O espírito de Graciliano Ramos
“Corte”. Não se trata de censura ou de autoritarismo literário. Talhar um texto, especialmente os longos períodos e as frases extensas, é tarefa que faço escorado por Graciliano Ramos. O autor de “Vidas Secas” surge sempre que me vejo relendo o que acabei de escrever, ou na necessidade de encaixotar caracteres em laudas inflexíveis.
Se por acaso o romancista se recolhe temporariamente ao além e me deixa sozinho com minhas intenções escrivães, o cérebro faz o dever de casa direitinho. “Como Graciliano encurtaria essa frase?”, quase digo em voz alta. E tome tesoura consciente.
Graciliano Ramos também era o gênio do ponto final. Uma exclamação é tão rara em seus livros como um gole d´água para a cachorra Baleia. Frases enxutas encerradas com categóricas bolinhas pretas minúsculas. Uma, duas, três, quatro palavras. E ponto. Livros inteiros produzidos assim, sem ficarmos com a sensação de alguém preguiçoso ou raso do lado de lá.
Não se trata apenas de um escritor ou de um jornalista - que ele também foi, exercendo a profissão acostumada a viver entre os limites da página em papel. Graciliano esculpia. Nada podia sobrar, ou maculada estaria a arte pensada para ser de determinado tamanho, formato, perfil, destino. Graciliano Aleijadinho. Graciliano Michelangelo.
E ainda assim, se fazendo presente aos mortais que precisam se haver com o expressar-se da melhor forma possível. Não apenas cumprindo as obrigações funcionais da clareza e da gramática. Mas quem sabe perfumando textos com poucas gotas, apenas as necessárias. Inspirados por um camarada fantasminha.
Este artigo foi escrito por Marcos André Lessa e publicado originalmente em Prensa.li.