O que é populismo financeiro?
Na política o populismo pode ser definido de diferentes modos, o mais comum é descrevê-lo como uma forma de justificação de atitudes através do apelo a uma entidade chamada “povo”.
Pode ser de esquerda ou direita, e geralmente anda de mãos dadas com o culto à personalidade, como se o agente populista fosse o único a ter uma vinculação e uma preocupação real com o povo.
No entanto, o populismo também existe fora da política, e a sua manifestação no mundo das finanças têm se destacado nessa última década de Brasil.
A primeira grande manifestação deste tipo de populismo veio sob a forma do enxame de influenciadores do mercado financeiro denunciando a poupança e os grandes bancos.
A denúncia em si não poderia ser mais verdadeira, afinal de contas é conhecimento comum que a poupança perde pra inflação.
Assim como é conhecimento comum que o Brasil é o paraíso dos juros abusivos.
No entanto, assim como o populismo político camufla os interesses pessoais do político com uma narrativa de cuidado com o povo, sua versão financeira também camufla os interesses do agente.
Nessa primeira onda populista, a crítica à poupança era seguida pelo apelo ao investimento em produtos do mercado financeiro, principalmente a renda variável.
Tal apelo vinha tanto na forma do influenciador que convidava a audiência a conhecer produtos de uma determinada corretora, como na forma do influenciador que vendia cursos.
Embora não fossem ausentes os avisos sobre os riscos da especulação financeira, a mensagem era clara: qualquer investimento é melhor do que guardar dinheiro.
A segunda onda se tornou cômica por frisar os ganhos rápidos advindos de operações de risco como mini-índice, moedas estrangeiras e até mesmo apostas esportivas.
Já a terceira onda, que acredito ser a que estamos observando, se caracteriza pelo convite para especulação com cryptoativos em suas diversas manifestações, trading, market making, yeld farming, NFTs, Play To Earn, etc.
Assim como a primeira onda acusava de ingenuidade quem mantinha dinheiro na poupança, os representantes desta terceira onda fazem a mesma acusação a quem mantém dinheiro no mercado financeiro tradicional.
Estas ondas, que se sobrepõem com certa agilidade, cresceram nos últimos anos devido à sequência de desastres econômicos causados pela irresponsabilidade e populismo na gestão política da economia nacional.
E isso não é responsabilidade exclusiva da classe política, afinal de contas, tudo o que é feito na política nacional pressupõe um acordo com os principais agentes do mercado.
No entanto, a responsabilidade que quero destacar neste texto diz respeito aquela dos veículos de comunicação.
Conquanto seja compreensível que um influenciador nas redes sociais produza conteúdo de forma apelativa para atrair e reter audiência, a mesma compreensão não pode ser aplicada quando um veículo tradicional reproduz tal tática.
Como afirmamos acima, uma das características do populismo é a camuflagem de interesses pessoais sob o manto de narrativas de benefício do povo.
Assim como é trágico ver políticos eleitos usando seu cargo para beneficiar seus financiadores de campanha, o mesmo sentimento surge quando vemos sites de informação financeira que pertencem a corretoras (que pertencem a bancos) provendo informações que coincidentemente, caso acatadas, enriquecem seus donos.
Embora ambas situações possam levantar questionamentos sobre a moralidade dos agentes envolvidos, ainda não caracterizam um dano direto à população.
Isso porque as decisões do político podem beneficiar seus financiadores e não representar necessariamente um prejuízo pra população, e o site que esconde seus donos em letras miúdas, pode ainda assim prestar um bom serviço de informações.
No entanto, quando veículos de informação se tornam incubadores do frenesi em torno de supostas oportunidades de dinheiro rápido com mínimo esforço, há um dano direto à população.
Um caso de explícito populismo político-financeiro recente foi protagonizado pelo o trader, banqueiro e ministro da economia Paulo Guedes.
Durante a campanha eleitoral ele prometeu aos eleitores que o preço do gás de cozinha seria diminuído pela metade, e que a gasolina também teria seu preço reduzido.
Ele sabia que isso não era possível, e principalmente, ele sabia que ao falar isso apelava ao eleitor mais simples para quem o custo do gás de cozinha e da gasolina representa uma parcela significativa do orçamento mensal.
A mentira custou caro, ao cidadão. O Trader-Banqueiro-Ministro passa bem.
Outro caso que também custa caro ao cidadão, é dos veículos de informação que fazem malabarismo retórico para incentivar a compra de determinado ativo sem infringir nenhuma regra da CVM sobre recomendações financeiras.
Exemplos não faltam, mas alguns realmente se destacam quando usam expressões como ‘conheça a classe de cryptomoedas mais promissora pra 2022’, ou dizem que determinado ativo ‘é xodó de Elon Musk e outros bilionários’.
Outros casos abusam da falácia da ladeira escorregadia com chamadas convidando o leitor a conhecer o ativo que “cresceu mais de 20 vezes no ano”.
Tanto quem escreve quanto quem publica este tipo de chamada sabe exatamente o tipo de sinapse que quer produzir no leitor.
Sabe que o leitor a ser atraído não é o tradicional operador financeiro capaz de discernir populismo financeiro de informação sólida.
O objetivo é lamentável: atrair novatos, geralmente jovens ou pessoas mais velhas facilmente impressionadas pela oferta de dinheiro rápido.
“- Ah mas onde fica a liberdade de imprensa e de expressão dos jornalistas envolvidos?”
Não estou advogando por algum tipo de restrição legal à estas práticas, apenas destacando que a mentira no contexto do populismo gera danos.
Estes danos existem independente se a mentira sair da boca de um político ou for publicada em um site de informações financeiras.
Não é responsabilidade do Estado ser guia moral do cidadão. Porém, os representantes dos cidadãos perante o Estado tem uma responsabilidade moral específica em relação ao que dizem e o que fazem.
Na mesma medida, não é papel da imprensa ser responsável pela gestão financeira do cidadão, cada um sabe, ou deveria saber, o que fazer com seus recursos.
Porém, seria mais saudável para o mercado como um todo se o frenesi produzido por influenciadores fosse contrabalanceado por análises mais responsáveis em veículos com estrutura suficiente pra isso.
Talvez tivéssemos menos “memecoins” e “memestocks”, e mais investimentos em iniciativas sólidas que oferecessem produtos ao invés de oportunidades de dinheiro rápido e fácil.
Talvez se tornasse mais fácil discernir o oportunismo das oportunidades.
Enquanto no curto prazo o populismo financeiro seja uma oportunidade de dinheiro rápido para veículos de imprensa com grande estrutura, no médio-longo prazo pode tornar tais veículos obsoletos à medida que os equipara aos influenciadores digitais.
Este artigo foi escrito por Dr. Marcelo A. Silva e publicado originalmente em Prensa.li.