O desejo de ter e o sucesso de possuir.
Você já desejou muito um livro? Já aconteceu isso contigo? De, por longos dias e semanas, até mesmo anos, esperar para finalmente ter aquele tão desejado livro em mãos? E poder ler ele o mais rápido possível... porém não é isso o que acontece no exato momento em que você o possui. Você, depois que o tem, apenas deixa ele num cantinho e fica olhando para ele, e o admirando. Às vezes até mesmo finge que não o tem, apenas para ter o susto alegre de olhar para ele e saber que o tem.
Onde está toda aquela ansiedade de devorar o livro todo no mesmo momento em que o tiver? Onde foi parar aquela vontade? Aquele delírio de sonhar acordado?
Acho que, quando não temos o tão desejado, queremos a todo custo, queremos com mais vontade, e parece que, se não o tivermos, nada será mais importante que aquilo. Aquilo é o alvo a ser acertado. E quando, então, temos o objeto em questão, parece que tanto faz quanto tanto fez, parece que nada mudou, que ainda somos os mesmos de antes, ou que sempre fomos o que somos agora.
Acredito que o anseio de possuir muitas vezes é maior que o próprio de ter de fato.
Isso me faz lembrar do conto ''Felicidade Clandestina'' de Clarice Lispector. Daquela menina que ansiava tanto ter o livro As Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato. E, quando teve, não o leu logo de cara. Pelo contrário, ficou apenas a admirar aquele livro gigante. Passou apenas a folhear ele algumas vezes, ler um pouquinho aqui e outro ali.
Como ela diz:
''Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar…'' - Felicidade Clandestina - Clarice Lispector.
Penso que, quando temos o objeto em questão, aquela voracidade de o termos dá lugar à serenidade, à calma de possuir o tão desejado e sonhado objeto em questão.
Descobrimos que o desejo de ter é a coisa maior em nós, maior do que o sucesso de possuir.
E, logo depois disso, passamos para o próximo objeto de desejo em questão.
E vivemos num loop infinito, de ansiar pelo desejo de ter e pelo fato de realmente possuir.
Depois de um sonho realizado, partimos para o outro e assim seguimos vivendo diariamente, entre sonhos ainda não alcançados e sonhos já realizados. Sonhos que já voaram e sonhos ainda querendo voar. Sonhos que conhecem a sensação do vento em suas asas e sonhos que ainda não sabem como é sentir a liberdade do toque do vento em suas asas.
Somos uma mistura de desejar e de possuir. Somos sonhos que voam e sonhos que estão à beira do abismo esperando por um empurrãozinho, ou um bom vento forte.
Kaique Britto.
Este artigo foi escrito por Kaique Britto e publicado originalmente em Prensa.li.