Notícia para quem precisa de notícia
A resposta é sim. E um motivo sintomático dos dias atuais explica a chegada dessa iniciativa mais recente, a TV Jovem Pan News. Mas de onde veio esse interesse repentino do público brasileiro por canais de tevê segmentados em notícias?
Interrompemos nossa programação...
A coisa não é repentina, e começa lá atrás, precisamente em 1991. O país (e o resto do planeta) acompanhava os ataques do Iraque ao Kuwait e a Israel. E obviamente, a contra-ofensiva israelense, norte-americana e inglesa. A coisa ficou feia.
Duas novidades surgiram nessa ocasião e mudaram o perfil da tevê brasileira: primeira, a vinheta de plantão da Globo. Sim, aquela musiquinha que te faz correr para baixo dos cobertores, e aguardar o fim do mundo em posição fetal. Com narração do William Bonner.
Segunda, o público nacional teve contato com três letrinhas que se tornaram onipresentes pelos próximos meses: a CNN. Sigla de Cable News Network, ou Canal de Notícias via Cabo no idioma de Camões e Tiririca.
Com pouco mais de dez anos na ocasião, a emissora transmitia os bombardeios diuturnamente, com narração do repórter Peter Arnett e do âncora Bernard Shaw. As imagens eram usadas (e descaradamente surrupiadas) por praticamente todas as emissoras brasileiras.
A notícia passou a dar audiência, e consequentemente, lucro. É óbvio que isso deu um estalo na mente (e na carteira) de muitos empresários de comunicação do nosso país.
Jeitinho brasileiro
Justiça seja feita, essa ideia já havia surgido na cabeça dos sócios da TV Jovem Pan, não a atual, mas a original. Milhões de dólares foram investidos na criação da emissora, para que fosse uma “CNN à brasileira”. Mas como a história registra, ninguém se entendeu na administração e tudo terminou sem que a estação fosse inaugurada oficialmente.
Outro projeto estava em andamento desde o ano anterior: a GNT, não por acaso Globosat News Television, mas no final das contas transformou-se em um canal de documentários. Mesmo o Grupo Globo não estava preparado na ocasião para gerir um canal com esta configuração, apesar da experiência bem sucedida que começavam a acumular com a rádio CBN.
Informação de primeira
E outros resolveram aventurar-se nesta trilha. Um plano pouquíssimo conhecido tomava corpo nas instalações da TV Manchete de São Paulo. A ideia das Empresas Bloch era lançar o C42, canal aberto de jornalismo voltado à capital paulista, baseado na produção de notícias diárias da própria Rede Manchete, altamente prestigiada pelo público e pelo mercado.
O nome do canal era uma alusão ao canal 42 UHF paulistano, que seria operado em sociedade com o detentor da concessão, a TV Morada do Sol de Araraquara. O projeto não foi a lugar algum; o canal abrigou posteriormente a Rede Mulher e atualmente, por coincidência, é a principal geradora da Record News.
Com o crescimento da televisão por assinatura no país, o público passou a ter acesso a três canais de notícias internacionais: a própria CNN International, a CNN en Español e a britânica BBC World. E é mais ou menos nesta ocasião que um novo player surge, destinado a ter um papel importante na história dos news channel do Brasil: a Telenoticias.
“Nos dê vinte minutos e nós lhe daremos o mundo”
Fruto de uma joint venture entre os grupos Reuters, Clarín e outros, o canal era transmitido para toda a América Latina, falado em espanhol e com um estilo bem mais informal do que seus concorrentes (e permita-me dizer, com a melhor trilha sonora que um canal desses já teve).
Gerado de Miami, o Telenoticias cresceu rapidamente entre os assinantes, e acabou chamando a atenção de gente grande, como veremos em breve.
Duelo de gigantes
Enquanto isso, cá na terrinha, dois grupos engalfinharam-se para lançar o primeiro canal de notícias genuinamente nacional: Abril, muito à frente com a montagem do CNA e Globo, que voltava à carga, agora com o projeto da GloboNews. Ao que tudo indicava, a Abril levaria a melhor. Mas…
Às vésperas do lançamento, com equipes contratadas, estúdios e cenários prontos, a Abril simplesmente desistiu da ideia, concluindo que a aposta era alta demais. Dezenas de profissionais do futuro Canal de Notícias Abril foram dispensados da noite para o dia, e o fato marcou o início da derrocada dos canais da empresa: em aproximadamente quinze anos, todas as operações de tevê do grupo foram vendidas ou encerradas.
O Império contra ataca
Já a concorrência teve melhor sorte: a GloboNews entrou no ar em 15 de outubro de 1996, utilizando material próprio e conteúdos da TV Globo. Em pouco tempo, abocanhou a liderança no segmento, desenvolvendo um estilo próprio que se mantém até hoje.
Lembra quando dissemos que o Telenoticias chamou a atenção de gente grande? Pois é, a gigante norte-americana CBS, de olho em um público maior, adquiriu o canal, rebatizando-o como CBS Telenoticias. Em 1997, lançava seu segundo sinal, a CBS Telenotícias Brasil, agora em português (e com acento agudo). Transmitida basicamente pela TVA e operadoras independentes, foi por muito tempo a única concorrente direta à líder GloboNews.
“E agora, as notícias locais…”
No mesmo ano, um pequeno grupo do litoral paulista propôs uma ideia ousada à Canbras, joint venture entre a brasileira TVA e a canadense Bell Company: lançar o primeiro canal de notícias dedicado exclusivamente a uma cidade, tendo como piloto o município de São Vicente, área cabeada pela operadora, que cobria também Santos e a região do Grande ABC.
Um enorme plano operacional e mercadológico foi desenvolvido para a TNC, acrônimo de Televisão de Notícias Cidade. A emissora iria operar no canal 29. A sede, que ocupava dois andares de um velho edifício no Centro Histórico da cidade, estava praticamente pronta, quando a Bell desistiu do plano, achando arriscado e local demais.
Ainda assim, o projeto de implantação foi bem avaliado pela TVA, passando a ser considerado modelo para os futuros canais de jornalismo do Grupo Abril, coisa que infelizmente nunca saiu do papel.
Muito além da notícia
A próxima iniciativa chegaria só em 2001, quando o Grupo Bandeirantes de Comunicação lança o BandNews TV, canal de hard news baseado em notícias internacionais, complementadas pela produção das emissoras da rede Band em todo o país.
Apesar de não oferecer ameaça direta à audiência da GloboNews, o BandNews TV gerou um “filhote” radiofônico em 2005, a rede BandNews FM, que passou a deter grande prestígio e influência.
Em 2007, a RIT do Missionário R. R. Soares lançou o RIT Notícias, canal de jornalismo que nunca teve grande repercussão, mas lançou muita gente boa no mercado, como a apresentadora Milena Machado, que teve passagens pelo BandNews TV, pelo AutoEsporte e atualmente âncora do RedeTV! News.
Adversários figadais
O ano ainda traria a inauguração da Record News, lançada com toda pompa em TV aberta, com a missão clara de ser a principal concorrente à GloboNews. Uma clara reprise da batalha já travada entre suas emissoras de programação generalista, TV Globo e RecordTV.
Entre altos e baixos, o canal recentemente experimentou uma retomada, afastando notícias recorrentes sobre sua extinção pelo Grupo Record.
A programação desde o início se baseia em reportagens locais e nacionais produzidas pelas emissoras da RecordTV.
“Por brasileiros, para brasileiros”
Ainda antes do apagar das luzes de 2007, parte dos profissionais que haviam participado da CBS Telenotícias Brasil, uniram-se a um grupo de Miami e tentaram lançar a WSBC Telenotícias, apenas com matérias internacionais, voltadas para o Brasil. Negociações foram realizadas com o consórcio de operadoras independentes NEO TV, mas não se chegou a consenso e o canal não vingou.
“A maior do mundo…”
Depois de mais uma década sem novidades no segmento, 2019 trouxe uma notícia bombástica: o grupo MRV, de propriedade do empresário Rubens Menin, se associava a Douglas Tavolaro, ex-diretor de jornalismo da Record TV, para lançar de uma vez por todas a CNN Brasil.
Com o caixa recheado, a nova emissora passou a tirar profissionais da concorrência com uma voracidade que há muito não era vista: redações, departamentos operacionais e técnicos de Globo, Record, Band e SBT foram desfalcados de dezenas de profissionais.
A aposta alta deu certo: inaugurada em março de 2020, a CNN brasileira não superou a GloboNews em audiência e faturamento, mas facilmente ocupou o segundo posto no segmento e principalmente em relevância.
O ano traria ainda outra novidade: no final de dezembro, entrava no ar exclusivamente pela internet o canal Mundial Telenotícias Brasil, com parte da equipe original que pretendia implantar o WSBC em 2007. O canal produz um telejornal de aproximadamente uma hora diária, publicado via YouTube no final da noite.
A rádio que (finalmente) virou TV
Mas como chamamos lá no começo, agora é a vez da TV Jovem Pan News. O canal, que será distribuído inicialmente pelas operadoras de televisão por assinatura, já tem cerca de quinhentos profissionais em seus quadros. Sua intenção declarada é fazer frente à GloboNews (com seus 25 anos de experiência) e à CNN Brasil com todo seu prestígio.
Não será uma missão fácil. A TV Jovem Pan News entrará no ar visando um público conservador, nos moldes da Fox News norte-americana. E aqui entra o “motivo sintomático” dos dias atuais citado lá no começo da reportagem: atualmente, parte do público não quer mais a informação per se, quer opinião.
Se isso na teoria soa interessante, na prática pode ser bem complicado: opinião pode significar a distorção de fatos para aquele ou este lado, ao seu bel-prazer, ou ao menos ao bel-prazer de seu público. O que não é saudável para o jornalismo, para os jornalistas e tampouco para o público.
Notícias enviesadas tendem a faltar com a pluralidade de ideias e principalmente, com a verdade. Jornalismo não pode ter verdades a la carte. Precisa ter a notícia, a crítica, para que lado for. Como diz o ditado, pau que bate em Chico bate em Francisco. Se não seguir essa máxima, deixa de ser jornalismo. Vira ficção.
Imagem de capa - Amanna Avena - via Unsplash
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.