O $ Real não é Real
Já parou para pensar que os números que aparecem no extrato de sua conta bancária, o montante que você deve no cartão de crédito ou número expresso em seu contra cheque somado aos ganhos de todos os trabalhadores brasileiro ou mundial, simplesmente não existe de verdade?
Ficou intrigado com a ideia? Calma. Vamos desenvolver um raciocínio capaz de descortinar essa ideia.
Vamos voltar um pouquinho na história. Você já ouviu falar no “Padrão ouro”? De forma resumida o conceito refere-se a um sistema monetário que dominou a economia mundial desde o século XIX, dentre suas características existia o fato de que os países possuíssem uma reserva financeira em ativos cunhados em ouro. O regime cambial utilizado entre os países era o regime cambial fixo. Desse modo, a quantidade de ouro que um país possuía é que de fato determinava o valor de sua moeda. Nesse sentido, no “padrão ouro” ou “estalão ouro” – como também era conhecido - o fator responsável por lastrear a moeda era o ouro.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1914, as grandes potências mundiais, precisavam emitir dinheiro para custear os gastos militares e todo desperdício de dinheiro em armas, gasto com pessoal, sem contar a reconstrução de toda uma sociedade despedaçada pela fúria da guerra em si, somando a isso a redução da força de trabalho e aumento de preços devido a diminuição de capacidade produtiva.
Após o “padrão ouro”, o dólar tornou-se a moeda padrão quando se tratava de negócios com outros países. Esse acordo durou até 1971, quando se estabeleceu o sistema flutuante para a economia, sem uma interferência direta do país sobre o valor da moeda. No sistema flutuante a cotação da moeda varia de acordo com a oferta e demanda das importações e exportações.
Podemos dizer que o dinheiro passou a ser criado “a pedido”, conforme necessidade e interesse do Estado. É o que recentemente presenciamos como está fazendo países como Estados Unidos e até mesmo o Brasil quando “emitem” dinheiro para fazer girar a economia frente às necessidades geradas por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus SARScov-19.
Isso aponta para o fato de o governo passar a ter o controle de emissão de cédulas, evitando assim falsificações e garantia do poder de compra de sua moeda. Cada país tem uma espécie de banco central, no Brasil o BACEN, instituição que tem o dever de regular o volume de dinheiro e crédito da economia nacional. É, portanto um supervisor do sistema financeiro e considera-se que a ele foi-lhe dado atribuição de confiança.
Na concepção de Yuval N. Harari em Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2015), o dinheiro é uma construção psicológica estabelecendo um sistema de confiança mútua: “As pessoas estão dispostas a fazer essas coisas quando confiam no produto da imaginação coletiva. A confiança é a matéria prima com que todos os tipos de dinheiro são cunhados”.
Importante destacar que o lastro é o que determina o valor real de uma moeda, e que portanto um país só deveria imprimir mais moeda á medida que a produção de riqueza fosse equivalente a esse dinheiro impresso. Nesse caso cabe uma reflexão: Não seria essa uma situação inversa a que temos vivido em particular nesse último ano? Qual tem sido a real contrapartida produtiva brasileira? Temos tido força trabalhadora a altura dos auxílios emergenciais “criados” pelo governo para dar uma resposta à necessidade econômica gerada por lockdowns, afastamento social, aumento de desempregos e crise sanitária nos últimos tempos?
O $ real não é real. Pode ser entendido como a expressão “O dinheiro não existe”. Ele se tornou uma invenção humana, controlada pelo Estado a quem, direta ou indiretamente confiamos o poder de executar políticas cambial e monetária que nos garantam satisfazer expectativas frente a compromissos financeiros estabelecidos e que nos garantam o poder de compra e troca na mesma medida.
O dinheiro tal qual conhecemos hoje atravessou uma série de transformações tanto em seu conceito quanto em sua forma de uso como compra, venda e troca. Conceitos e novas formas de lidar com dinheiro foram sendo construídas ao longo do tempo. Um exemplo disso é a possibilidade de “gastarmos” dinheiro que não temos – quando fazemos uma compra a prazo, por exemplo – ou um dinheiro que não é nosso – quando utilizamos a possibilidade de trabalhar com empréstimos. É significativo pra você agora que o real pode não ser real? Juros, crédito, inflação ou mesmo deflação dizem respeito a números que não correspondem à quantidade de papel moeda circulante.
Existe uma revolução econômica acontecendo bem a nossa frente, elas sempre acontecem, por vezes em processo lento, mas sempre crescente até romper abruptamente com modelos passados. Trocas, ouro, papel moeda, cheques, cartões, senhas, chips, criptoativos... O real pode não ser real.
Crédito da imagem: Arquivo pessoal
Este artigo foi escrito por Carla Araújo e publicado originalmente em Prensa.li.