O superorgulho do Superman fora do armário
Virou, mexeu, surge na internet um estrondo por LGBTfobia. Basta alguma pauta de diversidade sexual ganhar destaque e a artilharia contrária começa. A troca de farpas atual se dá pela bissexualidade revelada de Jonathan Kent, filho de Clark Kent, em Superman: Son of Kal-El, uma série de HQs da DC Comics. Ele passa a usar o collant azul com o famoso S no peito ao mesmo tempo em que beija um rapaz.
Na saga, Jon assume não só o título heroico do pai, mas também sua orientação sexual, além de ter um como namorado Jay Nakamura, seu colega de faculdade na história. “Após uma cena em que o Superman está exausto mental e fisicamente por tentar lutar muitas batalhas, Jay está lá para cuidar do homem de aço", revelou a DC comics em spoiler.
Foi o bastante para virem as agressões de sempre: “Querem influenciar as crianças”, “A heterossexualidade vai terminar proibida”, “Não podem mudar os super-heróis”, “Estão negando a biologia”...
A celeuma ganhou volume quando o jogador de vôlei Maurício Souza se posicionou contra o novo personagem, foi criticado, demitido de seu clube e já, de antemão, é cortado da seleção brasileira.
Em sua defesa, veio um trem lotado de conservadores defendendo o direito de expressão para discriminar e excluir pessoas, vetar afetos, patrocinar guetos, diante de um mundo que avança e se nega a ser anticivilizatório.
Cancelamento? Nada. Caminho aberto para se tornar deputado. Afinal, não lhe faltarão eleitores, como não faltaram a candidatos do passado que ergueram as mesmas bandeiras: combater ideologia de gênero, doutrinação comunista e politicamente correto. É o bastante como projeto político para se eleger no Brasil.
A LGBTfobia é um dos pilares do conservadorismo mundial. A velha tradição de zoar e agredir pessoas de sexualidade fora do padrão para se sentir mais macho, mais superior, mais correto, mais aceito nos grupos de WhatsApp dos tiozões do pavê. Como diz Tom Zé: “Quantos quilos de medo cabem numa tradição?”
Tão séria e amedrontadora é essa ferocidade que o Departamento de Polícia de Los Angeles foi acionado para dar segurança aos artistas responsáveis pela HQ. Ameaças de morte já foram enviadas pela internet. Assim, agentes passaram a fazer rondas nas proximidades das casas de membros da equipe e na sede da editora DC Comics, em Burbank.
Lgbtfobia garante voto e aplauso de quem ainda está preso ao século 20, onde ela era regra social de convivência e descontração. Praticada em todos os programas de humor, novelas, revistas de piadas, estádios esportivos, conversinhas de bar e horas do cafezinho.
Praticada ainda por gente que se recusa a enxergar que se tornou um humorista empoeirado, cheirando a mofo. Mas se agarra ao caquético por ser incompetente demais para criar algo novo, se atualizar. Gente que usa a comunidade LGBT como um dragão que precisa ser morto e se promove como o herói a salvar a sacrossanta família tradicional cristã, que basta um Google rápido para constatar nomes de antigos representantes dessa categoria que foram desmascarados, caíram e mostraram o que se esconde atrás desse biombo.
Gente que prega bem alto que a heterossexualidade cisgênera é natural e divina. Mas não tem segurança alguma nela. Basta um beijo entre dois personagens de HQ e… PÁ!, a heterossexualidade cis já bambeia, corre o risco de extermínio, colocando a humanidade em perigo de extinção, pois a reprodução vai parar, LGBTs vão dominar tudo e pôr fim à espécie humana.
Biologia? Aceitam o Superman voar, carregar asteroides, ter visão de calor, ser mais rápido que uma bala e indestrutível. Tudo normal. Mas namorar um cara? Aí, não. É contra a biologia. Aceitam Clark, um alien, ter um relacionamento amoroso e sexual com uma humana, Lois Lane. Tendo filhos, inclusive. Ou seja: transa e reprodução entre espécies diferentes, tudo bem. Entre gêneros iguais não.
Mesmo com o barulho estridente dos protestos, o novo Superman se mostra tão invencível como o pai. Superman: Son of Kal-El atingiu vendas sem precedentes, segundo a DC Comics, e motivou até a reimpressão dos capítulos anteriores.
“Ao longo dos anos, nesta indústria, provavelmente será surpresa saber que personagens e histórias queer foram rejeitadas. Eu senti como se estivesse decepcionando as pessoas que eu amava cada vez que isso acontecia. Mas estamos em um lugar muito diferente e muito mais bem-vindo hoje do que éramos há dez ou mesmo cinco anos. Quando me perguntaram se eu queria escrever um novo Superman para o Universo DC, eu soube que substituir Clark por outro salvador branco puro poderia ser uma oportunidade perdida. Eu sempre disse que todo mundo precisa de heróis e todo mundo merece se ver em seus heróis. Hoje, Superman, o super-herói mais forte do planeta, está saindo do armário”, declarou o autor da saga, Tom Taylor.
Para os desgostosos e apavorados com o fim da heterossexualidade cis, um conselho: a embrulhem em plástico bolha azul ou rosa. Quem sabe resiste mais.
Imagens: DC Comics
Este artigo foi escrito por Miguel Rios e publicado originalmente em Prensa.li.