O intelectual e a praça: Risério e a Lei 12.711/2012
Marcos Oliveira/Agência Senado
Antônio Risério é um intelectual brasileiro de indiscutível relevância.
Recentemente ele publicou um texto na Folha em que acusava os movimentos negros de distorcer a história a partir da tese do racismo estrutural.
Este texto não é uma contribuição à discussão se o racismo é estrutural (como afirma Silvio Almeida) ou não (como afirma Risério).
O objetivo deste texto é expor o contexto econômico e político onde o debate se desenvolve.
Retornemos a 1997, quando apenas 1,7% dos jovens pretos e 11% dos pardos do país haviam completado o ensino superior.
Essa proporção começou a mudar com as medidas de ampliação do acesso ao ensino superior no Brasil.
Entre 94 e 2000 o aumento de matrículas no setor privado foi de 58%, e havia possibilidade de isso ser só o começo.
A matemática não era lá das mais complexas:
1. O governo prometia colocar mais jovens diplomados no mercado.
2. O ensino médio publico não era competitivo e as universidades públicas tinham uma estrutura limitada.
3. Logo, as instituições privadas iriam receber este excedente.
A cereja do bolo (de dinheiro) veio quando o governo Lula tornou rotina o aumento das verbas para programas de acesso ao ensino superior.
Para o mercado, o único “porém” desta alegria foi quando em 2007 o governo federal lançou o REUNI, um programa pra expandir principalmente a estrutura das universidades federais.
O Mercado
O governo estava disposto a diminuir o abismo na proporção de negros, pobres e não-negros, não-pobres no ensino superior.
No início do processo, em 2000, as instituições privadas representavam cerca de 85% da estrutura da educação superior disponível, então, o destino dos recursos para expansão iria acabar em seus bolsos.
Em 2007 as instituições privadas já representavam 89% da estrutura, e em 2011 o número de jovens pretos e pardos que acessam o ensino superior havia saltado para 35,8%.
Ou seja, dinheiro estava entrando em grandes proporções.
Em 2012 esses jovens pretos e pardos ganharam uma ajuda extra pra acessar as universidades federais.
A Lei 12.711, então sancionada, previa cotas raciais para ingresso nas instituições federais de ensino superior.
Essa legislação acabava sendo um golpe nas instituições privadas, para as quais os excluídos das universidades federais eram a principal clientela.
Mas não havia cotas para as privadas? Sim, havia.
Mas entre financiar sua faculdade na instituição na esquina de sua casa ou estudar gratuitamente na instituição onde se formaram líderes políticos e da industria, a escolha do jovem era óbvia.
A matemática
Em 2017 o gráfico de ocupação de novas vagas nos cursos de graduação em instituições privadas do país apontava apenas 32,1% de ocupação das novas vagas, um problema que estava só começando.
Indiferente se isso foi causado pela Lei 12.711 ou pelo REUNI, o fato é que a proporção de jovens entrando nas instituições públicas estava aumentando e nas privadas diminuindo.
De toda essa história, o que nos interessa é a performance de uma empresa de educação em especial. Não citarei o nome porque isso é apenas um detalhe.
Tal empresa cresceu ao longo dos anos absorvendo suas concorrentes no país até se tornar a maior empresa de educação do mundo em 2016.
Para se ter uma ideia do seu tamanho, a segunda colocada no ranking da época, a chinesa New Oriental, tinha apenas metade do seu tamanho.
Em 2019 a condução desastrosa da pandemia de Covid por parte do Governo Federal causou grande impacto na educação privada.
A tendência do EaD se consolidou e vários concorrentes que haviam apostado nesse formato começaram a ver os frutos de seus investimentos.
Para essa empresa específica as notícias não eram boas, afinal, depois de um período de aquisições, agora ela era proprietária de uma colossal estrutura física por todo o país.
Sem o ensino presencial esta estrutura implica em prejuízo.
Este prejuízo veio de forma regular, e enquanto perdia centenas de milhões de reais a cada trimestre, seu ticket na B3 afundava e o seu valor de mercado reduzia de forma drástica.
No gráfico abaixo o leitor poderá observar a ladeira em que o ativo tropeçou de Março de 2018 a Janeiro de 2022.
Se no mercado financeiro as perdas acumuladas eram visíveis, no campo político a empresa teve uma vitória ao emplacar um de seus funcionários como Ministro da Educação no Brasil.
No entanto, esta vitória não compensou as derrotas, e a ladeira parece não ter fim. Porém esse ano apresenta um elemento que pode mudar esse horizonte.
A Oportunidade
O ano de 2022 combina uma série de fatores que pode significar uma mudança de rumos para a sorte desta empresa.
Os resultados da vacinação em massa têm demonstrado que estamos perto de reduzir definitivamente a capacidade letal do Covid, e isso implica na antecipação do retorno às aulas presenciais.
Além disso, outro elemento ainda mais importante que esse ano trás é o fim do prazo previsto no art. 7º da Lei 12.711 para a revisão do programa das cotas.
Explico.
A realidade atual não permite uma exclusão de pretos e pobres do ensino superior daquela proporção que tínhamos em 1997.
Logo, com o fim das cotas, esses jovens pretos e pobres poderiam ser realocados para as instituições privadas brasileiras.
Em fato, a expressão de que a universidade deve ser ocupada por uma pequena elite foi dita pelo atual Pastor - Ministro da Educação.
Na tentativa desastrosa de expressar o valor primordial dos Institutos Federais na formação de mão de obra, o Pastor-Ministro disse que as universidades deveriam ser para poucos.
“- Ah, mas não podemos dizer que ele estava falando que estes poucos não podem ser pobres, pretos ou pardos.”
E aí é onde a coisa se complica, porque na mesma entrevista ele afirma que:
"Pelo menos nas federais, 50% das vagas são direcionadas para cotas. Mas os outros 50% são de alunos preparados, que não trabalham durante o dia e podem fazer cursinho."
É aqui onde chegamos ao ponto que queremos.
O fim das cotas é muito interessante do ponto de vista econômico para a empresa que nos referimos anteriormente.
Esse fim implica na alocação de verbas públicas em instituições privadas que vão receber a demanda excedente do ensino superior.
Mas o que isso tudo tem a ver com o debate levantado por Antônio Risério?
Conquanto tudo o que foi escrito até aqui não tenha nenhuma relevância para o debate levantado por Risério, não podemos ignorar que há bilhões de reais envolvidos nesse debate.
Diferente do que disse a Dilma, aqui não vai todo mundo perder. Se um lado perder o outro ganha, dinheiro.
Algumas das hipóteses de Risério em seu texto são:
1. Os movimentos negros brasileiros são (no mínimo) tolerantes com ideias de separatismo e supremacia.
2. O racismo de negros contra brancos é a regra geral dos movimentos negros.
3. Negros tem poder para institucionalizar seu racismo contra brancos.
Sem julgar o mérito dessas afirmações, a consequência é que caso todas sejam verdadeiras: não há a menor necessidade de existirem cotas raciais no ensino superior público nem em lugar algum.
Não para negros.
O fim das cotas não significa o fim da demanda por vagas, e essas vagas vão demandar financiamento público ou privado.
Das duas uma: o governo financia tais vagas com os dispositivos já existentes (FIES), ou os bancos privados financiarão.
Em todo caso, a empresa de que tratamos anteriormente ganha.
Em 2018, por exemplo, o número de negros nas instituições públicas de ensino superior chegou a 50,3%, em termos mais precisos, pouco mais do que 4,2 milhões de matrículas em apenas um ano.
A disputa prática do debate mais amplo, do qual Risério faz parte, pode ser colocada da seguinte forma: essas 4,2 mi de matrículas, e o dinheiro que elas representam, devem ser transferidas para as instituições privadas?
Poderia encerrar o texto aqui, pois o objetivo era apenas expor esse contexto econômico e temporal do debate.
No entanto, uma breve contribuição pessoal ao debate diz sobre uma outra consequência do texto.
Se todas hipóteses de Risério estiverem corretas então o caso é dele entregar às autoridades policiais o nome das lideranças desses movimentos.
Imagino que ele tenha pelo menos um nome em mente.
Afinal de contas, se alguém tem intenções separatistas, racistas e o poder para colocá-las em prática, esse alguém precisa ser detido.
Há legislação penal específica para tratar de tais casos.
Não podemos ficar de braços cruzados diante da denúncia de Risério de que há uma ameaça de institucionalização do racismo contra brancos no país. O STF e as FA precisam reagir!
Este artigo foi escrito por Dr. Marcelo A. Silva e publicado originalmente em Prensa.li.