O Leão de 40 Bilhões na Amazon
Amazon compra MGM - Mais que estratégia de mercado, verdadeira visão de vanguarda.
O secular leão - sim, quase um século - que rugia no início de cada filme da Metro Goldwin Mayer está de mudança. O Leão de 40 Bilhões de reais, “Leo” para os íntimos, vai rugir em outras plagas. Vai habitar a floresta capitalista amazonense, abandonando assim a sua própria, também capitalista.
Claro, não a amazonense que conhecemos. Não a que tanto descaso recebe por parte de governos e desgovernos mundiais. Não a que, por tal descaso, causa danos ambientais.
Trata-se de outra floresta amazonense, a selva de pedra ainda mais dura, aquela que tem tudo de A a Z. A que pode causar danos ambientais no universo dos streamings justamente em razão da presença do Leão de 40 Bilhões.
Ele vale o preço. Não exatamente pela empresa que representa. Afinal, segundo economistas especialistas em grandes corporações e como se vê mais abaixo, a MGM já tinha passado do tempo de venda.
Por que um Leão de 40 Bilhões
Também porque ele é anterior até mesmo à MGM. Nasceu como símbolo da Goldwyn Pictures Corporation em 1916, estúdio cinematográfico fundado por Samuel Goldfish e parceiros. Quatro anos depois, um distribuidor de filmes visionário apaixonado por cinema, Marcus Loew, adquiriu a Metro.
Mais quatro anos (1924), deu-se a união de ambas as empresas; no seguinte, Louis B. Mayer Pictures, também fundador de estúdios, chegou para, enfim, compor a MGM. O bicho, já incorporado à publicidade, foi leão literalmente. Viajou pelos EUA para tornar a marca conhecida. Então:
sobreviveu a um acidente de avião
passou por enchentes no rio Mississippi
quase morreu em terremoto na Califórnia
escapou de um incêndio
enfrentou acidentes de trem
Com tanta bravura, o Leão de 40 Bilhões atraiu celebridades. Ao seu lado, brilharam nomes como Norma Shearer, Greta Garbo, Jeanette MacDonald, Judy Garland, John Gilbert, Ethel/Lionel/John Barrymore, Joan Crawford, Lon Chaney, Clark Gable, Jean Harlow, William Powell, Myrna Loy, Katharine Hepburn, Spencer Tracy, Mickey Rooney, Elizabeth Taylor, Gene Kelly.
Um tesouro de bilhões
Não bastando essas provas de coragem, o felino foi valente nas artes audiovisuais e nas financeiras. Acumulou enorme tesouro:
Década de 30 - Grand Hotel, David Copperfield, The Good Earth, The Women, Mutiny on the Bounty (repaginado na década de 60)
Anos 40 - The Philadelphia Story, Mrs. Miniver, Gaslight
Década de 50 - A selva de asfalto
Ainda produziu Ben-Hur duas vezes e apoiou financeiramente e na distribuição de Gone with the Wind, de David O. Selznick (1939). Há também séries em meio a esse tesouro enorme: Thin Man, Andy Hardy, Topper entre outras. Contudo, foram com os musicais que a MGM atingiu seu ápice: The Wizard of Oz, Ziegfeld Girl, Meet Me in St. Louis (1944), Singin' in the Rain (1952), Gigi e outras mais.
Ao todo, o acervo do Leão de 40 Bilhões detém:
média de oito lançamentos de películas teatrais por ano
geração de cerca de 650 episódios de TV
mais de 4.000 filmes
17.000 episódios de TV
Rugido menos barulhento
O Rei da Selva capitalista, habitante da clareira do entretenimento, começou a apresentar afonia já nos anos 50. Seu rugido passou a perder intensidade. Precisou, então, de um forte choque de gestão na década seguinte, o que significou certa dose de ousadia.
Assim, parte da ousadia foi romper em definitivo com o Código Hays, onda de moralização aplicada contra produtores de peças cinematográficas em anos anteriores. O filme Doctor Zhivago, segundo cinéfilos importantes, foi o mote usado pela MGM para alavancar a retomada do prestígio da empresa.
“Tudo, absolutamente tudo em Doutor Jivago, tanto o romance de Boris Pasternak escrito entre 1945 e 1955 quanto o filme de David Lean de 1965, é gigantesco, grandioso, impressionante. Como as duas coisas que eles retratam: o grande amor e a Rússia.”. É assim que o site 50 anos de Filmes inicia sua análise crítica sobre o filme.
Além disso, a empresa optou por diversificar seus investimentos. Aventurou-se até mesmo em outros mercados, como cassinos e hotéis.
Um sorriso para o leão
A experiência secular da MGM se juntou à experiência de quase três décadas da Amazon.
Quando a Amazon anunciou a compra da MGM em meados de 2021, o mercado levantou as orelhas como fazem as caças dos leões. Em especial, as caças da clareira cinematográfica na floresta do entretenimento. Teve-se a impressão de que a gigante do comércio eletrônico não pararia por ali.
As negociações estavam se arrastando desde o ano anterior. É possível que o “sorriso do slogan” da Amazon se alargue ainda mais. Trata-se de estratégia mercadológica elogiada por poucos analistas, temida por muitos concorrentes, esperada por todos os cinéfilos.
Os dentes do leão
O acordo entre as gigantes é o segundo maior no gráfico de evolução da Amazon. Fica atrás somente da compra da Whole Foods, complexo de supermercados de produtos naturais, por quase 65 bilhões (considerando-se a média de dólar deste mês). O negócio evoluiu há cinco anos, bem antes de o leão se transferir da MGM para a Amazon.
“Isso reforça a ideia de um plano ambicioso da Amazon em expandir além do varejo online”, confirmou Stephanie Kohn, jornalista sobre assuntos de tecnologia.
Os dentes do Leão de 40 bilhões somente se arreganharam desde então. Assim, tão logo anunciou a compra da MGM, as ações da Amazon já tiveram alta quase imediata.
As garras do leão
O fechamento das conversações levou à então empresa de Jeff Bezos, a Amazon, excelente oportunidade para tornar seu catálogo de serviços ainda mais participativo no mercado. Essa é a visão de Justin Post, analista do Bank of America, que acha o valor pago muito maior do que vale a “mercadoria”.
Para o profissional, há um fator menos genérico e mais estratégico na compra da MGM pela Amazon com superágio. “Embora o preço relatado de [quase] US$ 9 bilhões seja cerca de 30% maior do que a MGM negociada em mercados privados (especulação pré-aquisição), o risco de não ser uma das cinco principais plataformas de streaming em um setor em consolidação pode valer cerca de US$ 3 bilhões”.
Não à toa, o Leão de 40 Bilhões tem se mostrado rei também nesse tipo de selva. Para muitos, as franquias “James Bond”, “Rocky” e “Pink Panther” já justificam o investimento. A partir de então, elas passam a ostentar o “sorriso da Amazon”.
Além disso, a MGM tem um braço em incursões televisivas. Dessa maneira, a Amazon vai abraçar sucessos como:
Shark Tank
The Real Housewives
The Voice
Para Post, o rugido do Leão de 40 Bilhões tem destino identificado: Netflix Inc e Walt Disney Co. As duas empresas de entretenimento têm investido cegamente no mercado de streaming, o nicho de consumo que a Amazon pretende absorver.
Sorriso do Leão na mira da Justiça
Jeff Bezos confirmou seu sonho de adquirir a MGM em razão da força da tradição da empresa, o que significa alavancar a cultura americana. Disse o então “dono da Amazon” para jornalistas da Hollywood Reporter: “o vasto e profundo catálogo de propriedade intelectual [é] muito amado; [assim planejamos] reimaginar e desenvolver essa propriedade intelectual”.
Esse sonho pode ter problemas para se realizar. É o que alega Shepart Smith, colunista do site Consumer News and Business Channel - CNBC americano. A Federal Trade Comission - FTC, única agência federal com jurisdição de proteção ao consumidor e concorrências, parece ter encontrado empecilhos fortes.
Entretanto, a própria Amazon comunicou que teria ajustado todos os itens levantados ao escopo da entidade e cumprido substancialmente os pedidos de informações sobre o acordo. Assim, assumiu todos os funcionários da MGM e confirmou que não haveria demissões.
Então, até onde realmente se tem informações, a Amazon está fora do foco da FTC. A entidade aprovou o acordo recentemente.
Vocês, leitoras e leitores Prensa, têm mais informações sobre o negócio Amazon—MGM nos textos dos colunistas Ariane Delago e Daniel Marx.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.