O crepúsculo da direita youtuber
Kim, Gabriel e Arthur, protagonistas dos últimos escândalos (Imagem/reprodução: Pragmatismo Político)
Possui linguagem e imagens sensíveis.
Houve um tempo em que jovens engajados politicamente ligaram suas câmeras para protestar e criticar o sistema, o estado e o governo de esquerda que estava há quatro mandatos no poder.
Vociferando contra o comunismo, o esquerdismo, a sexualização precoce de crianças, o abortismo, etc., etc., esses jovens levantavam a bandeira “revolucionária” do conservadorismo, entoando palavras de ordem numa espécie de Marsellesa ao contrário: Deus, pátria, família, bandido morto, menina veste rosa, racismo não existe, petralha, menino veste azul…
Enquanto o gigante acordava e vestia a camisa da CBF para protestar, os jovens alcançavam milhões de outros jovens por meio de seus canais. A palavra estava sendo lançada, e encontrou eco em outros jovens (e nem tão jovens também) que, de repente, descobriram que sua letargia e falta de interesse político eram, na verdade, a veia conservadora que pulsava silenciosa em seus corações.
Braços dados, como numa paradoxal primavera invernal, marcharam pelas mídias sociais como um rolo compressor sobre todos os seus inimigos (mulheres, negros, LGBTQIAP+, indígenas, feministas, progressistas, etc.).
E venceram. Mas isso parece ter chegado ao fim.
Segundo o El País no título da matéria que leva essa foto, “não é uma banda de indie-rock, é a vanguarda anti-Dilma”. Antes fosse uma banda. (Foto: VICTOR MORIYAMA)
O princípio do fim do MBL
O filhote do movimento conservador de ruas que mais ganhou destaque e relevância, produzindo candidatos e os elegendo com certa folga, foi o Movimento Brasil Livre, o MBL. Pudemos falar um pouco sobre essa organização em texto anterior aqui na coluna.
Baseados numa espécie de “sensual conservadorismo” (termo cunhado por Álvaro Borba e Ana Lesnovski do canal Meteoro Brasil) seus integrantes defendiam a bandeira do liberalismo conservador ao mesmo tempo em que destilavam misoginia, homofobia e machismo em seus conteúdos veiculados pelo Youtube.
A estratégia pareceu ser muito vencedora, mas o prazo de validade já dá mostras de esgotamento. Podemos usar três exemplos.
Um é o de Kim Kataguiri (Podemos). Parlamentar pouco expressivo, teve sua imagem (já desgastada) ainda mais comprometida após o caso de apologia ao nazismo no canal Flow Podcast, um programa de obviedades pouco propositivo com certa relevância no cenário nacional.
Monark e Kataguiri no episódio dedicado ao Nazismo do Flow (Imagem/reprodução: Flow Podcast)
Ao lado de um dos hosts, o comunicador (esvaziado de profundidade intelectual) Monark, o parlamentar membro do MBL foi taxativo ao defender o direito de um nazista praticar o nazismo livremente, além de poder se organizar em torno de um partido.
O outro exemplo está ligado à desastrosa viagem de Arthur do Val (União Brasil) à Ucrânia. Em áudios vazados no Whatsapp, o youtuber “Mamãe falei” disse, entre outras coisas, que “as ucranianas eram fáceis porque eram pobres”, que “limparia o c* delas com a língua”, além de sugerir turismo sexual no leste europeu.
Eu sei, isso é um absurdo, mas é preciso que seja registrado para a posteridade.
Hoje, ele está na iminência da cassação de seu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo.
O terceiro caso merece um tópico à parte.
Au revoir, Gabriel
O vereador/youtuber fez sucesso com vídeos de ação policial (boa parte deles, segundo assessores, montados). (Imagem/reprodução: Yahoo Notícias)
Os recentes eventos envolvendo o youtuber de direita Gabriel Monteiro (PL) foram a pitada num tempeiro que já havia dado sabor à fritura de Kim e Arthur.
A princípio, o vereador do Partido Liberal (PL), eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, havia sido denunciado por cinco pessoas, entre ex-funcionários e servidores. A acusação era de assédio moral e sexual, como mostra matéria especial do Fantástico.
Os relatos das vítimas, todos repletos de ações repulsivas e deploráveis por parte de Gabriel, vão de masturbação na frente da equipe até estupro.
A matéria do Fantástico ainda mostrou como o vereador, youtuber com milhões de visualizações em seu canal, forjava vídeos de ações policiais, até mesmo a manipulação de uma cena com uma criança, sugerindo a ela dizer, por exemplo, que o pai gastava todo o dinheiro com bebida (mesmo a pequena dizendo que isso não acontecia).
Uma semana depois, três mulheres procuraram a redação do programa dominical da Rede Globo para relatar casos de estupro, cometidos por Gabriel Monteiro. Em comum, as histórias envolvem espancamentos, filmagens e ameaças com uso de revólver.
Como se isso não fosse o suficiente, mais recentemente as redes sociais foram agitadas pelo vazamento de um vídeo de sexo do vereador com uma adolescente de 15 anos de idade.
Acompanhada do irmão, a jovem foi à delegacia e afirmou que a relação e a filmagem teriam sido consensuais. Contudo, seu irmão relatou que ela estava tentando terminar o relacionamento com o ex-policial, sem sucesso. Segundo assessores, Gabriel não só sabia que ela era menor de idade, como também se vangloriava deste fato para amigos.
A ironia do caso fica para um fato bem curioso. Gabriel é um dos autores da lei que veda ou demite da administração pública do Rio de Janeiro pessoas condenadas por, entre outras situações, filmar sexo explícito com menores de idade.
A Lei 7.037 foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e publicada no Diário Oficial carioca no dia seguinte.
A legislação cita o Artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê ser crime, com pena de 4 a 8 anos de prisão, "produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente".
Ou seja, Gabriel pode ser enquadrado em uma lei da qual ele mesmo é o autor.
Mais uma vez, o sensual conservadorismo
O conceito é profundo e raso ao mesmo tempo. Para mais detalhes, leia este texto prévio.
Aqui, desenvolvo uma de suas características: todo sensual conservador tem um armário bem trancado com toda a podridão que ele finge atacar.
Este ponto une os três representantes do MBL envolvidos em escândalos públicos. Claro, uns mais, outros menos. Gabriel, Arthur e Kim utilizaram de sua projeção nas mídias sociais e na plataforma de vídeos Youtube para construir uma narrativa preconceituosa em diversos aspectos sob a justificativa de que defendiam valores morais.
Enquanto gritava aos quatro cantos que o Padre Júlio Lancelotti era cafetão por ajudar mulheres em situação de rua, Arthur do Val sugeria turismo sexual com mulheres empobrecidas e vitimadas pela guerra em seu país.
Enquanto alimentava um papo meia boca de liberal defensor de um Estado mínimo e acusava os governos petistas de serem totalitários, Kim defendeu sem vergonha alguma a existência de um Partido Nazista no Brasil.
Enquanto posava de super policial, com vídeos (montados) de ações na periferia, invadindo hospitais e atrapalhando o revezamento de turno de profissionais de saúde em meio a uma pandemia, e aparecia como bom homem ao “ajudar” uma criança abandonada (tudo montado por ele), Gabriel abusava, assediava e espancava mulheres de seu entorno, além de manter relações sexuais com uma menor de idade, além de filmá-la durante o ato.
Enfim, é isso. A onda pseudo-moralista e pseudo-conversadora assiste a um crepúsculo perigoso.
Meu medo é o que pode vir mais adiante, quando a noite cair de vez.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.