O fetichismo da mercadoria: o que Karl Marx queria dizer com isso?
Imagem: O grande polímata alemão.
Karl Marx é, sem dúvida, um dos cientistas mais menos compreendidos da história. Eu vejo pessoas falando sobre conceitos marxistas sem terem a menor ideia do que se tratam. Na internet isso é uma festa.
Eu não tenho por objetivo neste artigo fazer nenhum tipo de proselitismo ou defesa efusiva do marxismo. Desejo tão somente, enquanto um amante das ciências, dissecar uma ideia marxista com rigor científico. É sempre o que eu faço ao lidar com qualquer cientista, única e exclusivamente por uma questão ética.
O conceito marxista que mais vejo gente dizer bobagem acerca dele é o "fetichismo da mercadoria". Geralmente, as pessoas o interpretam como se fosse o desejo por uma mercadoria que não teria de fato uma utilidade, que seria estimulado pela publicidade ou propaganda.
O que já é um anacronismo completo, visto ser um termo criado no século XIX. Vou tentar fazer um breve exercício mental sobre tal conceito.
Segundo o filósofo Alfonso Iacono, o conceito de "fetichismo" foi utilizado pela primeira vez pelo polímata francês, Charles de Brosses, no século XVIII. Na obra desse autor, o conceito de fetichismo se refere à religião dos povos autóctones de África e o caráter divino que eles dão aos objetos. Marx utilizará o termo "fetichismo" para explicar a relação social dos europeus brancos trocadores de mercadorias.
Em artigos no Rheinische Zeitung é quando Marx utiliza o conceito pela primeira vez, em 1842. Para mencionar que, para os povos ameríndios o ouro é o fetiche dos europeus.
Nos Grundrisse de 1858, o "fetichismo" já aparece de forma mais robusta para explicar como o materialismo dos economistas clássicos é precário por dar qualidades naturais às coisas concebidas em relações sociais de produção, o que para Marx não passa de uma forma de idealismo.
No Para Crítica da Economia Política de 1859, Marx dá um outro significado para o conceito de fetichismo. Ele menciona vinculando-o à necessidade do modo de produção capitalista ou burguês de cristalizar a riqueza em um objeto específico utilizado para troca.
No texto Teorias do Sobre-Valor de 1861, o termo fetichismo é empregado tanto para se referir ao idealismo dos economistas clássicos quanto ao processo de criação de mercadorias no modo de produção capitalista.
Contudo, é somente na sua obra, O Capital, que a teoria do fetichismo estará consolidada. Para apreender a ideia de fetichismo, Marx explica o processo de transubstanciação no livro I de O Capital.
Todo trabalho realizado que transforma a matéria em uma mercadoria específica, há nela relações sociais envolvidas e tempo de trabalho despendido para sua confecção.
Ele faz uma crítica à falsa ideia mística de que este trabalho se transubstancializa na forma de mercadoria como se não houvesse a utilização ou exploração de força de trabalho por trás dela.
Marx aponta que a relação social entre os homens ganha a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. É a partir daí que ele faz a analogia ao conceito de fetichismo no aspecto religioso explanado acima, isto é, objetos místicos são considerados dotados de vida própria, assim como no mundo das mercadorias.
Os produtos concebidos no modo de produção capitalista realizados pela mão humana, ganham também um aspecto autônomo, relacionando-se entre si e com os homens.
Isto é, o homem é dominado pelo objeto fetichista religioso criado dentro da sua cabeça, e dominado pelo objeto criado pela sua própria mão, a mercadoria do sistema capitalista. Em ambos os casos, o homem não tem controle sobre sua criação. É isso que Marx chama de o "fetichismo da mercadoria".
Ademais, para concluir, segundo Marx, o processo de produção material só eliminará o seu caráter místico ou fetichista quando ele estiver sob o controle de homens socialmente livres e conscientes, ou seja, com a destruição do capitalismo e advento de uma sociedade comunista.
Este artigo foi escrito por Célio Roberto e publicado originalmente em Prensa.li.