O Telegram na guerra de informação
(Imagem/reprodução: Diário do Centro do Mundo)
O advento dos aplicativos de mensagens instantâneas revolucionou a forma como nos comunicamos e nos relacionamos.
Quem é da época do Messenger, programa de troca de mensagens da Microsoft, pode até torcer o nariz e dizer que “no meu tempo é que era bom”, quando conversar pela internet significava passar algumas horas diante do computador.
Sem dúvida, era um tempo bom (colocar o status ausente e fingir não estar online era a sensação de poder da minha geração). Contudo, estamos em constante transformação cultural e tecnológica. Na palma da mão, os apps de mensageria são superiores inclusive ao velho sms, que foi também, à sua maneira, uma revolução na comunicação.
O caso é que, passados os anos da inocência, estes aplicativos hoje abarcam novas dimensões na sociedade. Num mundo amplamente digitalizado e hiperconectado, apps como Whatsapp e Telegram são muito mais que simples programas de envio e recebimento de mensagens.
São ferramentas de marketing, de vendas, de relacionamento entre empresa e cliente, e, principalmente, tornaram-se o principal meio de informação e compartilhamento de notícias.
E eis o grande x da questão: como estes serviços de mensageria podem potencializar ou combater a disseminação de fake news, atuando decisivamente na guerra de informação, às portas das eleições presidenciais de 2022?
A mutação do Whatsapp em 2018
Do ponto de vista histórico, 2018 é um marco importante para a transformação no modo como as pessoas se relacionam com as eleições, o voto e seus candidatos. Para o mal e para o mal (o bem ainda estamos buscando encontrar, sem esperanças), o presidente eleito Jair Messias Bolsonaro inaugurou uma forma completamente diversa de promover sua candidatura.
Com o uso massivo das mídias sociais, mas, em especial, do app de mensagens instantâneas Whatsapp, o candidato da direita conservadora conseguiu emplacar diversos elementos de sua narrativa no imaginário do brasileiro médio.
Quem não lembra da famosa “mamadeira de piroca”, compartilhada freneticamente em grupos bolsonaristas no Whatsapp, ou o famigerado “kit gay”, uma deturpação do material elaborado por organizações do terceiro setor quando Fernando Haddad (PT), comandava o Ministério da Educação, e que nunca chegou a ser aprovado ou distribuído em escolas.
Na versão compartilhada nos grupos de Whatsapp e divulgada na grande mídia por Bolsonaro, uma arte tosca feita de modo ridículo estampava o que seria o tal kit.
Ambas as fakes foram desmentidas pela Agência Lupa. Mas o estrago já tinha sido feito.
Logo, as denúncias de disparos em massa, contratados pela campanha do candidato do PSL vieram à tona. O aplicativo, durante as eleições, nada pôde fazer além de excluir contas denunciadas por disseminação de informações falsas.
Ao longo daquele 2018 fatídico, porém, a empresa havia tomado algumas providências contra fake news. Em julho, o Whatsapp ofereceu incentivo para estudos sobre a disseminação de notícias falsas, além de passar a restringir o encaminhamento de mensagens para até 20 pessoas ou grupos. E, na própria mensagem encaminhada, passou a avisar ao usuário que aquele conteúdo era fruto de encaminhamento.
Tudo isso, porém, pareceu não inibir nem o candidato, muito menos sua tropa de choque. As eleições presidenciais daquele ano seriam marcadas por uma fraude, não das urnas, mas da opinião pública.
Telegram, o cavaleiro do apocalipse em 2022
Pude falar em um texto anterior aqui na coluna sobre a tecnologia ser boa ou má. A resposta que dei antes foi mais detalhada. Aqui usarei a forma simples e rápida: nem boa, nem má. Ela é uma ferramenta, fruto das transformações e inovações da sociedade. A tecnologia não tem uma moral, não segue uma ética. Bom ou mau é o ser humano que manuseia.
Com o Whatsapp não é diferente. Com o Telegram, muito menos.
Apesar do desastre eleitoral que conduziu ao poder um indivíduo despreparado, o ano de 2018 forçou a adoção de uma série de medidas preventivas anti-fake, em grande parte conduzidas pelo STF.
Isso impactou de tal modo o mercado da desinformação que os bolsonaristas realizaram um dos maiores êxodos digitais contemporâneos, migrando para o Telegram, o principal rival do Whatsapp. Muito por este motivo, Bolsonaro esbravejou contra a decisão de Alexandre de Moraes, ministro do STF, que suspendeu o aplicativo de mensagens por descumprir regras básicas de segurança no Brasil, sem sequer responder aos contatos oficiais enviados pelo órgão de justiça brasileiro.
A família Bolsonaro hoje possui alguns dos maiores canais no Telegram, com números consideráveis de seguidores: o do presidente Jair Bolsonaro (1,2 milhão de inscritos) e de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (105.673) e o vereador Carlos Bolsonaro (87.947). A família Bolsonaro ganhou 128 mil seguidores no Telegram em 3 dias, de 6ª feira (18.mar.2022) a domingo (20.mar).
Mas, afinal, o que é o Telegram?
Em muitos pontos, é uma versão estendida e com mais ferramentas que o seu concorrente. Com a possibilidade de criar grupos com até 200 mil membros, ele é tanto um app de mensageria quanto uma plataforma de vídeo, com canais de diversos tipos e áreas.
O ponto mais atrativo, com certeza, é o fato de o Telegram ser altamente personalizável, a ponto de o usuário conseguir total anonimato, caso prefira.
Sem representantes no Brasil e sem uma equipe de verificação e moderação que controle os compartilhamentos massivos de fake news, o app foi alvo de decisão do STF por não cumprir mandados judiciais. Uma correspondência enviada a Dubai, sede da empresa, foi devolvida pelo sistema de correio internacional.
Pavel Durov, criador da plataforma, disse que teve problemas com o email, por isso não sinalizou resposta alguma.
Após algum tempo de inatividade, criador e criatura resolveram acatar as ordens colocadas pelo STF. Alexandre de Moraes, então, decidiu pela revogação do bloqueio ao app.
Assim como aconteceu em 2018, as eleições presidenciais deste ano tem um grande potencial de serem palco para uma avalanche histórica de fake news, uma guerra de informação sem precedentes.
A culpa não é do aplicativo, mas ele pode, sim, tornar-se ferramenta principal para esse tipo de estratégia. A única forma disso se reverter é através da legislação e da fiscalização.
Como o Whatsapp outrora fez, estaria o Telegram disposto a passar por uma metamorfose, para colaborar com a tática anti-fake?
Apenas Pavel Durov tem a resposta.
Este artigo foi escrito por Pablo Michel Magalhães e publicado originalmente em Prensa.li.