O Grande Guia do Metaverso para quem não entende de tecnologia!
Metaverso: bem diante dos seus olhos. Foto: Giu Vicente / Unsplash
Então, naquela simpática manhã primaveril, você abre a porta de casa, caminha alguns metros na calçada e logo encontra o Ângelo, vizinho que mudou-se há pouco para a casa em frente.
Você sorri, ele acena e sorri de volta, enquanto passeia com seu seu golden retriever de estimação. Você até gostaria de brincar um pouquinho com o cachorro, mas tem uma missão: comprar croissants para sua esposa que ainda não se levantou.
A padaria não fica longe. Você observa uma jabuticabeira no jardim de um vizinho, e pensa que poderia tentar esticar o braço e colher algumas na volta. Pacheco, o rinoceronte, atravessa cuidadosamente a rua, após aguardar a Flávia, advogada, passar com sua potente Ferrari verde.
Você continua a jornada, entra na padaria, pede o croissant e mais duzentos gramas de muçarela e…
Peraí: você não achou nada estranho nessa história? Bom, não sei o que foi pior, o Pacheco ou a Ferrari verde. Ou ainda a muçarela, que apesar de parecer errada, é a grafia correta.
Com rinocerontes ou Ferraris fora do padrão, este cena hipotética poderia acontecer sem o menor problema. Mas não na nossa realidade, e sim no…
(Pausa dramática)
Metaverso! (Leia com eco, por favor)
No Metaverso, você conviverá normalmente com o amigo paquiderme Pacheco, e mesmo com o veículo de cor inusitada da Adriana. De quebra, provavelmente descobriria que ela não é uma advogada, e sim uma adolescente de 14 anos com um péssimo gosto para pintura automotiva.
O Ângelo não tem cachorro, se chama Afrânio e mora bem longe de você, numa cidade do interior do Piauí. O Pacheco é um publicitário mineiro com sérios problemas de relacionamento, o dono da jabuticabeira é um juiz de futebol entediado, e você… bem, você eu nem conto. Mas adianto: assim como na publicidade da famosa boneca Barbie, “você é o que quiser ser”.
Ah, provavelmente a Barbie estará por lá.
O amigo Pacheco manda lembranças. Imagem: Keith Markilie / Unsplash
Mas o que é esse mundo de sonhos, ou pesadelos encantados? O que é o Metaverso, então?
Admirável mundo novo, mas nem tanto assim
Trata-se da maior aposta da década por parte das empresas de altíssima tecnologia, redes sociais e internet em geral. Capitaneado pelo Facebook, que não por acaso, rebatizou-se como Meta, de olho nessa nova realidade.
Metaverso é um conceito que surgiu — quem diria? — na ficção científica, mais precisamente no livro Nevasca, do norte americano Neal Stephenson, lançado no já distante 1992.
Ali, a interseção do mundo “real” com o virtual avançava a tal ponto, que vírus de computador conseguiam fazer estragos reais em cérebros humanos.
Bizarro, né não?
Imaginemos, a princípio, que essa cena com cérebros literalmente bugados não extrapole os limites da ficção. Mas o tal Metaverso é sério e pode revolucionar o modo como muita coisa é feita nessa tal de Internet.
Esta é a sua vida… ou quase isso
Se você já tem idade suficiente para ser considerado cringe, deve lembrar de uma iniciativa lançada há alguns anos em formato de jogo imersivo, chamado mui acertadamente Second Life.
Guardadas limitações tecnológicas de época, o jogo lhe dava oportunidade de viver uma segunda e virtual vida em paralelo com essa vidinha modorrenta que você tem. A princípio, sei que não é casado, e sua namorada de verdade odeia croissant.
O Second Life era um proto-Metaverso, mas há uma imensa diferença: nos aplicativos e periféricos (essa palavra ainda se usa, produção?) destes novos tempos, na figura de óculos de realidade virtual, luvas tácteis, pulseirinhas e toda sorte de bugigangas, você poderá sentir texturas, peso, calor e outras características das coisas virtuais, como se você estivesse lidando lindamente no mundo real.
A pergunta premiada: na prática, onde mais isso será usado além dos jogos?
Liberando suas fantasias (em lugares não muito propícios)
Ah, caríssimos leitores: vocês mesmos, que já se acostumaram com o significado de home office nestes tempos pandêmicos. Imagine só, suas modorrentas reuniões feitas através do Zoom, Meet e companhia, vão ganhar um sabor novo: usando aquela parafernália citada acima, você se sentirá novamente na sua empresa, ainda assim usando pijamas, não precisar pegar ônibus lotado e tampouco sentir o catastrófico bafo de alho do coleguinha ao lado que exagerou no tempero na janta de ontem. E dependendo do grau de informalidade da sua empresa, seu avatar pode ter até cabeça de cavalo. Ou o uniforme do Deadpool. Quem sabe, as orelhas do Mickey?
E já que citamos o rato mais famoso do universo, saiba: as grandes corporações estão de olho nesse Metaverso como nunca. Pode ter certeza, além da turma do Zuckerberg, neste momento vários executivos, comandando exércitos de desenvolvedores, estão pensando em como tirar o máximo deste “novo” ambiente. No máximo, aguardando qual será o próximo passo do Meta/Facebook nesse intrincado jogo de xadrez digital movido a bilhões de dólares (ou criptomoedas). Disney, Google, Warner, Globo, mais dia menos dia irão fincar a bandeira nesse território.
No fundo, no fundo, bem lá no fundo…
A indústria do cinema, num futuro não muito distante, poderá se beneficiar de um modo inimaginável há pouco tempo: você poderá assistir a um filme totalmente imerso dentro de uma cena. Você poderá ser um observador em uma cena de investigação, voyeur de uma cena romântica (eu disse romântica, mas se você pensou naquilo também pode ser), ou ser massacrado na batalha final de Vingadores: Ultimato. Aliás, recomendamos fortemente desabilitar os gadgets de sensação num momento como esse.
Você não vê a hora de estar em uma cena assim, não? Não? Imagem: Hasan Almasi / Unsplash
Vejo aplicações bem similares para a televisão. Não que você possa interagir com os jogadores em uma transmissão esportiva, mas poderá se sentir de modo realista em um estádio.
Isso funcionaria ainda melhor em uma novela, ou em um programa de auditório. Mesmo um reality como o Big Brother Brasil poderá lhe proporcionar uma perspectiva única. E provavelmente em pay per view.
E mais ainda que a televisão, isso poderá ser implantado mais rapidamente dentro dos provedores de streaming (spoiler, vamos falar destes num artigo próximo); lembre-se que Netflix, Prime, Paramount, Disney e companhia já chegam a você usando as redes de ida e volta da internet.
É tecnologia ou feitiçaria?
Parece absurdo e distante tudo isso? Saiba que boa parte desta tecnologia já existe ou pelo menos está em franco desenvolvimento.
E um dia, é bom lembrar, o rádio, o cinema, a TV e a internet eram considerados mais próximos da fantasia do que da realidade. E tudo isso hoje é tão corriqueiro que talvez você nem se lembre mais.
Mas aposto que entre o século XV e XVI, se você falasse que estava ouvindo música em um radinho, seu destino seria a fogueira. Então, para a tecnologia, o tempo é muito relativo.
Por uma humanidade mais fofinha. Imagem: Disney/Pixar
Por outro lado, é inevitável lembrar de um clássico da animação, Wall-E, da Disney/Pixar.
No filme, o que resta da população da Terra está em uma espaçonave vagando há setecentos anos, aguardando um sinal para que a volta ao planeta seja segura.
Todos os humanos são servidos por máquinas sencientes, e vivem sedentários, utilizando todo tipo de parafernália de realidade virtual, para fazer até as coisas mais elementares. Não deixa de ser um Metaverso.
Não seria um futuro desejável para a humanidade.
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.