Nubank não é banco
Na última década, diversos segmentos da economia passaram por grandes transformações causadas por startups que, empregando plataformas digitais, revolucionaram tais mercados.
Um dos exemplos mais conhecidos é o Airbnb, plataforma de hospedagens alternativas. É comum encontrarmos comparações (número de quartos, faturamento, valor de mercado) entre o Airbnb e redes de hotéis tradicionais, porém, quem conhece a plataforma sabe que não se trata de um hotel e decide utilizar (ou não) os seus serviços justamente por saber dessas diferenças.
Fenômeno similar vem acontecendo com serviços financeiros no Brasil, com o surgimento de Fintechs como Nubank, Picpay, MagaluPay, Ame Digital. Tais empresas nasceram como “Instituições de Pagamento”, conceito criado pelo Banco Central em 2013 e, apesar de supervisionadas pelo BaCen, não são consideradas instituições financeiras.
Entretanto, observo que a grande maioria das pessoas acha que é “tudo igual”, pois existem diversos serviços que são oferecidos tanto por este tipo de Fintech quanto por bancos tradicionais. Além disso, manchetes recentes como “Nubank é o banco mais valioso da América Latina” acabam reforçando essa percepção. (Neste caso, associar “bank” à marca da Fintech aumenta ainda mais a confusão!).
E quais são as semelhanças e diferenças relevantes entre fintechs (instituições de pagamento, IPs) e bancos, que todo consumidor deveria conhecer?
Cada um na sua Caixa
Bancos e IPs custodiam (“guardam”) o dinheiro de pessoas e empresas por meio de contas-correntes e contas de pagamento, respectivamente. Ambos provêm serviços de pagamento: emissão e pagamento de boletos e contas de consumo, transferências como TED e Pix, cartão de débito ou pré-pago, e vários outros.
Já a principal diferença está relacionada com serviços de crédito e financiamento. Os bancos (e outros tipos de instituições financeiras) são autorizados a captar recursos no mercado (via CDBs, por exemplo) e emprestá-los para terceiros cobrando juros, que irão remunerar os investidores e o próprio banco por esta intermediação.
Além disso, os bancos literalmente multiplicam dinheiro, pois também podem emprestar parte dos recursos que estão nas contas correntes. Ou seja, mesmo que não realizem investimentos, os correntistas de um banco são credores daquela instituição.
Esta intermediação financeira desempenha um papel fundamental para a economia, mas, ao mesmo tempo, pode levar a graves crises se não for supervisionada adequadamente. Por isso, os bancos são obrigados a ter processos de gestão de risco (crédito, mercado, liquidez, …) muito bem estruturados e que seguem as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central, como o depósito compulsório de parte de seus recursos.
Por sua vez, as Instituições de Pagamento não podem captar nem emprestar dinheiro. Também não podem utilizar o montante depositado nas contas digitais para investir em bolsa, criptomoedas, fundos imobiliários, etc. As IPs estão autorizadas a utilizar estes saldos para comprar apenas alguns tipos de títulos públicos e, se desejarem, compartilhar a remuneração correspondente com seus clientes.
Os riscos associados a uma IP são bem inferiores do que aqueles de um banco e, consequentemente, a demanda regulatória e sua supervisão são reduzidas. Assim, estas fintechs podem ter estruturas mais enxutas, o que contribui para que ofereçam preços competitivos.
De qualquer forma, como toda empresa, as IPs precisam gerenciar efetivamente os riscos da sua operação. Ataques cibernéticos, indisponibilidades dos serviços de pagamento, crimes, fraudes e bugs podem causar desde pequenos transtornos a perdas financeiras graves para seus clientes.
Como avaliar?
Para quem pensa em abrir uma conta digital ou avaliar a qualidade da fintech que já possui relacionamento, seguem alguns critérios úteis para avaliação:
Processo de abertura da conta digital: utiliza biometria, valida documento de identidade, verifica dados cadastrais como endereço de e-mail e número de celular? Tais checagens são importantes para reduzir a chance de abertura de contas falsas, utilizadas para atividades ilícitas;
Autenticação e autorização de transações: o app oferece mecanismos de duplo fator de autenticação (SMS, notificações “push”), controle de limites (tipo de transação, período do dia), confirmação de transações via e-mail, SMS?
Experiência dos sócios e/ou principais executivos no mercado financeiro;
Qualidade do atendimento ao cliente e quantidade de reclamações registradas no Banco Central, ReclameAqui, Procon, entre outros;
Caso a instituição de pagamento ofereça investimentos e crédito, por meio de parcerias ou via Instituição Financeira do mesmo grupo econômico: qualidade de atendimento e nível de reclamações desta Instituição Financeira, além de verificar quais opções de investimento são protegidas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Assim como devemos ser diligentes na pesquisa e escolha de uma hospedagem, é ainda mais importante avaliar bem onde deixaremos o nosso dinheiro. Conhecendo a natureza dos diversos participantes do mercado e com a devida atenção, podemos escolher excelentes fintechs, bem alinhadas com as nossas necessidades e expectativas.
Desta forma, nossa viagem pelo mundo dos serviços financeiros digitais será muito mais proveitosa.
Este artigo foi escrito por Alexandre de Souza Pinto e publicado originalmente em Prensa.li.