☕ O mundo lá fora
Leia a 2ª edição da Pausa Para Um Café, um convite cultural em meio às avalanches de informação e demandas de trabalho.
A Pausa Para Um Café é construída pelos criativos que colaboram com a Prensa. A newsletter é uma seleção de conteúdos sobre cultura, comunicação, literatura, ciências, comportamento e sociedade. Saiba mais sobre o projeto e cada uma das colunas aqui.
No volume 2 da Pausa Para Um Café você verá:
Brasil de bota: o redator
começa o ano com uma análise sobre as músicas mais reproduzidas no Brasil em 2023.De frente com o desconhecido: a redatora
reflete sobre o realismo fantástico daquilo que não estamos acostumados;Por que 2024 é ano bissexto? quem abre o portal para a dimensão deste ano e responde essa pergunta é o editor audiovisual
;O sentido do feio: a designer
conta qual é a cor mais feia do mundo e todo o aspecto psicológico em volta dela.
GELEIA GERAL
por Gal Florentino
Seus dados foram a estrela do Wrapped do Spotify em 2023. A big tech esbanjou-se de publicidades gratuitas, incentivando os usuários a trocarem as figurinhas do wrapped com seus seguidores. O The Guardian comentou a eficácia da campanha publicitária e o que há de assustador por trás do design arrojado, da mensagem especial do seu artista mais reproduzido e dos “arquétipos de personagens” baseados na maneira como você usa a plataforma.
No Brasil, os dados afirmam que o AGRO é POP - e temos nossa própria Taylor Swift!
Artista mais reproduzida no Brasil, Ana Castela explora dois dos gêneros mais populares no país: o sertanejo e o arrocha. Dos 5 artistas que ocupam o pódio brasileiro, apenas o MC Ryan SP (3º lugar) não explora o arquétipo boiadeiro. Das 5 músicas mais reproduzidas, nenhuma foge do padrão. Dos 5 álbuns, apenas o rapper Veigh conseguiu ocupar, não só uma, mas duas (3º e 5º) cadeiras no topo.
Não é segredo que o brasileiro gosta muito de música sertaneja, mas até que ponto esses dados são orgânicos? Que o Spotify virou a mesa do jogo dominado pelas gravadoras nós sabemos, mas como a influência econômica dentro da indústria fonográfica e as cifras milionárias de mecenas do agronegócio refletem na plataforma? A Piauí fez análises completas sobre como o gênero nada em dinheiro público - e eu não estou falando de editais!
Do outro lado da balança, a pedra no sapato para a hegemonia sertaneja é o crescente domínio das culturas de rua na narrativa musical brasileira.
"Hoje, com o aumento populacional das cidades e a democratização do acesso ao digital, o discurso pertence às periferias. Seus likes e plays impactam a indústria cultural e fizeram do funk, do rap e agora o trap líderes de segmento, dividindo o protagonismo com o sertanejo. " comentou Caio Corsallete em "As periferias dominam as narrativas da música urbana" no Meio e Mensagem.
Num terreno capinado pelos pioneiros do samba, sedimentado pela primavera do rap com RZO, Racionais MC’s, Sabotage, Rappin' Hood, Xis, e atualmente, exportado por artistas como Ludmilla, Anitta e Kevin O Chris, as músicas das periferias simbolizam uma resistência diante do domínio popular do sertanejo. A presença de MC Ryan SP e Veigh nesse balaio de dados é um exemplo disso.
No entanto, a digitalização da indústria da música permitiu que a dinâmica predatória do mercado sertanejo - uma prática conhecida como “jabá” - se estendesse também às capas de playlists, às sugestões algorítmicas e - como sempre - aos espaços publicitários. A receita perfeita para a monocultura impressa no Wrapped do Spotify Brasil.
“O artista como ativo financeiro é produzido, e sua mercadoria-sonora vem acompanhada por um investidor. Os investimentos financeiros advêm geralmente de grupos empresariais da agropecuária que viram nesses investimentos grandes fontes de retorno.” escreveu Douglas Barros na Revista Rosa sobre a hegemonia do sertanejo na era da pós-música.
REALISMO FANTÁSTICO
por Fernanda Waisman
(♫ Para ler ouvindo Escapee, da banda Architecture in Helsinki)
Fui apresentada aos ocapis na primeira história que li em 2024, um romance sobre amor, vida e morte, que faz rir e chorar. Você sabe o que é um ocapi?
Eu te conto, tomando emprestado um trecho d’O dia em que Selma sonhou com um ocapi, livro da escritora alemã Mariana Leky:
O ocapi é um animal bizarro, (...) e parece totalmente incongruente com suas pernas de zebra, ancas de tapir, torso vermelho-ferrugem de girafa, olhos de cervo e orelhas de rato. Ele foi descoberto na África e trata-se do último grande mamífero descoberto pelo ser humano.
Eu nunca tinha ouvido falar nesse bicho e também nunca tinha lido algo escrito por uma mulher alemã - e isso me colocou a pensar.
Antes do ano novo chegar, eu desci a Augusta e entrei no Espaço Itaú. Comprei uma entrada para Folhas de Outono, filme que descobri ser Finlandês, com Helsinki como plano de fundo. Eu, que sou péssima em geografia, confesso que a única referência que eu tinha de Helsinki vinha da banda diferentona Architecture in Helsinki - e eles, na verdade, são australianos. Ou seja...
Passei os 81 minutos do filme analisando o mundo velho e novo que se mostrava pra mim: os costumes, as roupas, a ausência de agradecimentos nos diálogos, a língua chiada que meus ouvidos não estão acostumados a ouvir. E também as várias semelhanças com a realidade que eu conheço: os encontros e desencontros, a pobreza, o desespero, o romance. Nós vivemos realidades diferentes que são muito parecidas.
Não amei o filme mas menciono ele aqui porque, assim como o livro da escritora alemã, Folhas de Outono me fez pensar sobre um sentimento do qual eu costumo sentir muita falta no cotidiano de uma cidade pequena no interior: a sensação de me conhecer melhor ao explorar novos cantos do mundo e fugir das rotas que todo mundo costuma percorrer.
Afinal, mesmo com as infinitas possibilidades de acesso que a internet nos traz, tendemos a visitar os mesmos lugares, ler as mesmas nacionalidades, assistir aos mesmos filmes. Quando pensamos em viajar, raramente cogitamos ir pra Helsinki, né? Por isso, decidi começar o ano te trazendo essas recomendações que seu algoritmo provavelmente não traria:
Um livro alemão: O dia em que Selma sonhou com um ocapi, de Mariana Leky
Um filme finlandês: Folhas de Outono, do diretor Aki Kaurismäki
Uma banda australiana: Architecture in Helsinki
Tenho pensado muito sobre o “mundo lá fora”. Meu desejo de ano novo pra você é que seus horizontes não parem nunca de se expandir - online e offline. Feliz 2024!
PORTAL PARA ESTA DIMENSÃO
por Júlio César
A Terra possui dois grandes movimentos: a translação e a rotação. Aquela é a viagem que o planeta faz ao redor do Sol e define o ano. Esta é a rotação em torno do próprio eixo e define o dia. Se esticarmos a translação da Terra sobre o chão, como se fosse uma fita métrica, descobriremos que não há como emparelhar com perfeição a quantidade de dias e a duração do ano. É como dividir um metro em polegadas, a conta jamais será “redonda”.
O ano dura aproximadamente 365,242189 dias (ou: 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45 segundos). Como arredondamos o ano para 365 dias, essa sobra de 5 horas, 48 minutos e 45 segundos se acumula ano após ano. Assim, uma vez a cada 4 anos temos acumulado o tempo de um dia inteiro para ser compensado. Por isso, 2024 terá 366 dias.
Nosso calendário está em sincronia com o Sol, e perder esta sincronia bagunçaria nossas referências, prejudicando inúmeras atividades humanas. É a mesma ideia do cidadão que usa como horário oficial o relógio do terminal de ônibus - há um motivo estritamente pragmático para tal escolha.
O cálculo do ano bissexto é um pouco mais complexo do que simplesmente o ano ser divisível por 4, como se ensina na escola. Este é o algoritmo:
O ano é bissexto se ele for divisível por 4;
A menos que ele seja divisível por 100;
Mas, se for divisível por 400, será bissexto.
Segundo esse algoritmo, o ano 2000 foi bissexto, mas 1900 não foi.
O ano bissexto trata da diferença de métricas entre o ano e o dia. Nós sequer chegamos a abordar que existe uma variação natural na duração do dia e do ano. Essas variações são muito sutis e só podem ser mensuradas com equipamentos de alta precisão. Por exemplo, segundo o site Time and Date, o dia 4 de janeiro de 2024 durou 24h + 0,42 ms. O dia mais longo de 2023 foi 15 de maio, e teve 24h + 1,32 ms.
Por que essas variações acontecem? Por vários fatores que atuam em conjunto: grandes deslocamentos de massa no planeta, como terremotos, influências gravitacionais do Sistema Solar, etc. É algo perfeitamente natural.
Como os mais atentos perceberam, nós apenas tocamos levemente a superfície desse assunto tão fascinante que é a mensuração do tempo e a elaboração de calendários. Teremos novas oportunidades no futuro. Por enquanto, divirta-se no site Time and Date.
ÓCIO CRIATIVO
por Maytê Emilly
Desde 1999, designers e outros profissionais criativos aguardam ansiosamente a divulgação e apresentação da cor do ano eleita pela Pantone. E é muito provável que você já tenha se deparado com a Peach Fuzz, a cor do ano de 2024, em algum canto da internet. Particularmente, sou fascinada por temas que envolvem psicologia das cores e acho surreal como atribuímos significados e temos percepções tão similares, mas também tão divergentes diante da observação de um mesmo objeto.
Aspectos culturais, sociais, individuais, religiosos e de mercado influenciam pesadamente o modo como percebemos e nos sentimos diante das cores. Apesar de terem 'significados' predominantes quando isoladas, elas são emocionalmente subjetivas, e nossas percepções delas variam dentro de contextos específicos.
A título de exemplo: o verde isoladamente pode ser percebido por alguém como a cor da esperança, ao mesmo tempo que uma segunda pessoa o relaciona imediatamente à inveja. Dependendo dos tons escolhidos, do repertório visual do observador e do contexto em que é aplicada, a combinação de verde e marrom pode remeter à sustentabilidade ou à camuflagem militar.
Sabendo disso, cores são escolhidas e combinadas cuidadosamente o tempo todo para influenciar sensações, atrair públicos, gerar interesse e promover vendas. A combinação de cores em um produto pode transmitir a mensagem desejada ou afastar completamente o consumidor final. Apesar da beleza ser tão subjetiva quanto as cores, em 2012, uma agência de marketing australiana liderou uma pesquisa com três meses de duração para eleger a cor mais feia do mundo. O objetivo era desestimular o tabagismo, utilizando essa cor nas embalagens de cigarro, associando-a majoritariamente a sentimentos ou coisas negativas.
No fim do experimento, a cor Pantone 448C, também conhecida como "opaque couché", um marrom esverdeado e meio acinzentado, foi relacionada a coisas como sujeira e morte, acabando por receber o título nada desejado.
Arte de capa:
Woman reading (Mulher lendo) por Édouard Manet.
Impressionismo, França, 1881.
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Até a próxima Pausa,
Time Prensa
completo obrigado e um ótimo ano