O chefinho - a estreia
Colocou relativa pressa nos pés rumo ao local marcado. Era momento de assumir um posto importante e teria que estar no local combinado no horário combinado. Desceu apressado do carro do cara do aplicativo e parou em frente ao grande prédio que brilhava com os números da conta do dono dele. Mesmo com tanto glamour, se deteve mais à frase que tanto o martelava desde dias antes de sua estada ali:
- Precisa tomar um rumo, meu filho. Vou te dar um emprego.
Não queria emprego. Estar em seu tempo e, sobretudo, tê-lo inteiro pra si era o bastante. Mesmo com toda sua argumentação frente ao desejo intenso de seguir repousando na vagabundagem, foi convencido pela derradeira argumentação que envolvia a retirada de seu nome do testamento e venda da casa da praia, casa esta que o novo futuro chefe tanto ia aos finais de semana. Aceitou. Fez bico, mas aceitou. Lá estava. Na recepção, alguma honraria com sua presença. Era nítida, além de natural, a mudança absurda de postura dos presentes ao se depararem com ele ali. Uns retomaram o trabalho, enquanto outros criticaram ferozmente os que haviam voltado ao trabalho, falando alto que “nunca fazia nada, mas agora resolveram trabalhar”.
Foi recebido por um sujeito alto e calvo que o olhou com breve desdém, apesar de, tal como os demais, assumir outra postura o mais rápido que conseguiu. O sujeito estendeu a mão, disse o nome e o levou para conhecer a empresa, não sem antes passar pelos demais setores. Cada detalhe, função, tempo de casa, situação do casamento, uso de salário e tamanho de calçado dos empregados foi cuidadosamente relatado ao novo funcionário.
- Falo, mas não conta que te falei. Acho que seremos amigos! – disse apoiando seu braço nas costas do futuro chefe que estava mais perdido que em dia sem onda.
Seguiram. Entraram no elevador e lá fora para o último andar. O sujeito queria apresentar o novo chefe para a equipe. Os futuros comandados também estavam ansiosos.
Ao chegarem, mesas, computadores, gente sem dormir e muito empenhada em entregar o novo projeto. O sujeito tranqüilizou:
- É sempre assim! Eles são ótimos! Seu pai te colocou nessa equipe justamente por ser a de melhor produtividade. Dê oi pra eles.
O novo chefe deu oi e foi aplaudido. Todos estavam “felizes” com a nova liderança. Apresentação feita, foram para a sala que seria dele.
- Chefe... chefinho... esta é sua sala! Sua mesa e computador. Basta fazer com que a equipe siga motivada e produzindo. Não se esqueça! Funcionário preguiçoso é rua! Nada de ser afetivo, tá? Na nova modalidade de contrato, eles não têm tantos direitos. Fica barato pra gente! Precisa de algo?
O novo chefe estava confuso. Nunca havia trabalhado na vida. Como ser chefe?
- Como ser chefe? – perguntou.
O sujeito coçou a careca e deu um riso breve.
- Ah... mande neles, ué! Só isso! Eles vão acatar! Bom... vou sair pra você ficar à vontade na nova função. Qualquer coisa me grita, tá? Sou chefe da equipe laranja.
Feito isso, o novo chefe se despediu do sujeito e sentou em sua cadeira. Sozinho, olhava a sala e seu computador. Tinha algumas tarefas tais como entender o que faziam ali, mas resolveu deixar pra depois. Pegou o telefone e discou:
- Oii... sou eu. O... chefe! O chefinho. Pode me trazer um café? Quem fala? Isso que te falei! Meu nome não importa. Importa que sou o chefe. Traga o café!
Do outro lado na linha.
- Sim, chefinho.
Em instantes lá estava o café. Ele ficou feliz. Deu um gole, saiu e andou pelas mesas. Sentiu algum prazer em ver que as pessoas queriam justificar algo pra ele.
- Ah...este é um sistema novo. Vai dar certo! Prometo! Vai dar certo. Você vai gostar.
O chefinho não deu bola e seguiu. Tinha algum prazer novo em estar ali. Voltou para a sala e recebeu uma ligação de seu pai:
- Tudo bem aí, filho? Tá gostando?
- Sim, papai. É uma boa estreia. – esticando o corpo na cadeira.
***
“O Chefinho” vai dar as caras por aqui toda primeira semana do mês.
Gostou? Em breve tem mais.
Este artigo foi escrito por Guigo Ribeiro e publicado originalmente em Prensa.li.