O nosso azar é o jogo
A câmara dos deputados aprovou, na última semana, projeto que abre as portas para cassinos, jogo do bicho e bingos no país. A jogatina integra aquela lista de atividades legalizadas por costume no Brasil. A princípio, não há rigor da lei quando o assunto é apostas.
O projeto de lei habita os anais do congresso há mais de trinta anos, esperando o momento de subir à baila. Prática corrente de nossos ilustres congressistas, esquentam textos por anos até a hora oportuna: nada como uma guerra no leste europeu de vez em quando.
A correlação de forças não poderia ser mais favorável. O Arenão (ou Centrão, se preferir), sob batuta do senhor Arthur Lira, comanda a orquestra a toque de caixa. Passa por cima até da bancada evangélica, que rachou no tema.
É que disseram aos representantes de Deus no congresso que haveria um destaque na lei em que parte da arrecadação seria destinado às igrejas, o que, por força divina, não aconteceu. Foi, no entanto, suficiente para carregar alguns castos votos.
A desculpa, ou justificativa, da votação do projeto é a geração de empregos e arrecadação de impostos. Até agência reguladora querem criar! De hora para outra resolveram parecer civilizados.
O relator do texto chega a se declarar um cruzado contra a hipocrisia. “A gente vai trazer luz para o jogo que já existe no Brasil de forma clandestina”, anunciou Felipe Carreras (PSB-PE). Se a moda pega, a gente refunda o Brasil até o fim do ano.
Não acredito na formação de um grande complexo de cassinos, bingos e casas de jogo do bicho. Difícil saber até que ponto geram empregos significativos, sem falar na qualidade. Não há perspectiva alguma de impulso à formação técnica, valor agregado ou dinamismo na economia à base de jogos de azar.
Mesmo que isso exploda pelo país – o texto traz um limite mínimo populacional para instalação dos empreendimentos – se a direção dessa agência reguladora for escolhida como funcionam nas outras, ou seja, pelas próprias empresas “reguladas”, é mais problema que solução.
Os mais novos podem não saber, mas o jogo do bicho é um problema crônico no Rio de Janeiro, onde foi criado. Sustenta verdadeiras máfias, muito mais organizadas do que o varejo do tráfico de drogas. A intenção é legalizar essa gente?
Os cassinos só poderão ser instalados em resorts; complexos de lazer em hotéis com, no mínimo, 100 quartos de alto padrão. Além de tudo querem tirar até o caça níquel, escondido no banheiro do botequim, do trabalhador brasileiro.
E agora?
O projeto vai ao senado, se aprovado, à sanção presidencial. Este último disse que veta, mas sabemos bem de que matéria é feito o Pinóquio da República. Aprova até a mudança do próprio nome, se assim quem o banca mandar.
Essa investida dos engravatados de Brasília sobre a jogatina é parte da “boiada” que vem tratorando o que um dia chamamos de civilização brasileira.
Não há debate sério sobre as consequências do acesso a jogos de azar por milhões de pessoas vulnerabilizadas, emocional ou materialmente. O que se veste de anti-hipocrisia, na verdade esconde sua própria ao não “trazer luz” aos problemas do mundo real.
E como a crise não mostra fim no horizonte, a expectativa é de discussão pública sobre os efeitos dessa liberação em poucos anos.
Quem ganha com isso é o turismo sexual controlado por máfias traficantes de mulheres, o tráfico de drogas e armas – ganham uma máquina de lavar novinha em folha – e os próprios engravatados de Brasília que podem deleitar-se no seio do pecado depois de um dia de louvor.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.