O que deu errado no BBB 22?
O elenco do BBB 22: chaaaato | Divulgação: TV Globo
Uma coisa que já disse aqui, e se não disse irei dizer, é que se tem uma coisa certa nesta vida é que ninguém resiste a falar da vida alheia.
Essa máxima, existente desde que o mundo é mundo, mantém no ar programas de fofocas, revistas especializadas, novelas, centenas de livros autobiográficos e biográficos (quando são “não autorizados”, melhor), e é claro, reality shows.
Ver o ser humano comum, que poderia ser seu vizinho, seu primo, sua sogra, aquela colega de classe, enfrentando todo tipo de perrengue, possibilitando que você assista no conforto de seu lar, vem rendendo milhões à produtoras e emissoras de TV, serviços de streaming, sites especializados e a um imenso ecossistema dependente da vida alheia.
Não há uma vertente que não funcione: podem ser pessoas cozinhando, pessoas sofrendo para conseguir emprego, sobreviver em ambientes selvagens e sem roupa, ou o mais clássico dos clássicos: o confinamento.
Pede pra sair
Sucesso instantâneo desde o pioneiro Casa dos Artistas, o maior chapéu que Silvio Santos deu na TV Globo, este estilo rendeu diversos subprodutos, em sua grande maioria envolvendo sub-celebridades que vão pastar para conseguir levar o prêmio, mesmo que o confinamento não seja em uma fazenda.
O maior expoente do gênero, claro, é o Big Brother Brasil, o popular BBB. Em vinte e duas edições, já premiou muita gente, alçou à condição de estrelas alguns participantes e sem sombra de dúvida já viu muita gente cair, subir, ser amada e odiada.
Todo ano é a mesma coisa: um grupo heterogêneo de personagens é levado para uma casa onde tem do bom e do melhor, e o estresse do confinamento os leva em algum momento a se engalfinhar como adversários figadais. Nunca muda. E sempre dá certo.
Mas nesta edição de 2022, alguma coisa não cheira bem no reino da espiadinha. Mesmo com a audiência em alta, o BBB 22 não colou tanto com o público como se poderia imaginar.
Não pretendo e nem me cabe aqui ter a resposta definitiva, mas sim levantar algumas suspeitas sobre o que pode ter ocorrido para essa edição um tanto flopada do Big Brother Brasil.
Só faltou usar máscara
Vivemos em tempos estranhos. Pandêmicos, para ser mais realista. Não sei se nosso “novo normal” que nos fez viver num BBB familiar por muito tempo (cuja sombra continua vagando entre nós) não tenha feito a simples ideia do confinamento de um grupo de pessoas numa casa perder um tantinho do brilho que isso tinha antes. Afinal, era um tanto absurda a ideia de um grupo ficar preso dentro de uma casa, 24 horas por dia, não era? Não.
Nestes mesmos estranhos tempos, vivemos as culturas do cancelamento. E num esquema como o do Big Brother Brasil, onde funciona uma verdadeira indústria do voto e torcida, alguém ser mal interpretado e automaticamente cancelado (um tipo de crucificação em praça pública digital, a cara do Século XXI) não é difícil.
Essa dinâmica bagunça um tanto o jogo, expõe ódios e sentimentos agressivos como não se via em edições anteriores. Para se usar um termo bem em voga, o BBB torna-se um ambiente mais tóxico do que divertido, como deveria ser.
Fogo amigo
Por melhor que a produção tenha selecionado pessoas cuja química deveria funcionar de modo explosivo, isso custou a acontecer, e mesmo assim não aconteceu direito. Talvez por todo esse politicamente correto, esse BBB teve cenas de paz e amor impensáveis em outros anos. Foi um tanto estranho ver logo no começo os participantes de mãos dadas cantando louvores de igrejas evangélicas, bem no horário mais caro da TV Globo. Nem em A Fazenda, cuja emissora é sabidamente vinculada à uma denominação do tipo, se viu coisa assim.
Não se pode falar do apresentador, Tadeu Schmidt. Não fez feio perto do que fazia Pedro Bial, e muito menos Tiago Leifert. É tão carismático quanto os dois, e até mais simpático ao público que o segundo.
Loucura, loucura, loucura!
Regras malucas e lançadas do nada, como paredões falsos e a volta de competidores eliminados anteriormente fizeram muita gente torcer o nariz para um jogo cujos limites eram muito conhecidos.
Sim, é válido e saudável tirar o público da zona de conforto. Causa mais curiosidade e a estratégia é quase infalível para ampliar a audiência. Mas não: há fuga de telespectadores.
Boa parte do público deve acreditar piamente que Silvio Santos está na direção da atração, nos bastidores. São estratégicas típicas das que usou em Casa dos Artistas e outros realities. Ou na programação do SBT como um todo. Só faltou piscar o slide da Jequiti.
Existe aquela história também de que os opostos se atraem. Não funcionou bem aqui, ou ao contrário, funcionou bem demais. O elenco tinha tudo para explodir em tensão com pouco mais de uma semana, visto a heterogeneidade dos participantes. Mas não ocorreu. Participantes que tinham tudo para ser destaques naufragaram. E o final do jogo tem mais cara de previsível que nunca.
Ação descoordenada
Há personagens que estavam ali sob medida para causar e prender a atenção do telespectador. Tiago Abravanel, falhou. Não aguentou, pediu penico e foi limado até da vinheta da abertura. Vyni, que chegou com uma estratégia pronta para emular a campanha vitoriosa da campeã da edição anterior, Juliette, falhou miseravelmente.
Linn da Quebrada, carismática e guerreira, com uma chance imensa de levar o prêmio máximo, foi desclassificada de maneira melancólica. Tremenda zebra. Jade Picon, a pobre menina rica, trazendo uma realidade díspar e recebendo alguns choques do cotidiano, falou meia dúzia de asneiras e foi rifada.
Até Eslovênia, a menina com nome estranho, que tinha chance de se tornar favorita até por este detalhe incomum, falhou. Não caiu, mas também não caiu nas graças do público. E ainda há quem a chame de Eslováquia!
Sobraram possivelmente os menos carismáticos e irritantes dentro do confinamento. E apesar do Ibope continuar tranquilo e favorável, sabe-se que o programa tem e sempre teve potencial para atingir índices muito maiores.
Talvez funcionasse melhor se alguém desse a ideia ao Tadeu, trazer os cavalinhos do Fantástico para interagir em tempo integral com os participantes.
O que posso dizer sobre o BBB 22 nesse momento é: tá chato. Não consigo acompanhar como em edições anteriores. Pela primeira vez, o encerramento do jogo (e deste suplício diário) parece mais desejado do que seu início.
O gênero estaria chegando a um esgotamento? Difícil dizer. Mas é sintomático saber que o Brasil é um dos poucos países onde o programa continua a ser produzido, depois de mais de duas décadas. Ainda assim, é um fenômeno de audiência em TV aberta, PPV, streaming e em comentários nas redes sociais.
Eu volto.
Este artigo foi escrito por Clarissa Blümen Dias e publicado originalmente em Prensa.li.