Open Health: a interoperabilidade na digitalização dos serviços de saúde - Parte 1
É inegável que a pandemia impulsionou a digitalização e a inovação em diversos segmentos. E não é diferente nos serviços ligados à saúde, tais como aplicativos de telemedicina e digital front doors, que são mecanismos que promovem a experiência do paciente, permitindo que eles interajam com a empresa de saúde por meio da tecnologia.
De acordo com pesquisa realizada pela McKinsey & Company, em 2019, a receita global deste mercado representava 350 bilhões de dólares, com uma expectativa de crescimento de 8% a.a. Entretanto, com a alta demanda, esta expectativa de crescimento subiu para 10% a.a., com previsão de alcance de 600 bilhões de dólares em 2024.
Neste contexto de crescimento exponencial, o tema interoperabilidade se tornou um desafio para as empresas provedoras de serviços de saúde, visto que, do ponto de vista de cadeia de suprimentos, devem se preocupar com a obtenção e registro de dados eletrônicos, bem como a armazenagem deles em seus sistemas, garantindo-se a segurança e a privacidade de dados tão sensíveis.
Desta forma, este artigo visa analisar a modernização da cadeia de suprimentos neste segmento, apresentando os desafios e oportunidades.
A modernização dos serviços de saúde
A pandemia nos mostrou que empresas com experiências digitais únicas saíram na frente daquelas que precisaram se adaptar, nos ensinando que inovação é fundamental na área da saúde. No mais, houve um aumento expressivo da expectativa dos consumidores, que se tornaram cada vez mais exigentes, esperando experiências digitais com o mínimo de atrito e maior acesso aos seus dados em um ecossistema de saúde.
A interoperabilidade surge neste contexto, a fim de proporcionar o compartilhamento dos dados entre as partes interessadas, sendo considerada um pilar importante neste movimento.
A título exemplificativo, podemos mencionar um cenário no qual a empresa tenha somente um provedor EHR (Electronic Health Records), que extraia informações em um formato Health Level 7 Version 2 (HL7 V2) ou o padrão de intercâmbio eletrônico de dados do American National Standards Institute Accredited Standards Committee (X12).
Entretanto, é necessário convertê-los para um formato padronizado adotado pelo Fast Healthcare Interoperability Resources (FHIR), tal como ocorre no modelo estadunidense de compartilhamento de dados de saúde.
Acontece que o cenário acima não é o mais comum, já que, de acordo com um estudo realizado pela HIMSS em 2017/2018, um hospital médio possui em torno de 16 fornecedores de dados de saúde diferentes, com informações como sistemas ambulatoriais, registros médicos eletrônicos de pacientes internados e ambulatoriais, faturamento médico, software de telemedicina, sistemas de agendamento de consultas, entre outros provenientes dessa diversidade de sistemas.
Além dos dados relacionados à operação de saúde, uma rede hospitalar deve se preocupar também com a gestão, como acesso ao CRM e gestão de sinistros. Isso significa que as partes interessadas precisam lidar com uma infinidade de dados e fontes, devendo compartilhar essas informações de forma segura, agregada, consolidada e somente para as partes verificadas, que, de fato, devem ter acesso a estes dados.
Integração de assistência médica orientada por APIs
Uma plataforma de integração deve estar preparada para lidar com os múltiplos desafios relacionados acima, devendo conectar-se aos diversos sistemas utilizados pelas empresas de saúde, extraindo, convertendo, agregando, consolidando e compartilhando os dados em um formato apropriado.
Uma vez que os dados estejam disponíveis no formato necessário, podem ser compartilhados entre as partes interessadas. Assim, organizações e desenvolvedores internos e externos podem se utilizar destes dados consolidados para compartilhá-los por mecanismos legíveis e seguros, como APIs, por exemplo.
As falácias dos sistemas de integração de manipulação de registros
Existem alguns fornecedores de informações médicas que defendem que seus sistemas seriam capazes de lidar com a conexão entre diferentes sistemas, fornecendo informações consolidadas no formato correto para que essa interoperabilidade ocorra.
Apesar de isso ser possível em casos específicos e menores, a realidade nos mostra que dificilmente um único provedor irá fornecer todos os sistemas de back-end necessários para a circulação desses dados de forma eficiente.
Conforme demonstrado anteriormente, para que haja inovação nos serviços médicos, é necessário que as companhias tenham acesso a informações consolidadas provenientes de vários sistemas, proporcionando a recuperação dos dados e das camadas de integração independentes, que podem se conectar em sistemas presentes e futuros, bem como disponibilizá-los aos consumidores.
A figura abaixo demonstra um servidor único conectado a vários sistemas de registro por meio de uma plataforma de integração implantada no provedor. A plataforma, por sua vez, disponibiliza os dados por meio de APIs baseadas no padrão FHIR para os usuários internos (sistemas e usuários) e externos, como organizações pagadoras e desenvolvedores terceirizados.
Fonte: https://thenewstack.io/fhir-and-interoperability-in-digital-health-care-part-1/
No Brasil, o compartilhamento dos dados de saúde será realizado por meio da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS).
A plataforma é um componente do Sistema Nacional de Informações em Saúde (SNIS), e tem como foco a integração e interoperabilidade no âmbito nacional, cruzando dados entre estabelecimentos de saúde públicos e privados, garantindo o acesso às informações dos usuários.
Desta forma, conforme a imagem abaixo, podemos verificar como os players do mercado brasileiro poderão compartilhar os dados de saúde utilizando-se do RNDS:
A RNDS surge como uma iniciativa do Governo Federal, mais especificamente do Departamento de informática do SUS (DATASUS), sendo um dos projetos estruturantes do Conecte SUS.
Os dados nas mãos dos pacientes
A interoperabilidade dos dados, que proporciona a integração de diversas plataformas, principalmente por meio do padrão FHIR já adotado em diversos países, possui um potencial enorme de inovação na área da saúde, visto que os players do mercado terão menor fricção junto ao cliente no momento de proporcionar soluções.
Portanto, assim como todo sistema aberto de compartilhamento de dados, as instituições interessadas em compartilhar dados de saúde devem se preocupar com a segurança, privacidade e sua propriedade.
Nos Estados Unidos, a regulação vem, principalmente, dos Centers for Medicare and Medicaid (CMS) e do Office of the National Coordinator for Health Information Technology (ONC), que determinam que a posse dos dados é do paciente e que este pode acessar suas informações digitalmente, independente de quem é o responsável pela armazenagem.
No mais, segundo a regulação americana, um paciente pode estar cadastrado em vários provedores, entretanto, as informações devem estar consolidadas em um único sistema.
Trata-se de caso interessante a ser avaliado pelo modelo brasileiro, já que os dados cruzam os limites organizacionais e a maneira ideal identificada até o presente momento foi por meio de APIs, sendo que as organizações devem atentar-se ao gerenciamento do consentimento do paciente.
O Open Health no Brasil não será muito diferente e, verificando as particularidades do nosso país, também terá desafios parecidos, visto que hoje temos a vigência da LGPD, que regula em parte a transação de dados pessoais comuns e sensíveis, bem como as futuras regulamentações a serem expedidas por órgãos competentes, como a ANS, por exemplo, devendo as empresas se prepararem para este futuro que já bate às nossas portas.
No próximo artigo será detalhado como as APIs podem ser utilizadas para acelerar o processo de compartilhamento de informações, acelerando as transformações digitais na área da saúde, bem como os principais problemas de segurança relacionados.
Se quiser saber mais sobre Direito Digital, LGPD, Startups & Finanças, me acompanhe nas redes sociais para trocarmos ideias sobre estes temas.
Este artigo foi escrito por Juliana de Jesus Cunha Chiose e publicado originalmente em Prensa.li.