“Ofendi-vos, meu Deus!”, diz o Boca do Inferno – Analisando os versos do Barroco Brasileiro
“Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade”! É assim que se inicia o soneto de Boca do Inferno, alcunha de Gregório de Matos, um dos maiores escritores do barroco. Confira os versos dessa obra-prima:
Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade!
É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,
Delinqüido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.
Maldade, que encaminha à vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.
Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.
Luz, que claro me mostra a salvação,
A salvação pertendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
Gregório de Matos, célebre autor do barroco brasileiro - movimento literário surgido no século XVII - é bastante conhecido por suas severas críticas à sociedade, sobretudo à burguesia, embora também tenha escrito sonetos sacros e românticos, alguns até eróticos. Em sua obra encontra-se, também, conflito entre a santidade e o pecado, questionamentos característicos do barroco.
O soneto apresentado, cujo título é “Ofendi-vos Meu Deus, bem é verdade” é considerado sacro (ou religioso), pois valoriza o indulto divinal e considera a religião como única fonte de salvação e pureza, posicionando o homem como um ser fraco e errante, que deve implorar pela remissão de Cristo, uma vez que necessita dela para salvar sua alma.
Evidenciam-se as características do barroco em todo o soneto: na primeira estrofe, percebe-se o arrependimento das ofensas e delinquências feitas e há o reconhecimento do pecado e o pesar por tê-lo cometido; enquanto na segunda, o autor se mostra ciente do que o levou a pecar e das consequências de seus erros, e permanece arrependido de suas faltas. Os versos da terceira e última estrofe manifestam a busca por redenção e o rogo por misericórdia e amor divinos.
Este artigo foi escrito por Mariane Dalaval Alves e publicado originalmente em Prensa.li.