O que Bolsonaro foi buscar na Rússia?
Bolsonaro e Putin se reúnem em meio a crise internacional com a Ucrânia e a Otan - Foto: Alan Santos/PR
Nesta quarta-feira, dia 16/02, teve início a visita diplomática do presidente brasileiro Jair Bolsonaro à Rússia de Vladimir Putin.
Desde sua concepção, aviagem foi duramente criticada por especialistas, de professores de relações internacionais a diplomatas brasileiros. O motivo é mais que óbvio: há uma tensão mundial envolvendo os russos e os países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, sobre a Ucrânia.
Os ucranianos haviam declarado a intenção de compor o quadro de países membros da OTAN, o que acendeu o sinal de alerta dos russos, que temem a presença de uma organização de países tão forte na borda de seu território nacional.
No meio desse problema gigantesco, chega no Kremlin o presidente brasileiro, com sua conhecida inaptidão diplomática, numa viagem oficial.
Mas o que Bolsonaro foi buscar na Rússia?
O caso Ucrânia
As relações entre Rússia e Ucrânia remontam ainda ao período pós-Segunda Guerra Mundial, naquilo que conhecemos como Guerra Fria.
A então União Soviética disputava em nível mundial a primazia geopolítica com os Estados Unidos, representando cada país um pólo ideológico e político bem demarcado: o socialismo, associado à Europa oriental, e o capitalismo, alinhado aos estados ocidentais, grosso modo.
A Ucrânia passaria, deste modo, a compor a zona de influência soviética, apelidada pelo político britânico Winston Churchill de “cortina de ferro”.
Neste ponto, teremos a criação de duas alianças mundiais importantes para compreender as tensões futuras. Os EUA, alinhando o discurso com demais países, como Inglaterra, França e Alemanha Ocidental, criariam a Organização do Tratado do Atlântico Norte, em 1949, como uma espécie de comitê internacional de segurança e proteção de seus próprios membros.
Criação da Otan (Domínio público)
Obviamente que, num contexto como o da Guerra Fria, claramente estes países tinham em mente construir um bloco forte que intimidasse os soviéticos. Ato contínuo, mas um pouco retardado, seis anos depois a União Soviética celebraria o Pacto de Varsóvia (1955), uma aliança militar com os países socialistas do leste europeu, a Ucrânia aí inserida.
Ambos os blocos estariam em constante fricção, definindo as dinâmicas geopolíticas mundiais, até o momento em que a URSS viria a ruir e consequentemente desmoronar, em 1991.
Enquanto o Pacto de Varsóvia seria totalmente esquecido, a Otan fortaleceria suas bases, permanecendo até hoje como um bloco militar forte e ampliando seus membros cada vez mais.
Até chegar na Ucrânia.
Sobre este país, é preciso considerar o seguinte: logo após a queda do regime soviético, grupos opositores ucranianos passariam a defender a integração econômica do país à União Europeia. Ao mesmo tempo, grupos separatistas no leste ucraniano defenderiam não somente o alinhamento com a Rússia, mas a anexação desses territórios aos russos.
Em 2013, protestos tomaram as ruas de Kiev no que ficaram conhecidos como a onda Euromaidan, uma manifestação popular que exigia a adesão da Ucrânia à União Europeia. Contudo, o presidente eleito, Viktor Yanukovych, se recusou a assinar o acordo com a UE, em 2014.
Isso lhe custaria o cargo, retirado pelo parlamento ucraniano.
Nesse meio tempo, a Criméia, historicamente uma região russa, cedida aos ucranianos pelos soviéticos no pós-Segunda Guerra Mundial, foi reapropriada pelos russos em 2014, logo após a crise que se sucedeu com a queda de Yanukovych.
A aproximação da Ucrânia com a União Europeia e, posteriormente, com a Otan passou a significar aos russos uma ameaça à sua fronteira próxima. Com a Ucrânia como aliada e base militar da Otan, o que esperar do equilíbrio geopolítico no leste europeu?
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou ano passado, dia 23/12, em sua entrevista coletiva de imprensa anual, algo bastante elucidativo:
“É pedir demais não colocar nenhum sistema de ataque perto de nossa casa, o que há de estranho nisso? E se tivéssemos colocado mísseis na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá? Ou no México?".
Bolsonarismo e memes
Em meio a estadia do presidente brasileiro em território russo, o bolsonarismo fez aquilo que melhor sabe: memes.
Como esperado, a tática bolsonarista de uso das redes por meio de hashtags foi utilizada, levantando o hit #BolsonaroEvitouAGuerra, numa alusão ao recuo de Putin, anunciado no dia do desembarque do presidente brasileiro na Rússia, retirando as tropas da fronteira com a Ucrânia.
Nos perfis bolsonaristas, uma das primeiras imagens viralizadas foi a montagem de uma notícia falsa, com a logo da emissora CNN que dizia “Bolsonaro evita a 3ª Guerra Mundial”. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles postou essa fake news na manhã do dia 16 em seu perfil do Instagram.
https://www.instagram.com/p/CZ_2_kHL6u2/?utm_source=ig_web_copy_link
No Twitter, os memes oscilavam entre zoação e devoção a Bolsonaro
https://twitter.com/ClaudeLuca_/status/1493601749608841221?s=20&t=F0TlvNmI173R6wLutLFIeQ
Esse substrato das redes pode nos revelar algumas coisas sobre o comportamento de bolsonaristas na internet.
Uma delas é o fato de que eles enxergam Bolsonaro não como um indivíduo real, ocupante do cargo mais importante da República e com responsabilidades superiores a qualquer outro cidadão brasileiro. Para a claque, física e digital, ele é um meme ambulante. Um personagem.
O problema disso (dentre vários) é que ir à Rússia não é um mero passeio. Não é porque o Kremlin é um lugar lindo. Bolsonaro não é turista em Moscou. É um presidente de um país.
O que ele foi buscar lá?
Bolsonaro já está em campanha política presidencial. A visita a Putin faz parte desse planejamento, que incluiria Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, se ele não tivesse se recusado a receber o presidente brasileiro na terra da rainha.
De resultados práticos, Bolsonaro participou de cerimônia militar em homenagem a soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial (comunistas, aqueles que o capitão havia jurado de morte); fez testes para detecção de covid-19, usou máscaras e fez isolamento total antes de encontrar Putin; e apareceu em fotos oficiais, declarando vagamente ser solidário à Rússia (seja lá o que isso queira significar).
https://twitter.com/lazarorosa25/status/1493922278056378372?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1493922278056378372%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.istoedinheiro.com.br%2Fbolsonaro-comunista-memes-da-viagem-do-presidente-invadem-internet%2F
O único ato assinado durante a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia foi um protocolo de emenda a um acordo sobre proteção mútua de informações classificadas entre os dois países, firmado em 2008.
Bolsonaro seguiu para a Hungria para o encontro com Viktor Orbán, um dos expoentes da extrema-direita europeia. Seu avanço autoritário sobre os poderes legislativo e judiciário, além da própria imprensa (o 4º poder) fizeram do premiê húngaro inspiração para a ultradireita em outros países.
Seu desembarque no dia 17/02 em Budapeste foi marcado por afagos ao autocrata da Hungria. Segundo Bolsonaro, Orbán seria seu "irmão dadas as afinidades".
"Essa nossa passagem por aqui é rápida. Mas deixará um grande legado para os nossos povos. Acredito na Hungria e no prezado Orbán, que eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos", declarou Bolsonaro.
Isolado no cenário internacional desde que Donald Trump foi derrotado por Joe Biden nos Estados Unidos, Bolsonaro tem buscado reforçar vínculos diplomáticos com outros países.
Contudo, suas escolhas, mais do que reforçar sua posição internacional, evidenciaram a desorganização diplomática do governo Bolsonaro e um aceno ao seu eleitorado mais duro, reacionário e antidemocrático.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.