O Direito Humano à educação e a educação para os Direitos Humanos
Resumo
Este artigo, enquanto resultado de uma pesquisa interdisciplinar entre Filosofia e Direito Humano ou ainda Direito Humano e Educação, pretende apresentar o debate do tema da Educação para o Direito Humano e o Direito Humano à educação em relação a particularidade da espinhosa questão do direito à educação do estudante universitário negro. Neste caso, portanto, tal pesquisa esboçará uma reflexão sobre o direito à educação tendo Emmanuel Levinas e a sua filosofia para paz como pedra angular.
Palavras-chave: Direito Humano; Educação; Paz
Introdução
A pesquisa que aqui se inicia, pretende apresentar as etapas e os resultados de uma investigação sobre Direitos Humanos e mais precisamente, no que se refere à esfera do direito à educação e na sua problemática étnico-racial.
Para tanto, este artigo, apresentará tal discussão e logrará responder a seguinte questão: em que medida o Direito Humano
à educação e a educação para os Direitos Humanos são de fato realmente respeitados e garantidos, na prática, pelas universidades brasileiras assim como é universalmente determinado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 2009 proposta pela ONU bem como a Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia do ano 2000 e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos? Meditar tal questão constituirá todo esforço e empenho interdisciplinar desta presente atividade acadêmica que será amparada, sobretudo, por uma metodologia filosófica qualitativa de exegese e interpretação textual, mas também apresentará dados quantitativos ao evocar os dados empíricas disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
1. O Direito Humano à educação
O Direito Humano à educação emerge no discurso sobre os Direitos Humanos de, pelo menos, três modos distintos: 1) Por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 2009 como uma orientação à divulgação destes mesmos direitos (ONU, 2009, p. 4); 2) Depois, de forma mais explícita, na declaração dos Direitos Fundamentais Da União Europeia na forma clássica que comporta os enunciados jurídicos, isto é, tal uma determinação legal a ser cumprida e respeitada na sua totalidade (PE, 2000. p. 364); 3) E também na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos repetindo e corroborando o que a aparece na carta europeia (CADHP, 1979).
Desta forma, a presente atividade acadêmica, por meio de uma série de evocações ao “discurso” sobre os Direitos Humanos, tal como esquematizado logo acima, pretende examinar, numa ordem de claro encadeamento jusfilosófico os seguintes objetos: a) A referência da Declaração Universal de 2009 sobre o tema da educação; b) O artigo da Carta Dos Direitos Fundamentais Da União Europeia e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre o tema da educação; c) Indagar qual a realidade, destas questões, no que se refere a educação na universidade brasileira? e d) Inferir o que de fato se pode abstrair de tais observações.
Para tanto, vale recordar o que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresentada pelo ONU em 2009 no estado do Rio de Janeiro ao explicar claramente na sua introdução, para além do artigo XXI desta mesma Declaração Universal, evocando a sua assembleia geral que a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos, deve, literalmente:
Como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (ONU, 2009, p. 4)
Assim, torna-se claro que, como explica a letra da lei desta própria Declaração Universal, tratar-se de “ideal comum” a ser atingido, isto é, todos devem se empenhar em toda e qualquer comunidade, ou ainda em “todos os povos e todas as nações,” e por meio do “ensino e da educação” a “promover o respeito a esses direitos e liberdades” bem como “assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva.”
A Carta dos direitos fundamentais da União Europeia, por sua vez, no artigo 14.°, coloca, nos seguintes termos, aquilo que poderá ser lido, literalmente, logo abaixo:
Artigo 14.°
Direito à educação
1. Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua.
2. Este direito inclui a possibilidade de frequentar gratuitamente o ensino obrigatório.
3. São respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o respectivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas. (PE, 2000. p. 364)
Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos no Artigo 17° expressa que: “1.Toda pessoa tem direito à educação.” (CADHP, 1979)
Para o pensador do Direito Norberto Bobbio, finalmente, não basta ter em horizonte aquilo que o texto determina e espera alcançar no seu formato legal e prático, para ele, antes, “[...] o importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los. Não preciso aduzir aqui que, para protegê-los, não basta proclamá-los” (2004, p. 11). Ora, Bobbio na citação aqui evocada acena para urgência da aplicação do discurso sobre os Direitos Humanos. Isto quer dizer que, é urgente encontrar meios de tornar mais exequível o “Direito Humano à educação” bem como, a posteriori, “a educação para o Direito Humano” e isto, de fato é já objeto da próxima etapa desta pesquisa.
1.1 A educação para os Direitos Humanos
A educação, segundo Paulo Cristiano Mainhard e Antônio Gomes Pena (1996, p. 3609) é um processo que visa a promover o crescimento do indivíduo através do desenvolvimento de todas as suas potencialidades (apud SABINO, 2000, p. 54) e, de fato, tal processo, no caso da educação do negro em relação ao indivíduo branco, por razões históricas de desigualdade na estrutura que proporciona o acesso ao ensino superior (formação pré-universitária robusta, garantias sócio-econômica para moradia e alimentação adequada…) configuraram2 o abismo que separa a presença entre indivíduos negros e brancos nas universidades brasileiras.
Para Richard Pierre Claude, por sua vez, a educação na esfera dos direitos humanos é valiosa justamente por ser a mais eficiente ferramenta para o crescimento e desenvolvimento pessoal do indivíduo. Para este autor, inclusive, a educação assume status de direito humano porque ela é parte integrante da dignidade humana e contribui para amplificá-la com conhecimento, saber e discernimento (2005, p.37). Desta forma, o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades do indivíduo presente na definição de educação de Paulo Cristiano Mainhard e Antônio Gomes Pena (1996), corrobora e confirma a definição de educação para o direito humano e torna, por continuidade, fundamental o direito o humano a educação tal como é apresentada na definição de Richard Pierre Claude.
A autora Maria Clareth Gonçalves Reis, por continuidade, demonstra minuciosamente todo o processo que possibilitou a entrada dos estudantes negros na Universidade do Estado do Rio de Janeiro tanto por meio da configuração jurídica, – isto é, as leis que possibilitaram o acesso do negro no ensino superior por meio de cotas3 – quanto pelos “programas de permanência” que possibilitaram justamente a “permanência” da figura do negro naquela universidade específica (2007, p. 271). Esta mesma autora, por exemplo, citando Medeiros (2005) argumenta que em relação às provas que permitem o acesso à universidade, pode-se inferir que: “O vestibular, por exemplo, não serve como parâmetro para julgar o desempenho do(a) estudante no decorrer do curso, serve apenas para dizer se o(a) aluno(a) é capaz ou não de realizar o vestibular.” (apud REIS, 2007, p. 278). Tal evocação é importante para desmontar um argumento bastante utilizado por aqueles que insistem em alardear que as cotas para o acesso às universidades para os negros desde o modo como a prova do vestibular é avaliada para estes, de alguma forma, rebaixam o nível tanto do próprio vestibular quanto, a posteriori, da universidade.
Ora, a sugestão presente no texto da Declaração Universal de 2009 relativa a questão da educação – pelo menos aquela que interessa a esta pesquisa – se dá na esfera da divulgação dos próprios valores e princípios do “discurso” sobre os Direitos Humanos4. Já a Declaração Universal dos Direitos Fundamentais da União Europeia bem como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, para além da realidade histórica da presença colonizadora do continente Europeu no continente Africano no século XXI (NWANKWO, 2002, p.413) bem como a libertação do segundo continente aqui evocado via presença da atividade e do ativismo em prol aos Direitos Humanos naquele lugar, todos os textos, excepcionalmente, acenam para o direito e dever dos estados frente o desafio da educação.
Desta forma, o que é exatamente isto de educação para os Direitos Humanos a que alude a presente pesquisa se, por sua vez, uma parcela dos “povos” responsáveis por tais discursos, em contrapartida, promoviam de fato exploração étnico-racial, humana e sobretudo econômica contra negros? A resposta a tal indagação, todavia, demanda um salto histórico e um deslocamento geopolítico.
O diplomata de carreira José Augusto Lindgren Alves explica em sua clássica obra Os direitos humanos como tema global que a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – adotada em 1965 e vigente desde 1969 – (ALVES, 1994, p. 54), por exemplo, determinou a clássica definição de preconceito racial vigente e igualmente adotada por diversos países até os dias de hoje:
“Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem racial ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais.” (ALVES, 1994, p. 54)
A já mencionada Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial que conta com mais de 133 ratificações até 31 de Janeiro de 1993, (ALVES, 2007, p. 54) foi fruto, exatamente, da mentalidade anticolonial (ALVES, 2007. p. 54) e foi a grande responsável pelo que demonstra o resultado da pesquisa de Clement Nwankwo no artigo intitulado por Estratégias para promover os direitos humanos na Nigéria no início do século XXI.
De fato, uma autentica educação para os Direitos Humanos, para além daquilo que diz o texto de 2009 da própria ONU, isto é, ideal a ser atingido por todos os povos e nações e objetando alcançar cada indivíduo e cada órgão da sociedade civil, por meio do “ensino e da educação” promovendo o respeito àqueles direitos e liberdades fundamentais e corroborado pela carta europeia e a carta africana como repetido a seguir: 1. “Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua.” (PE, 2000. p. 364); 2. “Toda pessoa tem direito à educação.” (CADHP, 1979).
Este tal modelo e meta educacional deve também, assegurar o direito à instrução, sobretudo, para além de toda e qualquer discussão meramente “idealista” ou “platônica”, isto é, tal debate necessitará qual um imperativo kantiano, atentar à denúncia presente na obra História da Educação do Negro e outras histórias organizado por Jeruse Romão e mais precisamente como pode ser lido na passagem que diz: “O jovem em questão ainda revela as perseguições que os jovens cuja matrícula os diretores não conseguem evitar sofrem na escola. Ele apresenta um retrato das retaliações morais por que passam os alunos negros para forçar a sua desistência.” (ROMÃO, 2005, p. 127)
A pesquisa de Romão demonstra algo que ocorre com frequência em uma escola de formação de diplomatas, mas, realmente, esta realidade é idêntica nas Universidades.
Um dado empírico para demonstrar e confirmar a violência racial e institucional que negros sofrem em Universidades brasileiras, é uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por exemplo, que demonstra os números de brancos e de negros que acessaram o ensino superior em 2010. Tal pesquisa, como poderá ser vista nas tabelas a seguir, explica que:
Tabela A – Estudantes que frequentaram a universidade por nível de ensino ou curso X cor ou raça (brancos)
Tabela B – Estudantes que frequentaram a universidade por nível de ensino ou curso X cor ou raça (negros)
As diferenças aqui demonstradas são gritantes e acessar a Universidade é apenas a primeira etapa de um ciclo perverso de ameaças e humilhações5, ou ainda, de provações diárias e contínuas, a serem experimentadas até que o tal “estudante atrevido” desista ou ainda até que este mesmo estudante seja criminalizado6 de alguma forma. A pesquisa dos que adoeçam neste processo talvez ainda não fora composta pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).7
Enquanto a tabela “B”, demonstra que de um total de 6. 197. 318, apenas 330. 130 foram os números de estudantes negros que ingressaram no ensino superior, a tabela “A” mostra que 3. 906. 166 estudantes brancos tiveram acesso ao ensino superior no Brasil em 2010 neste mesmo total de 6. 197. 318. É difícil crer que os estudantes negros, na sua grande maioria, tenham como regra alguma deficiência intelectual e que esta mesma deficiência os impeça de acessar a formação acadêmica superior. O problema, de fato, demanda atenção, análise e pesquisa mais detalhada.
A autora Maria Alice Rezende, corroborando a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por exemplo, no artigo intitulado por A política de cotas para negros na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explica de modo exemplar a questão da desigualdade ao acesso à educação superior para negros na Universidade Estadual do Rio de Janeiro especificamente e como, de fato, opera tal processo deveras perverso:
Os dados sobre as populações negras brasileiras teimam em demonstrar a manutenção das desigualdades estruturais entre brancos e negros. Logo, as desigualdades raciais seriam o resultado do acúmulo de desvantagens confirmadas nos indicadores de escolaridade, emprego, habitação e consumo de bens. Desta forma, houve um reconhecimento no campo da educação e em outros campos, da inoperância das políticas universalistas no que diz respeito à inclusão dos negros no ensino superior e nos demais níveis de ensino. (REZENDE, 2005, p. 158)
O texto clássico da autora8 aqui evocada realmente chega ao ponto nevrálgico do problema ao elencar toda estrutura que determina a negação do acesso ao ensino superior a estudantes negros e em risco social.
1.1.1 O debate para a paz em Emmanuel Levinas e contra o racismo
Emmanuel Levinas, pensador que sobreviveu ao horror do holocausto, por sua vez, desenvolveu uma reflexão bastante original e revolucionária no campo da ética. Para Levinas, por exemplo, a filosofia primeira não é a metafísica e sim a própria ética e tal discurso sobre a ética aparece na obra Totalidade e Infinitocom o seu eixo, fundamentalmente, centrado na percepção do rosto do Outro.
A filosofia da alteridade é o arcabouço teórico fundamental nesta pesquisa porque é o “Outro” (LEVINAS, 1980) que deve ser alcançado durante o processo de educação para os Direitos Humanos.
Ainda em Levinas, vale evocar a sua reflexão para a paz, isto é, de que a razão deve anunciar a paz e é papel da filosofia operar tal processo. No seu prefácio à obra Totalidade e Infinito, o pensador francês explica que
“Historicamente, a moral opor-se-á à politica e terá ultrapassado as funções da prudência ou os cânones do belo, para se pretender incondicional e universal quando a escatologia da paz messiânica vier sobrepor-se à ontologia da guerra. Os filósofos desconfiam dela. Sem dúvida, tiram dela partido para anunciarem também a paz; deduzem uma paz final da razão que faz o seu jogo no meio das guerras antigas e actuais: fundam a moral na politica. Mas, adivinhação subjectiva e arbitraria do futuro, fruto de uma revelação sem evidências, tributaria da fé, a escatologia depende, para eles, muito naturalmente da Opinião.” (LEVINAS, 1980, p. 10).
Isto porque para Levinas, o ser, na história da filosofia, revela-se como guerra e é a Segunda Guerra Mundial – principal elân, por sua vez, para o ponto de partida para o discurso sobre os Direitos Humanos historicamente no Ocidente – quem atesta a intuição levinasiana. (LEVINAS, 1980, p. 9). Educar para a paz, portanto, é fundamentalmente, educar para os Direitos Humanos. Ora, se é a paz a total ausência de qualquer forma de pertubação, a paz se dá na escola quando a pertubação do racismo é enfrentada e ali mesmo derrotada.
O debate sobre “O Outro”, contudo, de que o pensamento de Emmanuel Levinas revela, originalmente, à história da filosofia, sobrevive enquanto teoria e respeita os limites “formais” do debate de ideias até certo ponto. No entanto, semanticamente, o sentido “original” do termo “outro”, tanto para o dicionário comum quanto para o glossário levinasiano, contudo, pode também ser interpretado como “outro sujeito”, “outra pessoa” ou “outro indivíduo.” Afinal de contas, como o próprio Emmanuel Levinas diz: “A palavra que incide sobre outrem como tema parece conter outrem.” (1980, p. 174) Este “outro”, entretanto, é eleito nesta presente atividade acadêmica como a figura real “do negro.”
Esta forma de interpretar o pensamento de Emmanuel Levinas inaugura algo realmente jamais visto em toda a história da filosofia contemporânea. Tal novidade configura o pensamento de Levinas como antifilosófico justamente porque encontra um papel prático para o próprio pensamento filosófico levinasiano: ora como filosofia para paz, ora como coisa capaz de identificar no próprio ato de filosofar, uma “utilidade” prática, qual seja, anunciar a própria paz, ora, por recordar ao leitor contemporâneo que o modo como Levinas revoluciona a Filosofia é antifilosófico exatamente porque este autor reconfigura o modelo clássico aristotélico que coordenava a filosofia primeira, isto é, a metafísica, como primeira filosofia.
Em outras palavras, Emmanuel Levinas é antifilosófico exatamente porque foge ao esquema greco-medieval da Filosofia tal como Aristóteles e o seu pensamento, a posteriori, organizado por Andrônico de Rodes, lhe imprimiu.
Por fim, torna-se claro quem é “o outro” realmente presente na atividade epistêmica da filosofia para paz em Emmanuel Levinas neste artigo. O outro, de fato, é a “presença” histórica e persistente do ethos do negro no Brasil a quem tantos direitos fundamentais têm sido negado: inclusive o de aprender.
Considerações finais
O Direito Humano à educação bem como a educação para o Direito Humano, no Brasil hodierno, tão rico em discursos pós-fascistas e anti-direito-humano9, estão em perigo. Tal conclusão só foi possível porque percorreu e atravessou o campo da história, do Direito e da estatista – recordando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na secção 1.1 desta pesquisa.
Contudo, é na Filosofia que tal problema esboçado e investigado nesta atividade acadêmica “descobre” a sua solução. Neste sentido, Emmanuel Levinas e o seu discurso e filosofia para a paz, são o antídoto e resposta para o problema apresentado e debatida na investigação para a direito humano à educação e para educação para o direito humano.
A conclusão, todavia, mais pertinente à presente investigação acadêmica para o Direito Humano à educação (dos negros) será a difícil síntese entre os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o empenho e resultado da atividade de ativistas10 negros para implementação de cotas e politicas de permanência na universidade brasileira e a própria filosofia para paz do pensador francês Emmanuel Levinas. No entanto, o cruzamento dos dados de ambas as pesquisas bem como a base filosófica do pensador aqui evocado, mostram que ainda há muito a ser feito. Os números apresentados na secção 1.1 atestam peremptoriamente que mesmo o sistema de cotas instaurados desde criação da lei n° 12.711/2012 que estabelece cotas raciais para estudantes negros em Instituições Federais de Ensino Superior por si só não são capazes de pôr fim ao desequilíbrio da ausência do negro no ambiente acadêmico ou da sua admissão em relação à presença esmagadora e lamentavelmente, ainda opressora, do indivíduo branco nestes mesmos espaços.
Fazer a crítica da filosofia contemporânea e do direito humano no Brasil, por fim, não é possível sem evocar a questão do direito à educação do negro. Desta forma, vale a leitura e meditação – e sobretudo a aplicação – do pensador francês aqui utilizado para um maior aproveitamento da sua teoria, de fato, antifilosófica, para a “construção” de relações verdadeiramente pacificadoras e pacificadas.
Os números, por exemplo, apresentados pelo IBGE, denunciam todo o ato criminoso que é a negação aos direitos fundamentais à educação por meio do acesso às universidades para aqueles que são, atualmente, a grande maioria que habita o país do absurdo institucionalizado. É por isso que tal pesquisa aqui empreendida dialoga com o Direito. O que acontece no Brasil é um crime e é da competência do Direito administrar a justiça.
Por fim, insistir no pensamento contemporâneo de Emmanuel Levinas (e também de Bobbio) é urgente para que as liberdades e os direitos fundamentais no que tange o problema da educação para o Direito Humano e o Direito Humano à educação do individuo negro ultrapasse o campo do “meramente teórico”, tal como deve ser a pesquisa e a atividade no campo do Direito, e se concretize enquanto prática viva e libertadora.
Referências
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1 A evocação direta da reflexão da autora Maria Alice Rezende, ainda nesta seção, ampliará o debate aqui apenas sugerido.
2 Um marco, nesta perspectiva, foi a criação da lei n° 12.711/2012 que estabelece cotas raciais para estudantes negros em Instituições Federais de Ensino Superior.
3De fato, o artigo XXVI da Declaração Universal do Direitos Humanos trata da questão do direito à “instrução”, e, portanto, do Direito à Educação. Todavia, dada a imensa massa de trabalhos que discutem tal perspectiva nos mais diversos artigos já impressos pelas mais diferentes Academias, este texto se concentrou na determinação inicial, isto é, no preâmbulo da carta da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
4WEGNER, Camille, Polícia Federal investiga mais um caso de racismo na UFSM, Disponível em: https://bit.ly/2NgNkHM
5Há uma pesquisa muito interessante sobre o problema do assédio moral. A estudante, inclusive, citando Machado, Muniz e Vieira (2011), recorda que: “Os autores destacam ainda possibilidade do agressor não perceber que seu ato está proporcionando ao outro uma situação de desqualificação e ou humilhação, fator que não descaracteriza o crime.” (SANTOS, 2019)
6O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), segundo informações disponibilizadas pela própria instituição, dispõe de pesquisas inéditas e que, de fato, ainda não foram disponibilizadas para o grande público em seu site oficial.
7O artigo de Maria Alice Rezende realmente apresenta a pesquisa aqui evocada com maior largueza de detalhes: a leitura do texto integral realmente ajudará a dissipar toda e qualquer ambiguidade sobre o tema aqui debatido. Um dado importante neste artigo, por exemplo, é que a Universidade do Rio de Janeiro é um paradigma (2005, p. 160) em todo o Brasil quando o assunto é a implementação das politicas de cotas raciais.
8BIANCHINI, Lia, Bolsonaro é fascista? Listamos 13 frases do candidato para reflexão, Disponível em: https://bit.ly/3qz0qym
9NUNES, Georgina Helena Lima, A Permanência da População Negra na Universidade Estadual de Londrina, Disponível em: https://bit.ly/3ps8wHH
Este artigo foi escrito por Gilson Santos e publicado originalmente em Prensa.li.