O pop vai poupar alguém?
Fotos: Anderson Coelho
O chamado “agronegócio” tem muitas facetas em nossa sociedade. De responsável pela sanidade das contas públicas à parcela de responsabilidade pelo risco climático auto imposto por nossa espécie.
Mesmo nuances, em aparência, diametralmente opostas, dialogam fervorosamente – posto que sem bioma não há produção, exportação e as tão aguardadas cifras.
O Agro
Como o conhecemos hoje – altamente tecnológico, focado nas culturas da soja, milho e cana, por exemplo (sem falar da pecuária) – o agronegócio ganha grande impulso na ditadura militar.
A criação da Embrapa, em 1973, articula a simbiose Estado-Capital com recursos técnicos que permitiram o avanço dos latifundiários desde o oeste paulista ao centro-oeste brasileiro; mais recentemente subindo em duas frentes: Amazônia e o quadrângulo MA-TO-PI-BA.
Tornou-se um poderoso complexo agroindustrial graças a ganhos de eficiência, especialmente por manejo de sementes altamente adaptáveis; insumos, agrotóxicos, e maquinários importados.
Deve-se a isso, em muito, a fusão com diversos capitais de outros setores, como o imobiliário e financeiro – que ganham na especulação. Também o acesso facilitado a crédito público.
A absorção das práticas mais modernas amplia os ganhos numa mesma área, o que não impede em nada a sanha predatória de mentalidade colonial – nem práticas percucientes, como a grilagem ou ação de grupos armados na defesa de seus interesses.
Toda essa imponência silencia a brutal violência intrínseca. Não sem bombardeamento de propagandas, lógico.
Parte da solução ou do problema?
A manipulação dessas fronteiras – agrícola e tecnológica – carregam em si contradições que atravessam o Brasil de cima a baixo.
De fato, os valores de exportação do agronegócio ajudam a equilibrar a balança comercial brasileira, batendo até 40% de participação. Sob a contradição de ser altamente dependente das importações, pois não produzimos nada por ele utilizado em território nacional.
Mesmo essa importância vem a reboque de um custo social. A apropriação maximizada desses ganhos está subordinada a uma estrutura agrária extremamente disfuncional.
0,3% dos imóveis rurais no Brasil ocupam 25% do território. Se analisarmos os 10% maiores imóveis, essa área vai a 73%. Ou seja, 90% das propriedades, em geral nas mãos da agricultura familiar, detém 27% de toda a terra cultivável.
O Mapa da Desigualdade foi elaborado por um pool de pesquisadores de várias instituições: Imaflora, ESALQ/USP, UNICAMP, UFPA, UFMG, IPAM, Kadaster, PNUMA e SEI.
Outro eixo problemático é o, já citado, risco climático. Toda a pujança dos 0,3% proprietários rurais é caudatária da destruição dos biomas brasileiros – sendo prejudicial aos próprios negócios dessas distintas entidades.
A maior intensidade de eventos climáticos extremos, como a seca no ano passado, rendeu perdas da ordem de R$71,9 bilhões, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Esse “contratempo” frustrou a estimativa de mais uma safra recorde.
O Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas, ONU, estima que ondas de calor ocorrem na ordem de três vezes mais, em relação ao observado no período 1850-1900.
Mais um efeito colateral do fenômeno “agro” é o descompasso entre produzir comida, às toneladas, dizer que alimenta o mundo e conviver com fome endêmica no próprio país.
Uma estrutura mais desconcentrada de produção permitiria maior variedade – como plantar mais arroz e feijão ao invés de soja – além de formar um poderoso complexo de pequenos produtores. Mais renda na mão de mais pessoas – mais oferta de alimentos, diminuindo preços.
Soberania alimentar está diretamente relacionada à qualidade da alimentação.
As arritmias sociais, e ambientais, causadas por esses movimentos dentro da sociedade respondem por muitas anomalias que temos. Nem entramos nas coesas bancadas parlamentares formadas por integrantes desse setor ou por seus “simpatizantes”.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.