O ator capacitista no mundo ‘high tech’
Lendo o Instagram do blog Vencer Limites, me deparei com uma notícia que não é novidade. Um ator de 60 anos discriminou um casal com Síndrome de Down que estava na plateia assistindo o espetáculo no TUCA (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Segundo o casal, o ator os abordou e disse que não deveriam estar ali. Na matéria do próprio blog, o casal ainda relata que ele batia muito a bengala nervoso e subiu as escadas muito irritado. Testemunhas disseram que viram o ator falar só com o casal com bastante irritação. A irmã da mulher, também advogada do casal, disse que vai entrar com uma representação contra o ator por discriminação.
Podemos nos ater numa análise muito além das linhas do blog e ir até o conceito da deficiência e do capacitismo. No livro que escrevi em 2015 – Clube das Rodas de Aço - Tratado sobre o Capacitismo – coloquei que o capacitismo pode ser visto como uma visão deturpada da deficiência. Como se a deficiência fosse um empecilho de entender o mundo para além do corpo com deficiência não ter eficiência em algumas tarefas, que mostra como nossa cultura do útil e o inútil agrega ou exclui pessoas por categorias. Não foi uma ideia exclusiva da burguesia capitalista, mas foi engendrada dentro da humanidade há séculos.
O <<corpo frágil>> dentro do imaginário social – que podemos chamar de senso comum – tem tradições que remetem em infantilizar a deficiência. Mesmo sendo a criança um corpo frágil, se caracteriza – através do discurso – que corpos com deficiência devem ser infantilizados também por causa da fragilidade.
Mas, será mesmo que corpos com deficiência são frágeis? Será que no imaginário popular pessoas com deficiência são mais frágeis do que de fato são?
Mesmo que o ator tenha escrito uma nota em esclarecimento – que coloca a culpa no barulho excessivo – sabemos que as pessoas com deficiência são vistas como pessoas que devem ser escondidas. Também há uma outra característica: a cobrança dentro da deficiência de posturas e deveres que não são das pessoas com deficiência. Como disse em outro artigo do Prensa – também no da humanização da deficiência –, esse conceito de “exemplo de superação” e a acomodação de algumas dessas pessoas, fazem jus que pessoas tenham atitudes como esta.
Quais seriam os componentes dentro da ótica do comportamento de rejeitar corpos frágeis mesmo na era “high tech”, como dizem? Será que tem a questão de sabotar e macular visões há muito esquecidas? Porque se formos muito mais a fundo, se estávamos em Esparta na antiguidade onde outras nações poderiam invadir, ou em Roma, onde tinham o conceito de perfeição. Ou, até mesmo, na Idade Média com guerras e fome infinita, se tem até uma razão. Mas, em tempos onde as conexões estão muito mais avançadas e se tem a cultura do interface, essas questões tem pouca relevância e o mundo mudou. Vários documentários mostram, lá fora, que as pessoas com deficiência estão mais incluídas.
Estamos numa sociedade onde ser reacionário – aqui, da forma que vimos o passado – se torna algo nostálgico. Não queremos um passado que foi de fato, se imagina um passado que nunca se teve. Não fomos felizes em instituições, porque não vivíamos, pessoas nos tratavam como crianças e, até mesmo, nos falavam que não poderíamos casar ou ter filhos. Instituições que ganhavam às custas da deficiência e criando o conceito de “defeituoso”.
O corpo não é mais natural - depois da mecanização do corpo pelo filósofo e matemático Reneé Descartes, a impressão do <<corpo defeituoso>> faz sentido. Mas, ao que parece, há uma mudança de paradigma.
O corpo mecanizado cartesiano deu lugar ao corpo holístico, entre a racionalidade e o sentimento. Pesquisas mostram que não tomamos decisões sem os sentimentos, então, a ideia do <<corpo defeituoso>> sai de cena. Corpos que eram frágeis são adaptáveis dentro de várias tecnologias, várias maneiras de ser expressar e o mundo novo.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.