O Rap e aquilo que ninguém quer ver.
Viver machuca, por isso minha língua é uma bazuca. Assim disse Djonga, Rapper mineiro que explode estereótipos, paradigmas e, em certas ocasiões, a cara de algum racista mais abusado. As rimas entoadas por multidões de fãs não se restringem à crítica social. Pelo contrário, amor, sexo, inveja, família e futebol também emergem de dentro do seu repertório.
Djonga faz história, mesmo sem ter muito tempo disponível para concluir a graduação na área. Contudo, o que ele produz diariamente causa mais impacto que qualquer aula dada pelo Professor Gustavo, a sua música. Nesse sentido, o motivo de suas rimas pesarem toneladas enquanto armas pesam apenas quilos, está umbilicalmente ligado ao fato de que o autor foi chamado para viver algo difícil, mas preferiu ser quem fala sobre essa coisa.
Djonga não canta de galo, mas bica sem dó nem piedade. É fogo nos racistas porque o preconceito ainda arde. A estrutura desigual do Brasil é racializada. Tendo vivido a pobreza de perto e observado a riqueza de longe lá no alto do Aglomerado da Serra, comunidade pobre, mas bem localizada na cidade de Belo Horizonte, também experimentou o pomposo ambiente acadêmico.
Deve ter sido em meio a debates universitários, repleto de pessoas de classe média analisando o Brasil à sua imagem e semelhança, que surgiu a inspiração para “homenagear” outro grande artista brasileiro. “Eles ouve a verdade e fica revoltado, mas naquela foto você é a criança perto do urubu ou o Sebastião Salgado.”
Essa soma de vivências é acrescida por uma trajetória de ligação com a poesia. Melopeia, Fonopeia e Logopeia à parte, o jovem negro domina as ferramentas que os brancos definiram como corretas e mostra que tem razão em afirmar “a diferença entre um mano escuro e forte, e um claramente fraco.” No ápice do seu sucesso, recebe além de prêmios, homenagens e abordagens policiais decorrentes do espanto que os homens da lei ainda sentem ao ver uma Ferrari nas mãos escuras do poeta do rap.
O sucesso é merecido, o reconhecimento ainda não é o devido, mas os problemas que surgem na esteira do êxito foram previstas pelo compositor. “Irmão, quem te roubou te chama de ladrão desde cedo.” O dinheiro, a fama, as realizações de consumo e até as sexuais não conseguem aplacar a fúria habitual de um racismo que é estrutural.
Porém, hoje temos Djonga para inverter a ordem das coisas e apontar o dedo, mostrando a dor de quem já estava excluído antes mesmo de nascer. “Do alto do morro rezam pela minha vida, do alto do prédio pelo meu fim.” O ódio não faz parte do discurso enunciado pelo rapper, o tom é de justiça e reparação. A raiva incontida não está no menino preto que queria ser Deus, mas no cidadão de bem que mesmo matando, estuprando, roubando e torturando, dificilmente correrá o risco de ser chamado de Ladrão.
Este artigo foi escrito por Felipe Loureiro e publicado originalmente em Prensa.li.