O que os olhos não veem
O diretor M. Night Shyamalan, cujo nome daria um ótimo vilão para seus roteiros, havia estourado nas bilheterias em 1999 com o memorável Sexto Sentido (aquele filme onde se viam pessoas mortas), seguido pelo nem tão memorável Corpo Fechado, que também estourou, infelizmente no sentido oposto.
O fracasso retumbante do “filme de super-heróis reais” com Bruce Willis e Samuel L. Jackson parecia eclipsar seu futuro. Mas no ano seguinte, Shyamalan anunciou Sinais, filme sobre… uma invasão alienígena.
Metade dos críticos e empresários de cinema pensou “esse indiano maluco vai implodir de vez a carreira”, enquanto a outra metade tinha certeza disso.
Mas não foi o que aconteceu.
O puro creme do milho
Se você não conhece essa produção de 2001, vamos lá: Sinais (Signs, no original) é baseado na premissa dos crop circles, também conhecidos como círculos ingleses e mais acertadamente como agroglifos em bom português.
São aqueles desenhos de origem desconhecida, geralmente atribuídos a extraterrestres com senso artístico apurado, feitos nas plantações de milho, amassadas de maneira simétrica e indiscutivelmente muito legais. A não ser que você seja um fazendeiro de milho.
O elenco junta Mel Gibson, no papel de um religioso que perde a esposa de um modo bem desagradável, Joaquin Phoenix como seu irmão, um jogador de beisebol fracassado, e mais duas crianças no papel de seus filhos; só pela parte do papel de Gibson e a esposa, o filme caminharia para um dramalhão nonsense.
Mas aqui vem a surpresa: Sinais nos entrega um suspense de primeira, daqueles que desaconselhamos assistir antes de dormir (vá por mim, experiência própria).
As criaturas mais horripilantes que você não viu
Qual o segredo? Você espera ver aliens aterrorizantes, feitos com o supra-sumo (alguém aí ainda usa essa expressão?) da computação gráfica e do mockup, mas não!
Os ETs deste filme (que deixariam o Predador com calafrios durante dias) simplesmente não são vistos, ou melhor, mal são vistos.
O filme não entrega o ouro em momento algum. Constrói um terror apenas sugerido. E é muito, muito pior que mostrar um alienígena com três cabeças, olhos de fogo, nariz de palhaço e zíper nas costas.
M. Night Shyamalan explora o medo do que não vemos, ou não sabemos, de um jeito mais eficiente do que no próprio Sexto Sentido, e acredito que este Sinais seja a obra mais genial de sua carreira.
Carreira que não afundou como muitos previam. Apesar de irregular, nos trouxe produções como o enigmático A Vila, o esquizofrênico Fragmentado, o misterioso A Dama do Lago, e Vidro, uma continuação de Fragmentado mesclada a uma tentativa de consertar Corpo Fechado. E continua firme e forte.
Extraterreste - Foto por Stephen Leonardi em Unsplash
Andando na contramão
Mas, voltemos ao cerne do artigo: a partir dos anos 1980, convencionou-se em “tocar o terror” de maneira explícita: quanto mais sangue (geralmente feito com glucose de milho e pigmentos) e cabeças rolando, melhor.
São desta leva pérolas como as franquias Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Brinquedo Assassino, entre outras que deixaram um rastro de membros decepados, cadáveres perfurados, melecas gosmentas e milhões em bilheteria, originando o termo gore, ou seja, quanto mais nojento, mais sucesso fará.
Foi aqui que nosso querido diretor indiano favorito deu um salto… para trás. Na verdade, um legítimo twist duplo carpado até a década de 1950, onde um cineasta de perfil engraçadinho definiu o que se compreenderia por medo no cinema durante muito tempo.
O mestre do suspense
O sujeito em questão era Alfred Hitchcock, diretor que assim como Stan Lee nos filmes da Marvel, adorava fazer participações especiais em suas produções. E também como Lee, tornou-se maior que suas criações.
Hitchcock foi pioneiro em muita coisa; indiscutivelmente no quesito medo sugerido, foi mestre. O que fez em Janela Indiscreta, Disque M para Matar e principalmente em O Homem Que Sabia Demais é notório.
Desafio qualquer um com o mínimo de sensibilidade a assistir qualquer um destes filmes, e não compartilhar nem um milímetro da angústia de seus personagens. Não por acaso, em Sinais há uma homenagem a uma cena de Intriga Internacional, outro clássico de Hitchcock.
Brincando de esconder
Shyamalan acertou com nota máxima ao esconder quase em tempo integral os vilões de Sinais. Digo quase, porque os simpáticos aliens dão as caras de relance, apenas em duas ocasiões principais!
Primeira, numa festa infantil em Passo Fundo (isso mesmo, senhoras e senhores, Rio Grande do Sul, Brasil-il-il!) e na antológica cena em que um deles leva uma bordoada de respeito, dada com maestria pelo Coringa, digo, pelo personagem de Joaquin Phoenix.
Como dado aleatório, mas interessante, somando todo o tempo de tela onde os aliens aparecem, mesmo que seja um cotovelo ou o dedão do pé, chegamos à impressionante marca de um minuto e meio!
E quando os verdinhos aparecem, estão praticamente fora de foco. Não são nada agradáveis, é verdade, mas sem toda a tensão gerada anteriormente, não iriam arrepiar nem as madeixas do ET Bilú. São monstrinhos bem básicos. E só.
Para se ter uma ideia, o famoso crítico norte-americano Roger Ebert escreveu à época no The Village, "os alienígenas em Sinais parecem extras usando cuecas compridas".
Invadir pra quê, mesmo?
Detalhe interessante: no decorrer da história, não são sabidos os motivos da invasão. Se querem nossos recursos naturais, se querem o milho para fazer pipoca, se querem comer criancinhas (com pipoca), ou mesmo se vieram só para dar prejuízo aos plantadores de milho.
O filme é basicamente uma história sobre não perder a fé, seja no que ou em quem for… e segundo o próprio diretor, o título Sinais tem dois significados: "Um são os sinais na plantação, mas também se trata da fé e da existência de sinais do alto".
Sinais é uma experiência e tanto, transitando com segurança entre os gêneros suspense, terror, ficção científica e até mesmo bons momentos de humor. Tem citações divertidas de outras produções e acredite, chapéus de papel alumínio. Mas não permite que você relaxe até o final.
Dá pra encontrar este filme por aí em DVD, ou nos bons streamings do ramo. Mas vamos reforçar: não se meta a assistir Sinais antes de dormir. Assista à tarde, tome depois um suquinho de maracujá… e se possível deixe seu chapéu de papel alumínio na mesinha de cabeceira.
Imagem de capa - Agroglifos - Foto por Agent J em Unsplash
Este artigo foi escrito por Arthur Ankerkrone e publicado originalmente em Prensa.li.