O que é e como se faz xilogravura
Tarde - Oswaldo Goeldi,1954 - Google Arts and Culture
Um dos meios expressivos menos divulgados e mais maravilhosos que eu conheço é a xilogravura. Criada como tecnologia para fazer cópias de uma imagem foi durante muito tempo o que possibilitou a circulação de imagens e ideias. Com o avanço das técnicas de impressão e o surgimento de novas tecnologias ela caiu em desuso, mas hoje ainda é usada, não como divulgação, mas como potente meio expressivo para diversos artistas.
O que é xilogravura e o que ela tem de tão legal?
Xilogravura é uma das técnicas usadas por artistas para produzir múltiplos, ou seja, uma obra composta por um conjunto de cópias. É uma técnica tão potente que existe um museu só dela, a casa da xilogravura.
A forma mais fácil de entender seu funcionamento é pensando em um carimbo. No caso da xilogravura, o carimbo em si é feito de madeira e é chamado de matriz.
Em geral se usa tinta preta e papel branco. Por isso, o que o artista faz ao gravar a matriz é colocar luz em uma imagem que começa completamente escura. É como desenhar com giz branco em uma parede preta.
Na gravação, o artista usa ferramentas chamadas goivas para fazer sulcos e rasgos na madeira e assim criar a imagem. A parte da matriz que o artista retirou material com a goiva vai resultar em uma área sem tinta, branca da cor do papel. Já a parte da matriz onde o artista não tocou vai resultar em uma área preta, da cor da tinta. Eu chamo essa forma de pensar a imagem de lógica subtrativa.
Santos Inocentes, 2018 Luisa Almeida- Divulgação Galeria Kogan Amaro
Outra característica é o espelhamento. Isso fica claro quando a gente olha para um carimo que tem um endereço, por exemplo. É preciso carimbar para ler de forma confortável, pois no carimbo as letras estão espelhadas.
A lógica subtrativa, o traço característico do desenho cortado com as goivas e o espelhamento fazem com que as imagens feitas em xilo tenham uma visualidade muito própria. É algo tão impactante que existem artistas que tentam copiar essa visualidade em outros suportes, como em imagens digitais ou pinturas em muros.
Quem produz xilogravura tem também a oportunidade de experimentar uma materialidade deliciosa. São muitos materiais, muitos cheiros e texturas envolvidas. O preparo da madeira das matrizes, a afiação das lâminas das goivas, a tinta e os solventes e diluentes. Cada etapa tem seus cheiros, pesos e texturas. É como uma alquimia. Ateliê de gravura é um lugar pra quem não tem medo de trabalho pesado, de cheiro forte e de sujar as mãos.
Um pouco de história da circulação de imagens e ideias
Xilogravura é uma técnica que surgiu no oriente e chegou na Europa no século XIV. Junto com a tipografia e com a gravura em metal foi responsável pela circulação de ideias durante muitos séculos.
As oficinas que dominavam essas técnicas eram contratadas pelos grandes pintores da época. As cópias em papel eram a forma mais rápida e barata de divulgar as pinturas e conseguir novos clientes.
Essas oficinas também editavam livros, a forma mais rápida e barata de se divulgar ideias. Antes da chegada da xilogravura na Europa, os livros eram escritos à mão, em pergaminhos, o que fazia deles algo muito demorado e caro de se produzir e consequentemente muito exclusivo. Mas com a chegada da xilogravura e do papel nada mais seria como antes.
Apocalipse: Frontispício da edição de 1511 editado na oficina de Albrecht Dürer. Imagem: Wikipédia
As tecnologias avançaram, surgiu a litografia e outros processos mais eficientes que fizeram da xilogravura uma técnica obsoleta. Mas no começo do século XIX, ela, de certa forma, renasceu com os expressionistas, principalmente na Alemanha. Alguns artistas que usaram a técnica fizeram parte do expressionsmo alemão. Alguns nomes desse movimento são, Käthe Kollwitz, Ernst Ludwig Kirchner, além dos brasileiros Lasar Segall (nasceu na Lituania, mas viveu no Brasil) e o Oswaldo Goeldi, entre outros.
Hoje, no Brasil, existem artistas que usam essa técnica e que em geral se reúnem em ateliês coletivos. Algusn exemplos são o Ateliê Piratininga, o XiloCeasa. Outros artistas que também estão em atividade no Brasil estão reunidos na mostra Xilograficamente
Como a xilogravura é feita?
Eu divido a produção em três etapas, o desenho, a gravação e a impressão.
O desenho pode ser feito de várias formas. É possível desenhar direto na matriz, mas também é possível usar uma arte digital e depois transferir essa arte para a matriz. Tudo depende do objetivo e das preferências do artista. A matriz pode ser de madeira, mas para os iniciantes o melhor material é o mdf, que não tem veios e é bastante macio.
Com o desenho na matriz, a gravação é feita com goivas. O artista remove da matriz as partes que ele quer que fiquem em branco na impressão final.
Imagem divulgação
Por fim, a matriz é entintada com um rolo de borracha, o papel é colocado sobre a matriz e ela vai para a prensa. Na verdade, a xilogravura nos permite usar outras ferramentas mais simples que a prensa, como o baren, dobradeira de osso e até mesmo colheres de pau.
A prensa deixa tudo mais simples, por isso não é raro que artistas se unam para dividir ateliês e compartilhar uma.
Este artigo foi escrito por Victor Alarcon e publicado originalmente em Prensa.li.