O mundo da mentira e o mundo de verdade
Arte por sciencemag.org
A plataforma digital Youtube resolveu agir contra a desinformação veiculada por vídeos através dos seus algoritmos. Afirmações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro, como alegação de fraude na votação de 2018, serão proibidas.
A medida já aconteceu para vídeos sobre as eleições de 2020, nos EUA, e 2021, na Alemanha.
O anúncio vem na esteira da recente decisão judicial do ministro do STF, Alexandre de Moraes, sobre o aplicativo Telegram. Este havia sido proibido no país por não reportar informações à justiça brasileira, sob pena de multa de cem mil reais diários a quem descumprisse,
Com a decisão, e a perda do grande cliente que é o mercado brasileiro, o dono do aplicativo voltou atrás, alegou o famoso “foi mal, esqueci de te responder”, e resolveu as pendências. Assim sendo, o ministro retirou a proibição.
Cenas como essas precisam ser cada vez mais comuns daqui para a frente. A falta de regulação do ciberespaço custou caro à nossa democracia, quatro anos atrás. É impensável manter na internet esse terreno baldio – onde quem tiver dinheiro para bancar uma campanha, por mais espúria que seja, tem permissão.
O preço não foi cobrado apenas no pleito passado. O acesso à máquina pública pelas milícias digitais, ao financiamento e estrutura, permitiu criminosas publicações negacionistas em plena pandemia.
O resultado, vemos diariamente. Ainda cai um Boeing por dia no Brasil da Covid.
O fato do governo que temos ser o mesmo governo que banca essas estruturas explica a demora no andamento das investigações. O Inquérito das Fake News, por exemplo, tem muita informação, mas não anda por pressão do aparelhamento promovido no Estado.
Apesar disso, parece claro a todos que foi montado aparato unindo oportunistas de toda sorte: políticos de primeira viagem, velhas raposas, militares, artistas fracassados, pastores e empresários.
Todos recolhem ao longo do mandato os royalties do investimento. Destruição da legislação ambiental, gabinetes paralelos nos ministérios, acesso direto a financiamentos e bens públicos, cargos em profusão; com a certeza da não investigação.
Esse aparato, colado ao Palácio do Planalto, comanda as diretrizes seguidas pelos séquitos que propagandeiam para a midiosfera. Essa garante o mundo paralelo dos fiéis acólitos capazes de acreditar em absolutamente tudo que lhes chega pela tela digital.
Coibir discurso de ódio - limitar o alcance da mentira - não cerceia a liberdade de expressão. A razão de existir da liberdade é justamente garantir a todos os direitos mais básicos. Inclusive à verdade.
Não há discussão possível com argumentos do tipo: a vacina da Covid causa Aids; as escolas públicas distribuíram mamadeiras com bocais em formato de pênis para as crianças; não tenho provas de que as urnas são fraudáveis mas elas são fraudáveis.
A falta de escrúpulos extrapola qualquer medida que tínhamos. O presidente do Brasil, em 1.185 dias de governo, mentiu descaradamente, pelo menos, 5.145 vezes.
É o completo rebaixamento da discussão a um nível onde somente integrantes dessa rede conhecem o argumento. E controlando o argumento, controla-se a narrativa. As ideias propagadas tocam o mínimo possível na base do real.
A gasolina aumenta indiscretamente há quase dez anos, mas foi a guerra na Ucrânia que causou a subida de preços. O desemprego está em patamares escandalosos há quase dez anos, mas foi a pandemia que causou alta no índice.
Esse paralelismo, um quase outro mundo, dá sentido divino ao movimento no poder. A midiosfera faz acreditar que um complô mundial está contra um ungido de Deus. Que este é vítima de obra demoníaca.
Com a aproximação das eleições, esses absurdos tendem a recrudescer. Por isso a importância do posicionamento da justiça brasileira e das plataformas digitais. Ou dessa vez nos preparamos para a turbulência, ou veremos repetir um filme trágico.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.