O Samaritano e o problema do mal
Esses dias eu vi o novo filme de Sylvester Stallone, O Samaritano, na Amazon Prime Video. Que, aliás, disseram ser um sucesso de visualizações. Mas, vendo a longa carreira de filmes do Stallone, não é novidade ele fazer um filme de ação, com violência e, ao mesmo tempo, sentimental, mostrando que todos têm sentimentos e podem gostar do outro. No final, mostra como nossa visão de bem depende muito dos incentivos sociais e fala das lacunas morais que o julgamento apressado pode nos proporcionar.
O filme começa contando a história do Samaritano e do Nêmesis, dois irmãos gêmeos, que nascem com poderes que podem destruir tudo o que quiserem e nada pode destruir eles. Por causa das suas forças – indestrutíveis – muitas vezes, machucavam as outras crianças sem querer e a vizinhança ficou com medo dos gêmeos.
Aí podemos ver a ignorância e o medo gerando preconceito, porque não se tem estudo e nem disciplina para um julgamento real, assim, fazendo com que o medo de algo se torne ódio. Aconteceu com a Alemanha nazista – tanto que o Samaritano tem a ver com o evangelho do Novo Testamento, e Nêmesis tem a ver com a mitologia grega – onde o medo da suposta dominação de um povo estrangeiro e a crise política e econômica levaram os alemães – que não entendiam que essa crise era mundial e não só na Alemanha – a elegerem os nazistas e deu no que deu. Quase 70 anos de crises e dificuldade de crescimento.
Mas, não só isso, a questão do medo e do ódio tem muito a ver com a saga de Anakin Skywalker em Star Wars. O ódio de ter deixado a mãe – há teorias envolvendo seu nascimento como um filho do próprio Palpatine (Darth Sidous) – onde não conseguiu se desapegar dela (aí tem a questão do desapego da filosofia zen budista) e o desapego, também, da Padmé. Nitidamente, o sonho que Anakin teve não foi para alertar da morte de Padmé, mas sim para alertar que sua fúria e seu ciúmes levariam ao caos e à morte dela.
A culpa da morte da mãe e a culpa da morte de Padmé – que visitou até seu túmulo nos quadrinhos, no mundo expandido da saga – fez dele um dos melhores não só lordes siths, mas comandantes da frota imperial. Porém, tudo isso por causa do fanatismo jedi de não escolher ele como um mestre por causa de coisas mal resolvidas, que deveriam ser sanadas com a ordenação.
De volta ao filme, quando puseram fogo na casa dos irmãos gêmeos, seus pais morreram queimados e um virou Samaritano (aquele que ajuda) e o outro virou Nêmesis (a vingança). Nêmesis tem a ver com a deusa grega da vingança, porque a dor que a humanidade causa tem que ser sentida.
A questão do mal (vilões, num modo geral) tem a ver com a dor, com o medo e o ódio. Ou seja, ignorância para entender a dor e que aquela dor pode te fazer uma pessoa melhor (quebrando toda a linha de ignorância) e, sem o medo, não vai gerar o ódio. Por isso dizemos que o amor e o ódio são muito próximos. O amor pelos pais fizera o Samaritano lutar contra esse mal, essa ignorância de agressão, morte e roubo. Mas, Nêmesis, imbuído pela dor da perda, não tinha outra coisa além de fazer o mundo virar um caos.
Mas no incêndio da fábrica – que era uma armadilha de Nêmesis para o irmão – se pensou que os dois tinham morrido quando, na verdade, só um morreu. Vimos aí uma questão: será que se vingar e brigar por tudo e todos, nos levará à justiça plena? Como na saga de Star Wars, Anakin achava que, virando mestre jedi, ele poderia evitar que as pessoas que amava se fossem, de alguma forma. Já no O Samaritano, Nêmesis achava que, se vingando, a sua dor iria se dissolver e ele ficaria em paz. Reles engano. Além de a dor não ceder, ela ainda aumentou com a perda do irmão, que era seu inimigo por não participar da sua vingança.
Aí caímos na pergunta: será que se vingar e brigar por tudo e todos, nos levará à justiça plena?
Justiça é tudo aquilo que é particularmente justo e correto (se concordamos é uma outra questão), como o respeito à igualdade de todos os cidadãos. Etimologicamente, justiça tem a ver com o termo em latim << justitia>>. Seria o princípio básico que mantém a ordem social através da preservação dos direitos em sua forma legal.
A justiça pode ser reconhecida por mecanismos automáticos ou intuitivos nas relações sociais, ou por mediações dos tribunais. Com tudo isso, não me parece que Nêmesis queria justiça, e sim se vingar, e queria obrigar o irmão a se vingar com ele.
Presumindo que a maioria viu o filme, sabemos que Nêmesis se escondeu e o Samaritano morreu. Por anos as pessoas achavam que Nêmesis tinha morrido, mas ele escolheu não mais lutar e, depois da morte do irmão, ele se apagou.
Mas, em uma cena icônica – quando o menino descobre que o Sr Smith é, na verdade, Nêmesis – ele diz para o garoto: "o bem e o mal estão no seu coração, você escolhe onde ficar". Como os mitos gregos, – daí podemos corresponder o nome Nêmesis – a mitologia hollywoodiana fez com que se desconstruísse o mal como uma entidade e sim, como está até mesmo em Santo Agostinho, uma escolha, e fazendo com que ser vilão ou herói, seja uma escolha sua.
A redenção de Nêmesis fez com que ele e o irmão se fundissem e acontecesse como o irmão queria, que Nêmesis usasse sua dor e seu poder para o bem.
Santo Agostinho dizia que o bem era natural e o mal seria antinatural, colocando o problema do mal como um problema de escolha das pessoas. Mesmo assim, por que as pessoas escolhem fazer maldade? Ora, por causa da ignorância de não entender que justiça (aquilo que é justo) tem a ver com a questão do julgamento efetivo e certo de inúmeros argumentos e reflexões. Quando não há medo, não há ódio.
Um ótimo filme para refletir.
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.