O Reflexo de Vários Espelhos Sombrios
A Origem
Não há um consenso da origem exata da Internet moderna, provavelmente sendo em algum período em meados dos anos 80.
Já os reality shows existem desde o fim dos anos 40. Começando no rádio, em formatos como de game show, show de talentos, entre outros.
Em meados dos anos 90 para o começo dos anos 2000, a internet discada começou a ficar mais popular no mundo todo, inclusive no Brasil. Surgiram serviços como Geocities, onde era possível publicar sites simples e onde muitos fóruns de discussão eram hospedados.
O problema da Internet discada era que o uso ocupava a linha telefônica, era equivalente a de uma ligação normal, além de ter o mesmo custo.
Em 1999, na Holanda, foi criado o Big Brother. Até esse ponto, tanto a internet quanto os reality shows não influenciavam muito a vida fora das telas dos brasileiros.
Isso porque ambos eram de difícil acesso pela maioria. Mas isso mudaria no ano seguinte.
Podemos dividir em eras:
A Era de Ouro
Em 2000, apesar da Band ter lançado um reality show quase no mesmo formato do Big Brother, Território Livre, foi Silvio Santos que tornou o formato famoso por aqui.
Em outubro de 2001, o SBT lançou a Casa Dos Artistas. Com um elenco de celebridades da época e sendo o primeiro reality show a ser exibido 24 por dia através de uma TV por assinatura.
A Globo, que já tinha os direitos do Big Brother, processou o SBT por usar o mesmo formato. O processo só chegou ao fim em 2015 e o SBT foi condenado a pagar uma multa em torno de R$18 milhões, embora o programa estivesse fora do ar desde 2004.
O Big Brother Brasil foi lançado pela Globo em janeiro de 2002. E, assim como a Casa Dos Artistas, era assunto do público e dos programas de fofoca, apesar do elenco composto somente de anônimos.
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Enquanto isso, apesar da banda larga ter surgido em 2000, ainda era quase inacessível a maioria das pessoas, assim como ter um computador em casa.
Quem tinha computador e usava internet discada, usava apenas de madrugada (pelo custo baixo) ou ia para Lan Houses que, apesar de terem surgido em 1998, só se tornaram populares a partir de 2003 ou em bibliotecas públicas.
Nesse período, a interação virtual era nas salas de bate-papo, criadas em sites de provedores de internet, e em mensageiros instantâneos, onde era possível conversar com pessoas conhecidas ou que tivessem seu contato por escrito ou por vídeo. E também em fóruns de discussão.
Pode até ter existido torcidas para participantes do BBB na internet, mas não era de forma organizada como se tem hoje.
Fazendo um paralelo entre BBB e a internet dessa era, assim como os participantes do programa e o público ainda estavam se familiarizando com o formato, as pessoas ainda não entendiam a dinâmica de conversar com desconhecidos virtualmente a ponto de passar seus contatos sem pensar muito.
Por não haver muito conhecimento, havia manipulação. Tanto da produção quanto do externo. Mesmo tendo Pay-per-view, era algo para poucos, então a narrativa das edições é dos programas de fofoca reinava.
Na primeira edição, por exemplo, os participantes não tinham muita noção do que podiam ou não dizer ou fazer dentro do programa. Assim como muitas pessoas em salas de bate-papo ou mensageiros instantâneos.
E isso, infelizmente, não mudaria com o tempo.
Era de Prata
Em 2005, o BBB teve o primeiro vencedor gay, Jean Wyllys. Apesar das suspeitas de homofobia por parte de outros participantes, levantadas por ele mesmo, não foram levadas adiante.
Em abril do mesmo ano, o Orkut ganhou versão em português. A partir dali, o Brasil seria o país, junto com a Índia, que mais usava a rede social. Outras surgiram, como Facebook, Twitter e Instagram, por exemplo.
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E foi nesse período que o cyber bullying, ou assédio virtual, aumentou com perfis falsos, comunidades onde faziam piadas de outros usuários, entre outros ataques.
Outra participante LGBT foi Ariadna Arantes, uma mulher trans, no BBB 11. Foi a primeira eliminada. Ela não havia revelado que era trans durante o programa, mas ainda assim sofria transfobia no lado de fora, como ela comenta aqui e aqui.
Em 2012, Daniel, o participante do BBB12 foi expulso após uma denúncia de abuso sexual. O fato foi comentado tanto na internet quanto na mídia nacional e internacional.
No mesmo ano, começou a se discutir mais feminismo e outras causas de minorias nas redes sociais, tornando esses assuntos frequentes na internet.
Apesar disso, deu espaço para pessoas má intencionadas a usarem esses temas de forma leviana. Ou seja, pensando muito mais no próprio ego do que no coletivo.
Se formos analisar, as redes sociais foram criadas especificamente para alimentar o ego de quem usa. Número de seguidores, amigos, curtidas e compartilhamentos. Quanto mais tiver, maior a visibilidade. E se para isso precisar usar o assunto do momento…
Mas discussões políticas ainda eram algo distante dentro do BBB. Por outro lado, já era evidente que as pessoas estavam aceitando participar do programa não só pelo prêmio, mas também pela fama.
Isso acabou sendo retratado na novela Amor À Vida, onde a personagem Valdirene (interpretada por Tatá Werneck) consegue entrar na casa, na edição 14, para sair no dia seguinte. Foi criado até um "crossover" entre a novela e o BBB, aproveitando do fato de que a atriz ainda não era tão famosa.
Foi nessa mesma época que começaram a surgir torcidas para casais, os famosos "ship", nas redes sociais, como o "Clanessa", resultado da união dos nomes das participantes Clara Aguiar e Vanessa Mesquita.
Era de Bronze
Desde 2014, as redes sociais começaram a interagir mais com o BBB. Na edição 15, a desistência da participante Tamires foi um dos momentos mais comentados.
Na edição seguinte, as redes sociais se movimentaram para protestar contra a expulsão da participante Ana Paula e contra o participante Laércio, acusado de pedofilia e de curtir páginas de supremacia branca.
Um mês depois após o fim do BBB 16, ele foi preso por estupro de vulnerável e por fornecer bebidas alcoólicas a adolescentes.
Outro caso bastante comentado foi o do BBB17, que após muitas críticas nas redes sociais e de jornalistas e até envolvimento da polícia, expulsou o participante Marcos Härter, três dias depois de ter agredido a participante Emily.
O BBB com mais controvérsias foi o 19, o último com o elenco todo composto por pessoas anônimas. Paula von Sperling foi amplamente criticada nas redes sociais por falas racistas, homofóbicas, de intolerância religiosa, entre outras. Apesar disto, foi a vencedora da edição.
Era Moderna
No BBB20, também não faltou controvérsias e hashtags nas redes sociais exigindo a expulsão de algum participante. Foi o primeiro com participantes anônimos e famosos.
Também foi o primeiro que os integrantes foram influenciados pelas discussões políticas virtuais, mas de forma superficial, tendo mais repercussão fora do que dentro da casa.
Foi no BBB21 que, de fato, levaram os discursos das redes sociais para dentro da casa. O que faltou no anterior, neste, o público achou exagerado. Sobraram críticas para Lumena, onde muitos consideram a militância dela como agressiva.
Logo nas duas primeiras semanas, teve acusação de xenofobia, intolerância religiosa e de violência psicológica.
Os famosos não passaram ilesos e alguns foram eliminados com recordes de rejeição. Sendo eles, Karol Conká, Nego Di e Viih Tube, respectivamente.
Dos participantes do BBB21 envolvidos em polêmicas, apenas Projota e Nego Di ainda sofrem as consequências. Lumena conseguiu dar a volta por cima. Karol protagonizou um documentário para mostrar o pós BBB. Rodolffo apenas pediu desculpas e continua se apresentando.
A reação ao que aconteceu naquela edição foi tão grande que afetou a participação dos famosos no BBB atual, o 22º.
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Influenciados por Tiago Abravanel, todos tentaram manter um clima de paz-e-amor, com medo de serem cancelados. O que foi visto pelo público como algo enfadonho. Agora, até a casa de vidro foi colocada no programa para tentar reanimar as coisas.
Não é só o BBB que é o alvo do tribunal virtual. Apesar de já existir antes, mas com outros nomes como "Your Fave Is Problematic", o termo "Cancelamento" surgiu em 2017.
Utilizado por alguns de forma imprudente e com sensatez por outros, não é uma má ferramenta. O problema é que quase tudo que é discutido na internet, acaba sendo banalizado e perdendo o sentido.
No final, como tudo nas redes sociais, fica parecendo uma batalha de egos. E quando isso é exposto em um programa como BBB, muitos não gostam do reflexo.
BBB é um programa de convívio criado para o público julgar anônimos (e, desde 2020, famosos também) que podem, ou não, ter uma carreira após o reality.
As redes sociais foram criadas com o pretexto de criar vínculos pessoais, mas na verdade é uma ferramenta para inflar ego e se tornou palco para julgamento.
É como se o BBB tivesse se tornado uma representação das redes sociais, principalmente essa edição e a anterior.
O público quer ver conflito, mas não gosta quando percebe que é um reflexo do que fazem nas redes sociais.
Ainda temos muito o que aprender.
Este artigo foi escrito por Fabio Farro de Castro e publicado originalmente em Prensa.li.