto, da vida mais íntima de cada um que comete o que comete durante o serviço público.
Ora, aquilo que Remarque demonstrou esteticamente, isto é “tudo ficou tão irreal para mim, que não consigo representar nitidamente os fatos na memória” casa perfeitamente com o diagnostico de depressão, ansiedade e vício em álcool ou qualquer outro entorpecente ilícito.
Um fato curioso foi a resposta que ouvi ao indagar se algum caso havia marcado a carreira de algum deles. A narrativa falava em violência racial e sexual contra mulheres obrigadas a ficarem nuas e que, paradoxalmente, não obtiveram amparo legal para as violências sofridas em uma famosa loja de departamento.
Referência
PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Editora Ática, 1997.
REMARQUE, Erich Maria. Nada de novo no front. São Paulo: Abril Cultural, 1981.
Este artigo foi escrito por Gilson Santos e publicado originalmente em Prensa.li.