Novos tempos
Intrigada com as urgências da vida contemporânea. Quanto mais eu penso nisto, mais sinto que preciso pensar. Não. Não busco uma resposta. Demora e talvez eu não tenha tempo de esperar. Algo que não me lembro bem como é me aguarda e preciso correr. Nesse contexto, desacredito que eu possa dominar o tempo e confesso que isso está longe de ser minha prioridade.
O relógio é um objeto que me atrai. Tenho alguns. Quando cansados, paralisam o tempo cujo conceito aprendi desde sempre. Horário para levantar. Café. Relógio no im[pulso]. Escola. Esta foi a rotina na infância, campo pouco sofisticado quando se pensa em tarefas planejadas e adequação de horários às impiedosas frações do dia. O corpo infantil quase não sente tal imposição, salvo exceções.
Aprendi conjugação verbal e então o tempo brincou de passado, presente e futuro. Meus colegas de turma aceitaram tudo conforme o planejado. Ensino conjugação verbal em 2021 e meus alunos comparam o presente que acontece de manhã com o presente que acontecerá à tarde, quando eles lá estiverem, e que alguns chamam de futuro. Disseram que o futuro seria às vinte horas de hoje e não amanhã pela manhã, quando nos veríamos novamente para discutir um presente que amanhã não será o mesmo de hoje.
Idades iguais em turmas separadas pelo conceito de tempo. Quem sabe os alunos de meus alunos encontrem uma forma de explicar todos os questionamentos relativos ao tempo estático no calendário, em movimento no relógio e nas hipóteses que não cansam de se renovar. Levar o tempo adiante me parece um desafio entre os muitos que meus alunos de hoje terão de enfrentar.
Meus alunos e eu nos perdíamos no fuso horário quando o assunto era tempo verbal. Era de propósito porque urgente a inquietação. Pensar o tempo me parece uma das urgências da vida contemporânea. "Mas são crianças de dez anos" e confesso que não sei onde está a importância disto. Idade me parece mais uma das convenções sociais nessas horas e questiono a necessidade da espera em se discutir o assunto com os futuros adultos se o futuro se antecipa a cada um deles, todos os dias.
Não à toa, Tesla e Einstein são temas de discussão entre os infantes que circulam comigo pelos corredores antes da chegada dos pais, protagonistas de perguntas inerentes ao tempo deles. O tempo deles é diferente do tempo de meus alunos em alguma coisa que agora não cabe expor aqui. Sinto desapontá-los. Voltemos ao assunto porque preciso economizar tempo, como ensinou o estoico Sêneca ao amigo Lucílio.
Faço apenas um parênteses para escrever o efeito da ausência de intervalo de tempo para comparar uma geração e outra. Nem deu tempo do pai estar inserido no contemporâneo e cá estamos a seguir tendências que situam pai e filho e filha como se todos fossem produtos de um tempo linear e homogêneo. A filha saiu ao pai. O filho saiu à mãe.
Questão de ressaltar o gênero e cometemos os mesmos equívocos de nossos antepassados em relação a nós. Não é culpa de nossas mães, antes que se antecipem. Na ausência de intervalo de tempo mora o imediato e temos pressa. Dessa forma, é necessário comparar contemporâneos de tempos diferentes antes que o dia acabe e as divergências de toda ordem sejam varridas para debaixo do tapete.
Está decretado o fim da zona de conforto em meu discurso. O curso da vida segue e grata a todos os inimigos que se satisfazem com menos e, por isso mesmo, tentam me puxar para baixo, pois herdeiros de um capitalismo sem objetivos.
Medo dessa gente contemporânea que a tudo se acostuma. Dinheirinho na conta, tapetes devidamente puxados e mais um salarinho ganho. Casinha em nome da filha. Carreira constituída ao lado do puxa-saco e no solo da mediocridade. Cheguei lá. Agora é contar papo a respeito das viagens breves, receber a aprovação das amigas cujo pensamento não se consegue ler e mudar a cama de lugar.
Ela conclui: vivi a vida e mantive o mesmo Qualis do nascimento aos oitenta. É o suficiente. Basta. Hora de partir. O reloginho que carrego na bolsa será dado à filha que o trocará em breve por outro porque o modelo é antigo. O objeto que marca o tempo estará, provavelmente, no bolso de um quase estrangeiro que nada sabe das horas marcadas e do tempo perdido naquele relógio.
Este artigo foi escrito por Rosa Acassia Luizari e publicado originalmente em Prensa.li.