O Brasil vai à Copa22, não à COP26
Nota de esclarecimento em respeito ao leitor: “Brasil”, no título, refere-se à figura do Presidente da República, como é possível deduzir ao longo deste artigo. O país se viu representado no evento por equipes secundárias da hierarquia soberana e pela sociedade civil a partir de presença de empresas e organizações independentes.
Ao mesmo tempo, aquelas equipes secundárias estão protagonizando cenas lamentáveis. Ao afirmarem as “boas intenções” em relação ao tema da COP26, são apontadas como mensageiras da mentira. Eis a base do título desta matéria. Na prática, o Brasil, como ente que detinha certa autoridade em discursos sobre a natureza até pouco tempo atrás, hoje é visto como “pária do mundo”.
Brasil, figurante do mundo
O Brasil é um país de epítetos. “País do Futuro”, “Celeiro do Mundo”, “Berço do Futebol”, entre outros. Alguns não tão lisonjeiros, como os que vinculam esta pátria à prostituição e à violência. Dentre todos eles, salta aos olhos o velho chavão “País do Futebol”, produto de uma época em que o mundo se mantinha boquiaberto diante da raça esportiva mais que da técnica.
Afinal, a técnica brasileira já foi ultrapassada há muito, como veem até mesmo os visionários mais saudosistas e nacionalistas. Não seria exagero considerar que mesmo o nível da raça não se manteve acima do de outras equipes, já que o senso mercenário se envolveu no tema.
Quanto a “País do Futuro”, trata-se de um “futuro de cabelos brancos” de tanto que tem esperado esse tempo chegar. Como visto, é cenário que cada vez mais fundamenta outro epíteto, desta feita em forma frase profética do genialíssimo Millôr Fernandes: "o brasil tem todo um passado pela frente".
O Brasil fora da COP22
O brasileiro apaixonado por futebol nem pensa em ouvir alguma notícia do tipo “Brasil fora da Copa”. Mesmo atualmente, diante do comando do técnico Tite, a vantagem matemática e de habilidade de seus jogadores é gritante.
Nesse cenário, parte dos brasileiros pode ficar tranquila: a mais preocupada com a imagem futebolística que com a imagem participativa nas questões ambientais. Afinal, o Brasil vai à Copa22.
Mas, por que a presença do Presidente do Brasil seria mais importante na COP26 que na Copa22? Parte dessa importância está evidenciada no texto Opinião estrangeira sobre a situação do Brasil, publicado na página Prensa.
COP26 - o que é na teoria
Para se entender adequadamente o significado da ausência do Brasil no evento, é preciso entender a importância do próprio evento. A expressividade da COP26 é tamanha que está evidente, aliás, já em títulos da matéria. Diversas mídias têm se debruçado sobre seus teclados para destacar esse nível de notoriedade.
A sigla, por si, significa “Conference of the Parties” e ‘26” é o número identificador do encontro, que é anual. Não foi organizado em 2020 em razão óbvia da pandemia. Trata-se de encontro de líderes de países, que se acompanham por suas autoridades na área climática.
A conferência que deveria se dar em 2020 está acontecendo nestes dias (fins de outubro e início de novembro de 2021) em Glasgow, Escócia - Reino Unido. O objetivo é discutir com profundidade as condições do clima mundial.
Contudo, a base das conversações é dados científicos, estatísticas, levantamentos e análises de especialistas. Com números e apreciações em mão, as autoridades tomam decisões cruciais.
Buscam caminhos para diminuir o índice de agressão que o desenvolvimento industrial mercenário inflige sobre a natureza de maneira geral. Dessa maneira, as ações dos países envolvidos podem se alinhar num objetivo único: evitar catástrofes de efeitos trágicos para toda a população mundial.
COP26 - o que é na prática
Os líderes nunca comparecem sós à COP; acompanham-se de autoridades, estudiosos e especialistas em climatologia, geologia, meteorologia e outras ciências voltadas à natureza. Como é óbvio e esperado, mas claramente lamentado, boa parte desses cientistas são defensores de interesses econômicos e políticos de seus países.
Nesse horizonte, enquanto líderes políticos procuram melhorar a imagem de seus feitos perante o mundo e seus colegas, cientistas analisam o que é possível fazer pelo clima. Entretanto, não perdem de vista aqueles interesses. O problema é que nem sempre tais interesses são favoráveis à defesa da natureza.
Como resultado, avanço dos problemas mundiais referentes ao clima. O próprio secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, alertou recentemente sobre possibilidade de fracasso da COP26. Segundo ele, eventual malogro nasce na crescente desconfiança entre os próprios países participantes. Não creem nas promessas mútuas.
Por que o Brasil não vai à COP26
O Presidente do Brasil tem muitas razões para não marcar presença na Conferência e ter enviado pequena comissão de representantes (veja mais abaixo). A pior delas, na visão de analistas políticos, foi oferecida pelo vice-presidente, Hamilton Mourão: “medo de retaliações”. Segundo suas próprias palavras, “é aquela história: sabe que o presidente Bolsonaro sofre uma série de críticas; então ele vai chegar em um lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele".
E completa, o vice-presidente: "A gente sofre crítica, já falei, por três fatores. Sempre repito, existe a questão política, o nosso é um governo de direita, a maioria das pessoas que têm realmente uma consciência ambiental maior são [sic] de esquerda, então há crítica política embutida nisso aí".
Outras razões
Por muitos outros motivos, a inexpressiva comissão brasileira na COP26 se ressente da ausência do Presidente:
Política ambiental promíscua
Promessas anteriores não cumpridas e sem base demonstrativa de cálculos. Mesmo em Glasgow, na atual COP, o ministro do meio ambiente, Joaquim Leite, foi minimamente humilhado ao afirmar que o Brasil está aumentando o percentual de diminuição de emissão de carbono até 2050. Por não indicar cálculos nem base para a promessa, foi contrariado com veemência
Postura do Presidente perante a comunidade internacional no que tange à defesa da Amazônia
Manobras rasteiras para fantasiar resultados combinados no Acordo de Paris
Crescimento de desmatamento ilegal na Amazônia (mais de 20% da floresta amazônica e mais da metade do cerrado destruídos, segundo dados de órgãos avaliadores)
Ocupação de 40% das cadeiras congressistas por parte de parlamentares vinculados à chamada Bancada Rural
Inação perante a crise hídrica atual
A força da presença se o Brasil estivesse lá
O líder da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso, deputado Rodrigo Agostinho, argumentou que a ausência do Presidente é significativa. Seu discurso acompanha a percepção da maioria dos analistas políticos. A figura de chefes de Estado oferece força especial para seus representantes no momento de configurar acordos. Além disso, há prestígio soberano envolvido nas negociações.
“É muito ruim a ausência do presidente. O Brasil é para ser o grande líder nesse processo, o Brasil sempre liderou as negociações internacionais de clima. O Brasil deveria ser o grande protagonista, é para ser o país que vai receber o maior número de investimentos”, disse o deputado em entrevista ao Congresso em Foco, do UOL.
A ausência do Presidente na COP26, nas palavras do jornalista articulista do UOL, Reinaldo Azevedo, segue a ideia do ex-chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. Quando Ministro das Relações Exteriores, declarou que “se a atuação da diplomacia do país faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária". A afirmação foi feita em outubro (2020) ao discursar em uma cerimônia de novos diplomatas do Instituto Rio Branco.
Aonde foi o Presidente
O Brasil foi à Itália em busca de hosanas. Se o argumento do vice-presidente, Mourão, for levado em conta, tem-se que a atitude do Presidente da República está coerente. Ele preferiu hosanas a pedradas.
Contudo, por pouco não foi alvo de impropérios onde esperava ser homenageado. O Presidente da República está na Itália, onde participou da reunião do G20 na cidade de Roma. Trata-se de momento para discussão de parceria e rumos mundiais entre líderes das vinte maiores economias, que detêm 80% do PIB mundial.
A reunião do G20 ocorre em paralelo à COP26. A coincidência de datas entre os eventos já deveria ser forte motivo para que o Brasil participasse de ambos. Entretanto, o Presidente rejeitou discussão sobre clima, foi humilhantemente ignorado o próprio G20 e dirigiu-se a Anguillara Veneta, comunidade de pouco mais de 4 mil habitantes no norte da Itália.
Ali, em razão de seus ascendentes, recebeu o título de “Cidadão Honorário”. É forçoso destacar que a autoridade máxima da cidade, integrante da Liga (partido nacionalista de extrema direita), é considerada uma das mais reacionárias da Europa.
A celebração da honraria foi momento de confronto entre munícipes contrários à homenagem. Houve certa pancadaria, com agressões verbais e físicas entre policiais e manifestantes.
O Brasil não está na cúpula do COP26, foi isolado na cúpula do G20 e vilipendiado em localidade de 4 mil habitantes. A imagem do país nunca esteve tão mal desenhada, bem a propósito da imagem de “pária”.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.