O segredo das mulheres na literatura
Literatura, segundo o dicionário Aurélio, é a arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso.
Nos séculos passados, a literatura era considerada uma atividade para homens. Em séries e filmes de época podemos ter uma leve ideia de como a inteligência feminina era subjugada. (Na série Bridgerton temos uma leve exposição dessa situação.Clique aqui e leia sobre)
Por muito tempo, as pressões socioculturais decretavam que as mulheres se dedicassem exclusivamente ao lar. Aquelas que ousassem tentar uma vida baseada em atividades intelectuais estariam cometendo uma séria transgressão.
Entretanto, nada pôde impedir as 5 mulheres que serão citadas neste texto. Como temos costume de dizer, a vida imita a arte, e nada mais “fantasioso” do que usar pseudônimos para publicar sua obra.
1 - Mary Ann Evans
Jornalista, poeta e autora. Mary Ann Evans publicou seu primeiro romance, Adam Bede em 1859 sob o pseudônimo Georgie Eliot. Mary acreditava que se publicasse um romance com seu nome de batismo, seria considerada somente uma escritora de histórias apaixonantes.
Além disso, ela sabia que usar um nome masculino a faria ser respeitada e seu trabalho seria levado a sério. Uma das obras mais aclamadas da era vitoriana foi escrita por Mary e publicada em 1874. Middlemarch: um estudo da vida provinciana, exalta, através de suas diversas tramas amarradas, o status da mulher, a natureza do casamento, o idealismo e o interesse pessoal, religião e hipocrisia, reforma política e educação.
2- Alice Bradley Sheldon
Nos Estados Unidos, sua relevância para o gênero de ficção científica ou fantasia foi tão importante que a Alice foi homenageada com seu nome em um prêmio na Literary Award. Entretanto, a homenagem veio através de seu pseudônimo James Tiptree Jr.
Alice foi responsável por quebrar paradigmas sobre a ficção científica. Ninguém acreditava que uma mulher poderia escrever tão bem sobre o tema. Além disso, seu “mérito” só foi reconhecido porque seu talento era próximo ao que “homens entregavam nos seus livros”.
Após abandonar seu segredo em 1976, a autora cedeu uma entrevista e disse o seguinte, “Um nome masculino me parecia uma boa camuflagem. Tinha a sensação de que um homem poderia errar sem ser julgado. Tive muitas experiências na vida em ser a primeira mulher em qualquer ocupação”.
3- As irmãs Brontë
Jane Eyre, O morro dos ventos uivantes e Agnes Gray. Eu diria que é quase impossível alguém não ter escutado sobre qualquer um desses clássicos vitorianos. Indo mais além, tenho quase certeza que nunca tenha passado pela sua cabeça que as irmãs Brontë usaram pseudônimos para escrever.
Charlotte Brontë adotou o nome de Currer Bell, Emily Brontë utilizou o nome Ellis Bell e Anne Brontë assinou como Acton Bell. O trio fez questão de utilizar suas inicias de batismo e o mesmo sobrenome para permearem o sucesso familiar.
Na juventude, enquanto o irmão mais velho, Branwell, tinha apoio financeiro para sua carreira artística, as meninas tiveram que começar a trabalhar como governantas e professoras, profissões consideradas apropriadas para mulheres.
4- Jane Austen
“Mas confesso que a mim nada disso me encanta. Prefiro infinitamente um livro.”, a frase dita por Elizabeth Bennet, uma das figuras femininas mais imponente de todas, foi escrita por Jane Austen, para o clássico Orgulho e Preconceito.
Hoje temos o prazer de ler os livros de Austen com seu próprio nome, mas a autora também se escondeu através do pseudônimo Uma Senhora, bem irônico por sinal.
Austen viveu tempos ainda mais complicados que as outras autoras aqui citadas, mas suas personagens sempre foram mulheres fortes, inteligentes, cultas e livres das tradições e preconceitos da época. Jane colocou, sem saber, muito dos séculos seguintes em suas heroínas. Um mundo que não chegou a ver, mas do qual certamente se orgulharia pelo quanto as mulheres alcançariam
5- Nair de Teffé
Fugindo um pouco da arte escrita, vamos enaltecer Nair de Teffé, primeira-dama do Brasil e uma das primeiras caricaturistas mulher das quais se tem registro no mundo, que combateu preconceitos com arte e com sua posição privilegiada.
Em 1906, Nair adotou o pseudônimo Rian para publicar suas caricaturas da alta sociedade em revistas da época, como Binóculo, Careta, O Malho e Fon-Fon!. Nair casou-se com Hermes da Fonseca, que apoiava a arte expressada pela esposa. Entretanto, ele não deixava que ela ganhasse seu próprio dinheiro com as publicações.
Uma das frases mais marcantes da artista foi em uma entrevista concedida ao Museu de Imagem e Som, do Rio de Janeiro, em 1969. “Antes do casamento, disse a Hermes da Fonseca: "olha, você é presidente da República. Isso é muito bonito e eu admiro muito, mas vou lhe pedir uma coisa: para não me impedir que eu faça arte".
O lugar da mulher é na arte
A desvantagem social da mulher no mundo artístico, presente antes mesmo de Jane Austen, faz com que a produção literária feminina seja inferior à de homens até hoje. De forma equivocada, isso gerou um ambiente que associa grandes escritoras e artistas a um “padrão de qualidade” masculina.
Um exemplo atual é da autora Joanne Rowling, responsável pela saga Harry Potter, que foi instruída a adotar a abreviação “J. K.” por acreditarem que o público não leria o livro se soubesse que havia sido escrito por uma mulher.
Nas principais premiações e eventos literários do mundo, o prêmio principal quase nunca fica na mão de uma mulher. O prêmio Nobel de Literatura, por exemplo, existe desde 1901, mas só foi concedido a 13 mulheres em sua história.
A Flip, Festa Literária de Paraty, já teve 16 edições e entre os escritores convidados, o número de homens é muito maior ao de mulheres. Assim como a Academia Brasileira de Letras tem 40 membros, mas apenas cinco mulheres.
Os números citados são de um estudo realizado pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, coordenado pela professora Regina Dalcastagnè.
Não existe como não se revoltar com esta situação. Antes, o maior empecilho para mulheres escritoras e artistas era serem tachadas de transgressoras. Hoje, o problema é o reconhecimento do trabalho feminino na esfera literária e o rebaixamento de suas capacidades de serem grandes escritoras.
Temos muitos obstáculos, e muito o que caminhar ainda antes de dizer que a desigualdade ficou no passado. Porém, não podemos deixar de admirar os pequenos avanços, nem de lutar por avanços maiores. Eu apoio autoras, mulheres que tem algo a dizer, e que podem mudar o mundo escrevendo. E você?
Imagem de capa: Luana Brigo