O estranho magnetismo e a pista do aeroporto
Se você já foi criança um dia (o que é bem provável) e teve acesso a um ímã, mesmo que pequenininho, certamente ficou maravilhado percebendo que ele “grudava” em porta de geladeira, moeda, pregos, carrinhos, cerâmica… opa!
A partir do momento em que descobriu que na cerâmica não dava certo, você avançava para a pesquisa infantil empírica. “Por que isso não gruda em tudo?” e "Onde mais isso gruda?”.
Muitos físicos iniciaram suas carreiras a partir de brincadeiras como essa, e nunca mais pararam. Outros nunca se atreveram pelo mundo das ciências exatas, mas continuaram achando divertido usar o ímã em tudo o que via pela frente. Como eu.
E quando você encontrava ímãs com polos coincidentes? Que em vez de atrair, se repeliam? Aí você ficava bons minutos tentando fazer com que os dois se encostassem, em vão.
O fato é que o magnetismo é algo, obviamente, magnético. Mas como isso funciona? Vamos brincar numa escala ínfima e depois subir um pouco o nível.
Presente de grego
Ímãs, em sua definição mais básica, são corpos que geram um campo magnético ao seu redor. Na natureza, costumam ser pedaços de um mineral chamado, não por acaso, magnetita. Umas pedrinhas bem sem graça. Que por sua vez eram encontradas com certa facilidade numa cidade da Grécia Antiga chamada… Magnésia!
Apesar da aparente falta de criatividade para nomear fenômenos, os gregos daquela época estudaram com cuidado o magnetismo. Além de perceber uma irresistível atração natural das pedrinhas para com o ferro, teimavam em posicionar-se alinhadas a alguma coisa invisível… algo inexplicável naqueles dias.
Um ponto em comum
Bom, passou-se muito tempo. Suficiente para que os gregos se tornassem gregos antigos. E no comecinho do século XVI, o médico alemão Hans Chucrutes… digo, o físico inglês William Gilbert, depois de brincar por horas a fio com seus ímãs, entendeu que eles faziam aqueles movimentos alinhando-se a algo, digamos, bem maior: o Pólo Norte.
Ok, você pensou no Papai Noel ou no Urso da Coca-Cola. Assim como os pontos cardeais, são figuras imaginárias, alegorias utilizadas para explicar alguma coisa, certo? Não exatamente. O Pólo Norte não tem esse nome à toa. Ele é um pólo magnético. Dos bons. O melhor do planeta, aliás. Todos os ímãs apontam para ele.
Daí vêm as bússolas, usadas desde aqueles tempos para ajudar os navegantes, viajantes, caminhantes e quem queira se aventurar longe de casa. E vá por mim, até o GPS do seu celular se aproveita disso.
Uma outra coisa… esqueça Magnésia e nossos queridos gregos arcaicos. O magnetismo, independente do nome, está presente em todo o universo. Nossa estrela maior, o Sol, nos bombardeia diariamente com zilhões de partículas eletromagnéticas. Grátis!
Os estudos de Gilbert levaram os cientistas a carimbar a hipótese mais aceita: que o pólo magnético do nosso planeta é fruto de correntes eletromagnéticas se movimentando loucamente debaixo da crosta terrestre. Um lugar deveras agitado.
Mas ter nosso hercúleo (já que falamos de gregos) ímã particular tem vantagens. Nos protege do bombardeio excessivo daquelas partículas que o sol graciosamente nos envia, repelindo-as de volta. Este seria um lugar bem menos agradável se não fosse por isso. Talvez você precisasse usar protetor solar fator 6.400 ao pegar uma praia. Caso você (e a praia) existisse.
Um monstro magnético
O bombardeio não fica só na conta do Sol. Outras estrelas por aí fazem o mesmo, o tempo todo. E os pulsares? Já ouviu falar deles? Entre outras coisas, são geradores de gigantescos, impressionantes, descomunais campos magnéticos. Lá do outro lado da galáxia. Recentemente foi descoberto um desses, monstruoso, que é o maior emissor magnético conhecido. Isso porque ainda conhecemos bem pouco desse mundão aí fora.
Mas voltemos ao Pólo Norte. Falando assim, parece um local fixo, não é mesmo? Bem, o campo magnético do nosso planetinha é tão doido, que sai passeando por aí de tempos em tempos. Não vai muito longe, é certo, mas realiza suas andanças.
Quando nosso amigo Gilbert o identificou, ele estava em um ponto X. Hoje, está num ponto Y. Geralmente anda bem devagarinho, mas algumas vezes surpreende todo mundo e dá uns saltos. O que deve dificultar um bocado para o Papai Noel encontrar o caminho de casa.
Se quiser se aprofundar no tema, sugiro dar uma lida nesse artigo do Serviço Geológico do Brasil. É de virar seus conceitos de ponta-a-cabeça. Literalmente.
Embarque no portão 13... ou 14?
Aqui começa, de verdade, o assunto de hoje. Acreditem, um “pulinho” destes, ocorrido recentemente, afetou de forma séria o Aeroporto Internacional de São Paulo. Cumbica, para os íntimos.
Não, os aviões não se perderam e ficaram sobrevoando por horas a fio sem conseguir pousar. Isso acontece normalmente devido ao excesso de tráfego aéreo, para desespero de pilotos, controladores de voo e passageiros apressados para chegar ao seu destino. O que aconteceu foi bem mais bizarro.
Se você já olhou de pertinho a pista de um aeroporto, vai perceber que nas pontas (mais conhecidas como cabeceiras) existem umas letras e uns números pintados. Não é nenhuma tentativa de bingo, batalha naval ou teoria da conspiração incluindo extraterrestres loiros ou maritacas falantes.
Os números fazem parte de uma convenção aeroportuária internacional, e significam (simplesmente) o ângulo marcado pela bússola dos aviões ao sobrevoar aquele ponto do planeta.
Resumindo grosseiramente, ajuda muito os pilotos a saber que estão pousando onde realmente estão. Ou onde deveriam estar.
Ângulos, como se aprende facilmente nas aulas de geometria, vão de 1 a 360. Para facilitar a vida dos pilotos, o número é dividido por dez, ou seja, a marcação pode ir de 01 a 36.
As letras identificam as pistas do aeroporto, quando mais de uma. A pista da esquerda recebe um “L” (de left, em inglês), e a da direita um “R” (de right). Se houver uma terceira pista ganha um “C” (de center). Como se aprende facilmente nas aulinhas de inglês.
Terminado o mistério, apesar de ter curtido a ideia das maritacas, saiba que o Aeroporto de São Paulo possuía desde 1985 as letras L e R, com os números 27 e 09. Com o “pulinho”, algo precisou ser feito. Entre a noite de 7 de setembro de 2022, e a madrugada do dia 8, todas as operações do aeroporto foram suspensas. Equipes de manutenção entraram em ação e repintaram os pontos como 28 e 10.
Isso não costuma acontecer com frequência. Aliás, é um evento bastante raro. É a primeira vez em que esse procedimento foi adotado em Cumbica. E conforme constatado na maioria dos registros, foi de longe o aeroporto mais afetado nesta ocasião.
Como se pôde perceber, o campo magnético da Terra deu uma inclinadinha básica de um grau para a direita. Mesmo com a tecnologia atual, é importantíssimo manter a velha bússola (e suas indicações) em ordem, para evitar que a aviação comercial se perca por aí. Assim como as pobres renas do Papai Noel.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.