O sensual conservadorismo do Brasileiro Médio
Arthur do Val em mais um ato misógino - Reprodução - YouTube
O vazamento dos áudios misóginos do deputado de São Paulo Arthur do Val, o Mamãe Falei, estampou as manchetes dos principais sites de notícias do Brasil nos últimos dias.
Em menor ou maior grau, o conteúdo das falas foi recebido com repulsa, ojeriza e causou o efeito de uma bomba ao redor do youtuber de direita.
Mas, em momento algum, o caso foi classificado como uma “surpresa”. E, sinceramente, a quem poderia surpreender que uma pessoa, que se fantasiou de vagina e invadiu um evento de mulheres numa instituição pública de ensino, pudesse se expressar daquela forma?
O ponto chave dessa questão não é necessariamente Arthur do Val. Ele é apenas um integrante que compõe o que conhecemos por “sensual conservadorismo”, um conceito que expõe a ambiguidade da direita histérica que subiu aos palanques e assumiu cadeiras no executivo e no legislativo brasileiros.
Não fui eu o criador do termo, mas Álvaro Borba, do canal Meteoro Brasil. Meu papel aqui é aprofundar algumas discussões e apresentar alguns exemplos de como essa vertente sociopolítica e cultural mergulha fundo no oceano da misoginia e do machismo, no qual o nosso brasileiro médio está submerso.
MBL e o conservadorismo de ocasião
O caldeirão sociocultural e político em que entramos e fervemos desde 2013 foi o ponto de virada que proporcionou a ascensão de um conservadorismo meio cambaleante, com projeção nacional e com ares revolucionários.
Diante da profunda crise moral, com a dimensão midiática de um show de horrores, proporcionado pela Lava Jato e seus líderes, setores conservadores aproveitaram o momento para retomar espaço, em detrimento dos anos de hegemonia do progressismo de centro-esquerda e centro-direita.
É justamente aí que aparece o MBL, o auto-proclamado Movimento Brasil Livre, um arremedo de think thank organizado por homens jovens de classe média, financiados pelos empresários norte-americanos David e Charles Koch.
Estes dois bilionários, irmãos, são os principais mecenas de grupos conservadores nos EUA, como Students For Liberty, instituição que recebe doações da família Koch e foi a incubadora que chocou o ovo do MBL.
Com um discurso anti-política, liberalizante e conservador, o movimento liderado por Kim Kataguiri e Renan Santos engrossou o coro pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016, ao passo que se aproximava de políticos da direita clássica, como Eduardo Cunha, e da nova direita, como João Dória.
A base ideológica do MBL pousa no ataque às minorias, às políticas afirmativas, às ações progressistas, além de diversas pautas reacionárias. A misoginia, claro, é um recurso argumentativo constante, em especial quando desqualificam feministas e seu movimento como um todo.
É deste lugar que vem Arthur do Val, o Mamãe Falei, youtuber de direita, conservador, que conseguiu ser eleito com quase 500 mil votos para deputado estadual em São Paulo.
Pergunto-me: qual a surpresa com os áudios vazados dele?
Sensual conservadorismo do brasileiro médio
A chegada ao poder de grupos ditos conservadores acompanha o crescimento de uma geração que, ao longo dos anos 1990 e 2000, se acostumou a assistir na TV, aos domingos, o festival de bundas da saudosa banheira do Gugu, ou as apresentações curvilíneas de Carla Perez e das Sheilas do É o Tchan, e até mesmo os Mamonas Assassinas cantarem que “me passaram a mão na bunda e ainda não comi ninguém” na famosa música “Vira”.
É paradoxal, inclusive, que nesta mesma “nova direita conservadora”, possamos encontrar espaço para o Alexandre Frota, com uma sólida carreira na indústria de filmes pornográficos, apresentar-se como defensor do conservadorismo e da família brasileira.
E, em tempo, reafirmo: ser um ator pornô não desqualifica Frota, jamais, de seguir carreira política. A questão é a inconsistência de prática e discurso em relação ao dito conservadorismo.
Se o brasileiro médio se deleitava com as aparições da Tiazinha e da Feiticeira no programa do Luciano Huck na TV Bandeirantes, hoje ele busca pela “mamadeira de piroca” nas escolas públicas, um suposto plano de “gayzificação” infantil.
Esse mesmo brasileiro médio que assistia ao Cine Privê, sessão de filmes eróticos na Band, nas madrugadas da TV aberta brasileira, ou esperava ansioso a aparição da passista Valéria Valenssa, completamente nua, na vinheta do carnaval da globo, hoje diz que professores e Globolixo querem sensualizar crianças.
Por mais que haja esse esforço em explicar que casos de machismo e misoginia são pontuais, que nem todo homem é assim, essa narrativa esbarra na profundidade que esse tipo de coisa tem na formação cultural do brasileiro médio.
E aí é preciso entendermos o machismo enquanto estrutura e enquanto cultura.
O machismo é estrutural porque estabelece um sistema opressivo que coloca no centro do mecanismo o homem (heteronormativo, branco, classe média), em torno do qual gravitam todos os demais indivíduos. Na base da opressão, estão as mulheres.
Contudo, o machismo também é cultural. Ele alimenta e é alimentado pela educação, familiar ou escolar, geração a geração, como um ciclo que dificilmente é quebrado. Do “menino veste azul, menina veste rosa” ao “homem não chora, porque é coisa de mulherzinha”, estes signos culturais se cristalizam na sociedade.
O sensual conservadorismo, então, é a síntese perfeita que o brasileiro médio encontrou, para poder exaltar a moral e os bons costumes, enquanto assedia cada mulher que encontra em seu caminho.
Como Arthur do Val, que achou tudo bem sugerir um turismo sexual pela Ucrânia. Como o próprio Bolsonaro, que não vê problema em turistas virem ao Brasil exclusivamente para “fazer sexo com mulher”.
Aliás, o atual mandatário do país coleciona exemplos do sensual conservadorismo. Em live no ano de 2020, Bolsonaro achou válido conversar com uma menina de apenas 10 anos sobre sexualidade. “Quem não gosta de homem, gosta de mulher, não é isso?”, perguntou ele, um homem de mais de 60 anos.
O presidente em sua habitual live, ao lado de uma menina de 10 anos de idade. (Imagem/reprodução: Reproduçao/SamPancher)
Inocente, a menina estava contando que começou na carreira de repórter com apenas 6 anos, porém o presidente insinuou outra coisa. “Começou cedo? Como é que é? O quê?”, quis saber Bolsonaro, com ar malicioso.
Liberal na economia, conservador nos costumes, sensual no machismo. Eis o brasileiro médio.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.