O que as pesquisas presidenciais nos dizem
Imagem: Montagem com os presidenciáveis
Pesquisas eleitorais, de fato, não definem o resultado de um pleito, principalmente o presidencial. Contudo, nossa jovem democracia, em seus sucessivos erros e acertos, aprendeu e aperfeiçoou o entendimento sobre o que os números podem indicar.
Neste ano de 2022, os indicadores parecem convergir em alguns pontos bem claros sobre a disputa pelo cargo mais alto do executivo brasileiro. Diferente do contexto de 2018, temos dois players bem definidos ocupando posições opostas (mas não equivalentes): Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL).
Trafegando entre eles, candidaturas menores que pouco evoluíram nos últimos meses disputam migalhas que sobram da fricção entre os dois principais postulantes à presidência.
Hoje, vamos ao banquete da democracia com os principais dados sobre intenções de voto. A partir daí, podemos refletir sobre o cenário eleitoral deste ano.
O cardápio de dados
Vamos ao menu do jantar.
Está na mesa, pessoal! (quadro O Padeiro, cerca de 1681, de Job Adriaensz Berckheyde)
De acordo com o levantamento da CNT/MDA, divulgado na segunda-feira (21/02), Lula tem 42,2% da preferência do eleitorado, ante 42,8% na pesquisa anterior feita em dezembro do ano passado, enquanto Bolsonaro soma 28%, contra 25,6% no levantamento anterior.
Ciro Gomes (PDT) soma 6,7%, ante 4,9% na pesquisa anterior, enquanto o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro (Podemos) aparece com 6,4%, ante 8,9% em dezembro, e os demais possíveis candidatos sequer chegam à casa de 2%.
Em uma simulação de segundo turno, Lula venceria Bolsonaro por 53,2% contra 35,3%. Na pesquisa anterior o petista tinha 52,7% contra 31,4%.
A pesquisa ouviu 2.002 pessoas entre os dias 16 e 19 de fevereiro. A margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Já a pesquisa XP/Ipespe, divulgada na 6ª feira (18/02), mostra o ex-presidente Lula liderando a corrida eleitoral com 34% das intenções de voto. Bolsonaro está em 2ª lugar, com 26%. O levantamento foi realizado no Estado de São Paulo, de 14 a 16 de fevereiro de 2022 com 1.000 entrevistados a partir dos 16 anos.
Na sequência, estão Sergio Moro, com 11%, Ciro Gomes, com 7%, e João Doria (PSDB), com 5%. Os pré-candidatos Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante) e Felipe D’avila (Novo) estão empatados com 1%. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), não pontuou.
Uma outra fonte é a pesquisa PoderData, realizada de 13 a 15 de fevereiro deste ano, que mostra que Lula lidera com 40% das intenções de voto. Bolsonaro tem 31% (distância de 9 pontos). A distância entre o ex-presidente e o atual recuou 5 pontos percentuais em 30 dias. Um mês atrás, o petista marcava 42% contra 28% do atual ocupante do Planalto.
O 3º colocado é Moro, que marca 9%. Em seguida está Ciro, com 4% das intenções de voto.
A pesquisa ainda mostra que 1 em cada 3 bolsonaristas (31%) consideram o atual governo como ‘ruim’ ou ‘péssimo’. Além disso, Bolsonaro tem 20% de avaliação mediana.
Foram 3.000 entrevistas em 243 municípios nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Degustando o prato principal: o que esses números nos dizem?
A melhor hora (quadro O comedor de feijão, cerca de 1584, do pintor barroco italiano Annibale Carracci)
As pesquisas evidenciam a bipolaridade (não equivalente) das candidaturas de Lula e Bolsonaro.
Ressalto a não equivalência com frequência porque leio estes dois candidatos como indivíduos separados por um abismo profundo de ideologia, posicionamento político e contribuição democrática ao país.
Bolsonaro convive com o personagem criado em 2018 para se eleger. Contudo, há elementos que precisaram ser deixados de lado para a manutenção de certa governabilidade dentro do congresso.
Por exemplo, boa parte dos seus ministérios, hoje, possui políticos ligados ao Centrão, a famosa coalizão de partidos que detém a maioria dos cargos legislativos e dita as regras no Legislativo.
Muito embora o ex-capitão tenha deixado de lado o discurso anti-corrupção que tanto agitava suas bases, estando inclusive ele próprio e sua família envolvidos com escândalos de corrupção (as famosas “rachadinhas”), e mesmo com a rejeição ao seu nome por parte dos próprios bolsonaristas, como revelou a pesquisa PoderData, o seu núcleo duro de apoiadores se mantém fiel.
Do outro lado, Lula se vê fortalecido pelas vitórias recentes na justiça, ao mesmo tempo em que vem construindo uma narrativa política na internet, algo que foi quase exclusivo de Bolsonaro em 2018.
Como exemplo, sua ida ao PodPah, um dos maiores podcasts consumidos pelo público mais jovem, e o papo com Mano Brown em seu podcast Mano a mano, que forçou uma autocrítica do PT sobre seu diálogo com as bases, revelam que Lula e o Partido dos Trabalhadores “descobriram” a Era Digital.
Além disso, sopram ao seu favor os ventos de bonança econômica que impulsionaram os governos Lula e Dilma (até o 1o mandato).
Mas há problemas que revelam contradições em sua campanha. Geraldo Alckmin, por exemplo, é um deles.
Alckmin e Lula: ex-tucano e petista, que se reuniram na casa de Haddad (Imagem/reprodução: Valor/O Globo)
Histórico tucano opositor dos petistas, inclusive tendo atacado, por diversas vezes, o próprio Lula, ele entra no radar eleitoral como possível (e muito provável) vice numa chapa de centro-esquerda (por mais incrível que isso pareça).
E isso pode ter refletido nas intenções de voto. A variação negativa em dois pontos percentuais, na pesquisa PoderData, pode ser o resultado dessa aproximação.
Por fora, correm Ciro Gomes e Sérgio Moro, que traçam caminhos bem distintos.
O presidenciável do PDT inaugurou o Ciro Games, um programa que mistura debates políticos, jogos eletrônicos e bate papo com cabeças jovens da internet.
Seus reacts dos demais candidatos, acompanhados de contextualização política e aulas verborrágicas sobre democracia, sociedade e muito deboche, viralizaram nas redes e já lhe renderam bons resultados no campo digital.
Mas, mesmo com nova roupagem, permanece certo sentimento de revanchismo com o PT, do qual Ciro não poupa ataques. Na verdade, sua estratégia é a de bater nos candidatos à sua frente, só que partindo de uma nova linguagem, que é típica na internet. A zoação, a brincadeira, a galhofa. E tem um excelente potencial.
Moro, de outro lado, vem apostando em participações em podcasts e programas de TV e Rádio, onde busca se apresentar mais como candidato do que como ex-juiz (apesar de o lavajatismo ainda lhe render alguns pontos na pesquisa eleitoral).
Mas, o que lhe sobra de autoconfiança, falta em conteúdo. Com respostas evasivas e saias justas (como quando teve de explicar a fala de apoio do deputado Kim Kataguiri, de seu partido, à existência de um partido nazista no Brasil), seu esvaziamento de propostas é potencializado com a falta de dicção e pouco traquejo em debates.
No programa Canal Livre, seu desconforto foi evidente a todo momento.
Em um determinado momento, a âncora Adriana Araújo indagou: “O que o senhor propõe para esse país que está tão empobrecido?”.
O ex-juiz respondeu, vexatoriamente, que: “A nossa proposta é focada na retomada do crescimento econômico”.
Fernando Mitre, jornalista experiente, interrompeu estupefato o convidado: “Mas ministro, qual é a sua proposta visando a pobreza? Isso que o senhor insinuou me lembra aquela frase antiga: ‘Vamos fazer o bolo crescer para depois dividir’. E enquanto não vem?”.
Moro enrolou e não deu nenhum detalhe sobre o seu plano para erradicar a pobreza: “A proposta foi construída em conversas com grandes especialistas do Brasil no combate à pobreza”.
E completou, dizendo: “a proposta é criar uma governança específica, uma força-tarefa nacional de erradicação da pobreza, com o objetivo de focalizar as causas que acabam prendendo as pessoas na armadilha da pobreza”.
O ex-juiz Sérgio Moro no programa Canal Livre (imagem/reprodução: TV Bandeirantes)
Força-tarefa, respostas vazias, desconfortos. Sérgio Moro é um arremedo de candidato, e parece saber disso. A farofa do outrora “super ministro” da Justiça.
Nada está decidido, porém, tudo está bem encaminhado
Ler pesquisas é uma tarefa de paciência. Abstrair delas seus significados, uma virtude.
O cenário está bem montado, e no banquete da democracia, a ideia de uma “3a via” está mais para um prato que ninguém quis comer, esfriou e vai pro saco de lixo.
Os possíveis candidatos que compraram tal narrativa hoje já pensam em quem vão apoiar quando o pleito eleitoral começar a valer.
Seguimos com dois candidatos que disputarão, de fato, a liderança (Lula e Bolsonaro) e dois que correrão por fora, sem muita expectativa de vitória. Um com potencial (Ciro), outro com limitações tão constrangedoras (Moro), que já foi aconselhado a desistir.
Seguimos aguardando os próximos pratos saírem da cozinha.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.