O segredo sexual de Phil é a linha condutora de Ataque dos Cães
Phil Burbank tem um segredo no porão e faz de tudo para protegê-lo. O principal personagem de Ataque dos Cães usa de armas pontiagudas para ocultar, até de si mesmo, sua homossexualidade reprimida. A masculinidade tóxica e a homofobia lhe são tão usuais como um laço e uma sela, e ofuscam a visão de quem busca conhecê-lo melhor.
O filme de Jane Campion nos apresenta a egodistonia em seu cotidiano. Uma teia de sentimentos abafados e recalques sexuais que envolvem um homem nascido e criado no ambiente macho bruto do Velho Oeste, que rumina desejos proibidos e cospe hostilidades para disfarçar o gosto e enganar os outros e a ele próprio.
Phil precisa se validar diante dos companheiros de álcool e cavalgada. Precisa se mostrar machão. E o faz da única maneira que lhe foi ensinada como aceitável: ser machista com as mulheres e homofóbico com os homens mais delicados.
Assim, ele encontrou dois alvos fáceis para atirar: Rose, a nova esposa do irmão, uma mulher introspectiva e humilde, e Peter, o filho dela, um garoto cuja homossexualidade aflora.
Amargurado com a vida que não pode viver à luz do Sol, Phil parte para atacar os novos integrantes da família, sem pena. Tenta criar uma hierarquia de corpos, colocando os supostos rivais em submissão. Com o desenrolar da trama, sabemos quais os motivos que o conduzem a declarar tal guerra e deixar a fazenda onde moram em permanente tensão.
É o que a egodistonia costuma fazer com homossexuais enrustidos. Os enche de ódio da própria condição e os faz partir à caça de qualquer coisa que cheire à feminilidade. Não se aceitam. Tantas vezes, se detestam. E para se distanciarem deles mesmos, agridem a quem se assemelha.
Tornam-se os tiozões do pavê com piadinhas sobre sexualidade e gênero, ainda insistindo nelas no século 21, quando já ganharam mofo e o tom amarelado das coisas ultrapassadas. Vivem farejando qualquer atitude que lembre homossexualidade, fiscalizando quadris, munhecas, tons de voz, roupas e até brinquedos para já tarjarem como inaceitável o que não corresponder aos mandamentos do Manual do Macho 100%.
Engrossam junto aos héteros embolorados, cidadãos de bem, a matilha de cães de guarda da família tradicional cristã. Aplaudem machistas, se curvam a machistas, elegem machistas. Mas, assim como Phil, liberam seu tesão em encontros furtivos, em momentos solitários, em fantasias incômodas que, por mais que tentem, não passam.
Não são unidimensionais como querem se fazer acreditar. Assim como Ataque dos Cães, são repletos de entrelinhas. Como Phil, cheios de simbolismos e silêncios gritantes e comprometedores.
Imagens - Divulgação
Este artigo foi escrito por Miguel Rios e publicado originalmente em Prensa.li.