O problema da representação
Aproximam-se as eleições e, com elas, o acirramento político. A política é feita de escolher lados – lembrando que “não escolher um lado” é, por inércia, escolher um lado. Isso se estende a todas as formas de atuação.
No Congresso Nacional, por exemplo, o deputado/senador foi eleito por uma parcela da população que acredita, ou não, nas ideias por ele propagadas. Mas não só de voto é feita uma campanha: custa dinheiro rodar municípios, às vezes um Estado inteiro, custa dinheiro impulsionar propagandas na net.
Uma vez lá dentro, dependendo de quem financiou, existem contas a prestar. Assim, vemos a formação de blocos inteiros de congressistas sustentados por lobbys e que, por isso, advogam em sua causa.
Os BBB’s são assim: sem rotinas de eliminações ou discursos floreados a la Tadeu Schmidt, os deputados e senadores das bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia formam cinturões lobistas cujos interesses estão restritos a pequenas camadas do conjunto da sociedade.
Isso quando não são eles mesmos os “donos do negócio”.
Não fazer de 2022 outro 2018
Na última eleição, alguns fedores escaparam ao armário e poluíram com mais força o ambiente público. De repente, como que por mutação teatral, hordas de “especialistas” de internet resolveram escancarar sua verdadeira condição psíquica e transformar ignorância em commodity.
Esse movimento escapou à caricatura, alçando escalões daquilo que chamamos crime organizado. Nunca houve tantos indícios de uma bancada voltada aos interesses de traficantes internacionais de drogas, armas e madeira; garimpeiros, milicianos e grileiros.
Apesar dos abalos sofridos ao longo dos últimos quatro anos, 1/3 dos eleitores capturados pela extrema direita ainda é muito voto. Possivelmente não será a mesma avalanche de 2018, mas muitos sobreviverão para mais um mandato.
O que nos leva ao momento em que todos teremos conversas com nossos subconscientes frente a uma caixa, escondidos sob um pedaço de papelão, em outubro. Retirar somente o inominável não será suficiente!
É preciso eleger um congresso minimamente republicano. Para tanto, que as escolhas de representatividade por parte da população se deem no âmbito do bom senso.
Não é porque convivemos com a milícia que devemos ter em Brasília representantes dessa nada nobre atividade. Nem porque o desmatamento entrou para os baluartes da nacionalidade - ao lado do samba e futebol - que devemos eleger madeireiros ou seus ventríloquos.
Uma dica democrática
Conhecer o possível da vida e da atuação de seu candidato ao legislativo é fundamental para a sobrevivência da democracia. Que no ano que vem tenhamos mulheres, negros, indígenas, lgbt’s, quilombolas, professores, legalistas e cientistas no congresso nacional. Alguns informes parecem animar essa possibilidade.
Florescem candidaturas de cientistas, professores e ambientalistas espalhadas pelo Brasil. Procure no seu Estado. Façamos uma bancada da inteligência em contraponto à bancada do negacionismo.
Uma pesquisa recente da Ipsos – empresa entre as líderes de pesquisa de mercado no mundo – apontou que os três ofícios em que os brasileiros mais confiam são: professores, cientistas e médicos, respectivamente.
A despeito disso, a maior desconfiança registrada recai sobre os políticos.
A pesquisa mediu a confiança em centros urbanos, que não resumem o Brasil, mas dão um panorama. É nesse segmento que está o maior número de brasileiros conectados à internet.
Uma curiosidade ficou para o índice de confiança nas Forças Armadas: no Brasil, 30% confiam nos militares, quase o mesmo número da intenção de voto de um certo candidato a ditador aí.
Além desse cordão umbilical de votação/confiança entre governo e Forças Armadas – nada diferente do esperado, trata-se de um governo militar –, podemos refletir no desgaste dessas instituições perante a sociedade.
Rendimentos acima do teto, acúmulo de vencimentos, cargos em profusão, indícios de corrupção: o cálculo feito por parte do generalato parece desconsiderar que tudo isso aconteceu a partir de um voto de confiança do povo brasileiro há quatro anos.
Este artigo foi escrito por Matheus Dias e publicado originalmente em Prensa.li.