O pão nosso de cada dia, mais caro do que nunca
Uma iguaria cada vez mais salgada
Na mesa do café da manhã de boa parte dos brasileiros há sempre um item que é praticamente obrigatório: o pão.
Quentinho, logo cedo, ele é uma delícia com manteiga ou margarina, recheado com ovo ou acompanhado com uma boa xícara de café.
O problema é que ele está salgado demais, e eu não estou falando do seu sabor.
Quem visita com regularidade os supermercados e os postos de gasolina já sentiu o peso da inflação no bolso. Com carrinhos cada vez mais vazios, as prateleiras estão menos atrativas aos consumidores, que escolhem e muito o que vão levar para casa.
Do pãozinho para o café da manhã ao combustível pra ir ao trabalho, nunca foi tão caro viver e sobreviver no Brasil. Pelo menos não nas décadas pós-plano real.
Como isso influencia os milhões de brasileiros? Vamos tentar refletir sobre isso a partir de alguns dados.
Nos anos 2000, Sophie Charlotte comia pão sem maiores preocupações
“Se não tem pão, que comam estatísticas”, disse Maria Antonieta ao passar por uma padaria brasileira
Primeiro, vamos falar de PIB, o famoso Produto Interno Bruto. Os indicadores mostram que o Brasil conseguiu recuperar o nível de atividade econômica que tinha no período pré-pandemia.
O crescimento de 4,6% registrado em 2021 coloca o desempenho entre os melhores, desde 2010. Em comparação com 2020, que registrou uma queda de 3,9%, o balanço entre esses dois anos fica positivo em 0,7%.
Infográfico do G1, com dados da FGV e IBGE
Excelente, não? Não.
Afora a melhoria em alguns setores da economia nacional, esse indicador demonstra que estamos estagnados, e que as sequelas deixadas vão continuar prejudicando o desenvolvimento do país por muitos anos.
Inclusive, para 2022, o Boletim Focus do Banco Central já alertou que o esperado para o PIB é um crescimento de 0,3%. Ou seja, vamos continuar estacionados, sem combustível para ir além.
A principal das sequelas desta crise é a desigualdade social, que dá mostras de ficar ainda mais aprofundada.
De acordo com economistas ouvidos pelo Uol, a pandemia complicou severamente o hoje e o amanhã das classes D e E, que correspondem a 51% dos lares brasileiros. Estes grupos sociais, trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda, perderam mais emprego e renda e sofrem com a inflação muito mais do que as demais estratificações.
Após dois anos de menos aulas nas escolas públicas, precarizadas por gestões pouco preocupadas com a educação, os jovens dessas famílias terão dificuldade extra para acessar o mercado de trabalho.
E aí precisamos lembrar que os reajustes de preços nos últimos dois anos foram mais intensos nos itens essenciais da cesta básica, como alimentos, energia elétrica e combustíveis. Ou seja, quanto menor a renda da família, maior o peso que esses produtos têm no orçamento.
Os preços sobem, assim como o desemprego.
O nível de ocupação dos trabalhadores brasileiros caiu 7,7% entre 2019 e 2020, para 51%, mas essa retração foi muito mais forte entre as pessoas sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto (-19%).
O que não sobe é o rendimento médio da população.
Se em 2019, o rendimento médio domiciliar per capita ficou em R$1.410, em 2020, o valor caiu pra R$1.349 (-4,3%). estudo Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Desigualdades de consumo
Em meio a isso tudo, enquanto a maior parte do país sofria com a perda de renda, sufocada pelo avanço do desemprego e da inflação, os brasileiros mais ricos (2% da população) viram sua conta bancária engordar.
Isso quer dizer que, enquanto parte da população formava longas filas para conseguir ossos no açougue, diante da disparada dos preços da carne e o crescimento do número de brasileiros famintos, outra parcela - bem menor e rica - aguardava na fila para comprar um Jet Ski.
Enquanto eu e você contamos os trocados pra comprar o pão cedinho para tomar café, a montadora de carros de luxo Porsche bateu recordes de vendas em 2020 e 2021.
Esse paradoxo, por mais que choque, não é surpresa pra ninguém. Recordemos: nosso país é um dos maiores produtores de alimentos do planeta, com o Agronegócio batendo recorde atrás de recorde de produção e exportação.
E, por mais que o Brasil tenha uma das maiores áreas cultiváveis do mundo, muito por conta do clima e do solo favoráveis, 116 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar.
Tome mais paradoxo: ao mesmo tempo em que 19 milhões de brasileiros passam fome, 26,8% da população adulta sofre de obesidade. Isso devido à alimentação baseada em produtos baratos, ultraprocessados ou de pouco valor nutritivo.
E o pão?
Eu prefiro com aquela casquinha crocante, logo que sai do forno. Mas, ultimamente, eu fico mais na imaginação do que na degustação.
O pão vem encarecendo e muito nos últimos anos. A explicação para isso está no aumento do preço do trigo, algo em torno de 46,2% em níveis globais.
No Brasil não foi diferente, muito por conta da seca e das enchentes que castigaram as plantações. Mas só esse motivo não explica o que ocorre com o preço do pão em nosso país.
De acordo com estudo do Banco do Nordeste, mesmo o Brasil sendo o 16º maior produtor de trigo do mundo, nós compramos mais trigo do que vendemos. Nossos principais fornecedores são os Estados Unidos, o Paraguai, o Uruguai e o Canadá.
Com o agravamento da guerra entre Ucrânia e Rússia, dois dos principais produtores de trigo do mundo, é muito possível que o preço do trigo suba vertiginosamente.
E isso, infelizmente, vai deixar o saco de pão ainda mais vazio de manhã cedinho.
Pai nosso que estás no céu, reserve o pão nosso de cada dia, porque a situação vai ficar ainda mais difícil.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.