O pianista alegre
Em uma cidade pequena, desde sempre reside Álvaro, um homem tácito e lacônico, amigável e receptivo, querido por todos.
Quando ele era mais novo podia pisar em todos os arredores que, decerto, receberia admirados olhares, mas agora as coisas mudaram, o lugar não importa, ninguém mais nota a sua presença.
A todo instante alegre, com um semblante radiante, nunca se separava, continuamente andava junto da sua amada esposa. Inteiramente apaixonado por ela, fazia com afinco as suas vontades.
O primeiro a acordar, se preparava para tocar para a sua mulher porque sabia que essa era a hora perfeita do dia, veria um lindo e único bocejar e um terno “bom dia”.
Antônia, a eterna dona do seu coração, nem imaginaria a dor que causaria a este homem e de como ele ficaria sem chão.
Ele tenta espairecer e esquecer a atroz realidade, a ausência dela que desencadeia uma dor lancinante que jamais acaba. Desmazelado e desconsolado, irreconhecível pelos seus vizinhos, se encontrou numa calamidade, se tornou viúvo.
Na companhia da querida planejava o futuro, casa grande, família enorme, amor imenso do tamanho do universo. O luto veio para atormentá-lo, para deixá-lo sem rumo. Contenta-se com as doces memórias mesmo tendo perdido as esperanças de continuar nesta Terra.
Com a ajuda dos conterrâneos conseguia prosseguir, resistir e tocar. Nas habituais cerimônias da humilde igrejinha, tocava e sorria, a lembrar da sua cara.
Antônia era formidável, Álvaro sabia, tão afável com as pessoas. Havia serenidade nos olhos, nos trejeitos, faziam com que cada indivíduo que cruzasse o seu caminho se sentisse confortável.
Álvaro não quer mais nada além de reencontrar Antônia. Daqui, ele grita:
— Volta!
Ela retruca da eternidade:
— Voltarei quando tu me reencontrares. Saudade!
Texto publicado originalmente aqui.
Imagem de capa - Glenn Gold, via Facebook
Este artigo foi escrito por Sion Tadeu dos Reis e publicado originalmente em Prensa.li.