O ser humano é bom ou mal? Round 6 pode responder
O sucesso do dorama “Round 6”, da Netflix, é retumbante. Em meio à onda cultural coreana que invadiu diversos países do globo terrestre (sim, a terra é redonda e achatada nos pólos!), a produção dirigida por Dong-hyuk Hwang pinta com sangue uma narrativa que une o cômico ao trágico numa mesma cena.
Contudo, o ponto aqui não é necessariamente o enredo da série, que fora do Brasil se chama “Squid Game”. De maneira inteligente, a trama faz uma reflexão profunda sobre a natureza humana e os desdobramentos do capitalismo na organização social. A violência, os gritos e as mortes não são gratuitas. Pelo contrário! Como uma cutucada na ferida, o roteiro causa dor para evidenciar a dor.
Talvez, a reflexão principal, após assistir a série (e inclusive seu episódio final) é a seguinte: o ser humano é bom ou mal?
Vamos pensar um pouco...
UM ENIGMA DIFÍCIL DE RESOLVER
Entre os debates da filosofia política, esse é um dos mais antigos. Nascemos com qual natureza? Somos propensos a praticar atos benéficos ou maléficos aos demais seres humanos?
Na Era Moderna, a frase “o lobo é o lobo do homem” teve certo número de adeptos. Seu autor, Thomas Hobbes, defendia a ideia de que, no Estado da Natureza, em que vivíamos sem organização social, leis ou regras, nossa índole era má, numa guerra de todos contra todos. A única coisa que poderia resolver este problema seria um Estado forte, centralizado, que em tudo pudesse interferir, e que domasse o selvagem ser humano.
Outra frase célebre, do mesmo período, é a seguinte: “O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer ‘isto é meu’, [...] , foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a humanidade se aquele, arrancando as cercas, tivesse gritado: Não, impostor”.
Foi da pena de Jean-Jacques Rousseau que esta e diversas outras análises saíram. Sua ideia é de que, na natureza, o ser humano é bom, mas a sociedade o corrompe. Sendo assim, apenas um contrato social, baseado em leis e normas, poderia lhe devolver a liberdade.
Round 6 parece um pequeno laboratório deste enigma filosófico. Violentos, gananciosos, trapaceiros, mas também solidários, amáveis; os indivíduos ali mesclam o bom e o mau em diversos momentos.
AH, O VIL METAL!
Sobre as cabeças de todas as pessoas presas neste experimento mortal, um porquinho de acrílico vai sendo abastecido com milhares e milhares de maços de dinheiro. Cada morte faz o número subir, e aos poucos o sentimento de unidade, que mal ou bem corria entre os participantes, era substituído pela ganância.
É uma outra reflexão, dentro da reflexão maior: amizade, solidariedade, unidade, têm preço? Para Dong-hyuk Hwang, que também é o roteirista da série, sim. Há, no capitalismo selvagem, preço para tudo.
O dinheiro, nesse contexto, aparece como um substituto para a virtude. Claro, levando em consideração que todos ali, no jogo, precisavam do dinheiro por estarem com a corda no pescoço.
Um exemplo disso é Cho Sang-Woo, amigo de infância do personagem principal Seong Gi-hun. Bem sucedido, agente no mercado financeiro, ele é um exemplo de alguém que venceu na vida. Porém, por trás da fachada (e do dinheiro que lhe conferia a virtude do sucesso), ele estava falido e disposto a qualquer coisa para obter dinheiro.
AFINAL, QUAL A RESPOSTA?
Aí é que está: há resposta? Há um consenso de que, por mais que características biológicas passem de pais para filhos, não há um gene do bem ou do mal. O que podemos dizer é que tanto um quanto outro conceito são construções ao longo da vida, e o ser humano vai escolher os caminhos entre eles.
No entanto, Round 6 dá uma mostra que não pode ser esquecida, e que lembra muito o filme “Parasita”: o quão longe fomos no processo de desumanização das pessoas?
Imagem de capa - Os operários aguardam votação dos participantes do jogo (Netflix/BBC)
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.