O olhar etnográfico de Marielle Franco, a mulher semente!
Marielle Franco e seu ativismo diário:
O Brasil é um país abalado por sobressaltos típicos de momentos de ortodoxia ideológica, como por exemplo, a morte de muitos líderes de oposição ao longo de sua história por governos e/ou políticos autoritários.
O assassinato da vereadora Marielle Franco (e de seu motorista Anderson Gomes) eleita com mais de 46 mil votos no pleito de 2016, do Rio de Janeiro, é um exemplo de crime contra a democracia.
A dimensão dos estudos e lutas de Marielle é registro da vivência, ou seja, não são recortes ou simples depoimentos sobre as favelas do Rio de Janeiro.
A vivência é que autorizou propriedade às suas falas oficiais, tanto na tribuna da Câmara Municipal do município do Rio de Janeiro, quanto nos espaços de militância e em suas entrevistas concedidas para a imprensa.
Antes de ser vereadora:
Muito antes de ser eleita vereadora pelo município do Rio de Janeiro, Marielle já se dedicava à defesa dos direitos humanos e denunciava as violações desses direitos, em especial, para população negra, para os moradores de favelas e periferias, para comunidade LGBTI e para as mulheres.
Ela era uma voz forte de denúncias para as vítimas de violência, incluindo os policiais e seus familiares.
Um exemplo do seu intenso ativismo político foi evidenciado em 2006, quando levou para dentro do Estado às demandas históricas dos movimentos sociais pela luta em defesa dos direitos humanos, especialmente, das mulheres, da população negra, LGBT e favelas, como assuntos ligados à discussão e construção das cidades.
Com essa perspectiva, Marielle foi assessora de Marcelo Freixo, então deputado estadual do Rio de Janeiro e assumiu a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ).
Foram dez anos de trabalho na ALERJ com esse tipo de política que ela desenvolveu, uma política orgânica e sempre construída a partir de suas bases sociais, coletivas, comunitárias.
Os diálogos e contrapontos, sejam de angústias, de desigualdades, de violências, ou de subalternidade, produzidos na vida que é vivida diariamente nos corredores, nas vielas, nos degraus e casas das favelas, correspondiam às realidades apreendidas por Marielle.
Essas realidades vividas na vida diária representavam as suas denúncias de violência, como por exemplo, a atuação policial das UPPs – Unidade Policial Pacificadora, que mais tarde, em 2014, veio a ser seu tema de mestrado.
Como ativista dos direitos humanos e socióloga, tinha um olhar etnográfico em relação às ações violentas nas favelas.
Marielle, mulher semente:
A mulher da Maré, negra e mãe, feminista e mestra em Administração Pública, Marielle conseguiu com sua dissertação de mestrado tornar público as suas análises, suas reflexões e críticas em relação a atuação de UPPs (Unidade de Polícia pacificadora) e violência policial nas favelas do Rio de Janeiro.
Muitas foram as respostas que Marielle construiu em seu texto de mestrado e em sua atuação enquanto ativista e vereadora, para a diminuição da violência e violações de direitos.
Lutava diariamente para reverter a lógica militar de repressão do Estado e esvaziar as prerrogativas de uma mentalidade bélica em toda sociedade civil.
Tanto que uma de suas últimas falas foi, “quantos mais terão que morrer antes que esta guerra acabe”.
Para Marielle, romper com o ciclo de violência era superar a exclusão das pessoas dentro das próprias cidades, em suas palavras: “as favelas são vistas como territórios, em oposição ao conjunto da cidade”, ou seja, para ela a cidade era um território formado por todas as construções, sejam elas arquitetônicas, sociais, étnico-raciais ou de gênero.
O rompimento desse raciocínio foi seu trabalho contínuo e que mariellefranco mulher semente espalhou como legado, como utopia.
E hoje seus legados ecoam em nossas vozes feministas: Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de Marielles em todo o mundo se levantariam no dia seguinte”.
Marielle, presente!
Marcia Tiburi, ao afirmar que a morte de Marielle Franco é uma morte política e por isso estamos implicados em suas causas, é uma concepção que dá movimento ao diálogo entre as temporalidades.
Podemos pensar que uma das referências do passado é justamente sua força de comunicação com o presente, se não há marcas ou pistas deixadas pelo passado, o presente se torna contínuo, sem reflexões.
Mariele deixou suas marcas e anuncia até hoje suas pistas:
“A cidade tá pulsando pra um lugar mais inclusivo,
menos desigual, mais firme (...)uma política com afeto...
assim que vai ser o mandato: vai ter negra,
mulher e favelada sim na Câmara Municipal pra dar resposta”.
Por tudo isso, eu faço minhas, as palavras de ordem de muitas, de muitos:
Marielle Presente!
Imagem de capa - Placa de rua de Marielle Franco
Este artigo foi escrito por Fabiana Kretzer e publicado originalmente em Prensa.li.