Opinião estrangeira sobre a situação no Brasil
A entrada deste texto parece alarmismo gratuito, desses que se vê em ações conspiracionistas. “Opinião pública externa perante um país não pode ter tanta expressividade, tanta força”, certamente estão pensando muitos leitores da Prensa.li. O fato é que, a paralelo a tantos benefícios que a evolução tecnológica tem produzido, também trouxe obstáculos. Em especial para as arestas sociais.
Antes restrita a determinados grupos – ou, no mínimo, retardável para chegar à quantidade mínima de pessoas -, uma opinião hoje ganha novo caráter. Trafega pelo Planeta por frios fios de computadores em questão de segundos. Essa velocidade informacional – sim... qualquer postagem é informação – é verdadeiro Gato de Schrödinger: construtiva e destrutiva ao mesmo tempo.
Dessa maneira, esse gato dispõe de todo poder no âmbito individual. Nesse cenário, imaginam-se as tragédias ou louros que faz intensificar quando o foco são países. Afinal, países são feitos de indivíduos.
“Opinião pública externa não me interessa”
Para a esmagadora maioria dos cidadãos de um país, não se interessar por opinião pública externa é consenso. Entretanto, talvez tenha chegado o momento de se reavaliar tal conceito, desta feita por ótica mais abrangente. Mesmo porque a opinião pública externa sobre uma sociedade, esta ainda que soberana, se tornou elemento importante na rotina dos indivíduos.
Afinal, as relações entre países se constroem ou se destroem, se norteiam ou desnorteiam a depender da imagem de uma sociedade perante outra. Por isso, boa imagem de um país nunca foi tão importante, conforme analisam sociólogos e especialistas em relações exteriores.
Sem que se perceba, a equação “opinião pública externa” contra “imagem institucional do país” infere alterações no dia a dia das pessoas. O resultado dessa equação provoca as interrelações de maneira profunda. Assim, diversas áreas da rotina de um país são afetadas para o bem ou para o mal:
Economia, quando sanções são impostas ou investimentos são direcionados
Auxílio de emergência em catástrofes, quando esforços externos diminuem porque milícias impedem chegada de ajuda ou aumentam por conta da simpatia externa
Troca de conhecimento geral, incluindo tecnológico, quando inovações são ocultadas em estratégias de domínio industrial ou expostas como colaboração ao desenvolvimento local
Fomento ou arrefecimento de forças xenofóbicas, quando indivíduos sãos ridicularizados ou espezinhados em terras estrangeiras ou tratados com igualdade em relação à população local
O Brasil e a opinião pública externa
Como base para essa visão, observam-se os 541.266 de óbitos (dados do Ministério da Saúde em 18/07) em um ano e meio de pandemia no Brasil. Eles demonstram com clareza os efeitos da qualidade da opinião pública externa sobre um país. É certo que ela, a opinião, não produziu a totalidade dos óbitos – nem se tem levantamento sobre o fato -, mas é certo também que ajudou muito.
A complexidade das relações internacionais é entrave natural para que a população como um todo se interesse por elas. É natural, mas nem por isso confortável. Boas relações institucionais – e consequente excelência na opinião pública externa – resultam de diversas ações, mas iminentemente da postura dos governos.
Nesse sentido, o Brasil tem atravessado verdadeiro mar revolto porque autoridades expressivas demonstram inabilidade com o leme. Conhecem-se a mancheias os depoimentos de personalidades que têm arranhado a imagem do país diante da sociedade mundial. De responsáveis pela Educação a responsáveis pelo meio ambiente, passando especialmente pelo chefe-mor do Governo.
Marcas na porta do Brasil
O período da Peste Negra em meados do séc. XIV foi devastador na Europa. Acredita-se que mais de 75 milhões de pessoas pereceram nele – alguns historiadores chegam a falar em quase 200 milhões. A par disso, outras consequências igualmente dilacerantes marcaram a época. Talvez a mais humilhante tenha sido sinalização de lares em que tivesse havido óbitos por essa doença.
Assim, as autoridades de então deliberaram impor marcas com tinta vermelha nas portas das casas. Algumas regiões preferiram desenhar uma cruz. Dessa maneira, todos podiam identificar onde havia infestação pela peste, o que criava uma série de percalços sociais para as famílias.
Guardadas as devidas proporções, pode-se dizer que as portas do Brasil foram identificadas com a marca da peste. No caso, a peste da desfaçatez por parte de autoridades. Sua postura de alheamento quanto aos perigos da Covid-19 fez que o vírus se proliferasse de maneira absurda em território nacional.
Nesse âmbito, o Brasil:
contrariou recomendações de fóruns internacionais
ignorou parâmetros e exigências designadas para conter o avanço do vírus
incentivou (e ainda incentiva) transgressão de regras de comportamento social
divulgou ideia de doença ser passageira, inofensiva
considerou francamente a estratégia de imunidade de rebanho, com fizeram a Inglaterra e a Bélgica que, aliás, se arrependeram
evitou parceria externa para troca de informações
vão validou quebra de patentes das vacinas contra o coronavírus
Nesse contexto, diversos países proibiram voos de e para o país. Colômbia e Argentina na América do Sul; Portugal, Reino Unido e outros na Europa fecharam as portas para brasileiros. Dessa maneira, além da vexação infrigida contra brasileiros naqueles países, rescaldos nas relações entre o Brasil e muitos outros países provocaram a opinião pública internacional. De maneira obviamente negativa.
China
A pandemia fez alastrar vários tipos de vírus, sendo apenas um deles de caráter biológico, o Coronavírus. Outros mais, de caráter comportamental, alteraram – ou, antes, desvendaram – postura de personalidades com poder de decisão. E isso, no mundo todo. O ex-presidente do EUA, Donald Trump, provocou reações alarmantes nas relações da China com o resto do mundo.
Trump acusou o governo chinês de negligência nas tratativas do alastramento do vírus em diversas ocasiões. Chegou a mencionar “praga chinesa” e “vírus da China” em anúncios oficiais quando ainda estava no poder.
Nessa estratégia, o Brasil esteve ao lado do ex-presidente americano. Ataques vazios de fundamento por parte de autoridades brasileiras esfriaram as relações com o país asiático. Por consequência coincidente ou não, houve atrasos no envio de matéria prima básica para fabricação de vacinas. Por isso, o Instituto Butantan e a Fiocruz tiveram sérios problemas operacionais para suprir a demanda.
Assim, aqueles ataques, perpetrados pelo chefe-mor do Brasil, por muitos de seus ministros e por seus filhos, tiveram parte da culpa no atraso das vacinas. Com isso, muitas vidas poderiam ser salvas e/ou, no mínimo, muitos leitos hospitalares poderiam estar desocupados na ocasião.
Índia
Como dito acima, há extrema complexidade nas relações internacionais. Para se ter ideia, a postura do Brasil perante a China resvalou, inclusive, nas relações com a Índia. Sabe-se que ambos os países asiáticos mantêm conflitos entre si baseados na soberania dos territórios paquistanês e tibetanos. De certa maneira, as críticas das autoridades brasileiras à China deveriam facilitar as relações do Brasil com a Índia.
Entretanto, não é o caso. Novamente, o comportamento de autoridades brasileiras atropelou as tratativas. A Índia é um dos maiores produtores de vacina (é curioso que a pandemia esteja avançando sobremaneira por lá). O Ministério da Saúde do Brasil havia fechado compra de dois milhões de doses da Astrazeneca, que é indiana. Durante a negociação, o governo indiano solicitou o máximo de sigilo possível, pois temia reações da opinião pública interna, já que sua própria população carecia (e carece) de vacinas com urgência.
Por outro lado, o Governo brasileiro necessitava alardear suas ações de combate ao vírus para melhorar sua imagem interna. Assim, não obstante as solicitações indianas, ações pontuais da parte brasileira acabaram divulgando a chegada da remessa, segundo informações do alto escalão do Itamaraty. Nesse meio tempo, os indianos cancelaram o envio, desculpando-se por “questões técnicas”.
Nesse cenário, o motivo alegado para a quebra do acordo foi técnico; porém, conforme apuração, a falta de decoro dos compradores foi a causa real. Ou seja, questão de relações internacionais invocando efeitos de opinião pública externa.
O pesquisador em Saúde Global da Universidade de Southampton, Michael Head, em entrevista a vários órgãos imprensa europeia, lembra que “ambos os países foram duramente atingidos pela covid-19. Em parte, devido à má governança de seus líderes políticos”. Assim, ambos os governantes-mor precisaram limpar sua imagem perante eleitores. A solicitação do governo indiano teve esse objetivo, mas o governo brasileiro teve a mesma meta ao ignorá-la.
Nem só por pandemia sofre a imagem do Brasil
A opinião pública externa sobre o Brasil se mostra alarmada por vários outros universos. Há tempos, o importante jornal britânico Financial Times tem levado matérias especiais sobre a conduta política de Bolsonaro. São críticas severas sobre a visão democrática do Presidente, a alienação em relação às queimadas, o desprezo pelos óbitos por Covid-19, ofensas à imprensa, dentre outros tópicos.
Dessa forma, a imagem do país afasta investidores. O editorial do jornal britânico de 13/07 analisa essa possibilidade. Segundo ele, grandes empresas deveriam criar sansões financeiras contra especificamente o desmazelo do Governo brasileiro sobre o desmatamento na Amazônia.
Ainda segundo o jornal, um grupo não nominado detém 7 trilhões de dólares em títulos públicos brasileiros. Uma das metas de aplicação de boa parte desse valor revela a preocupação com redução da floresta amazônica por desflorestamento constante.
Caso essa ameaça não necessariamente clara se concretize, o leitor deste texto deve reler o capítulo acima “’Opinião pública externa não me interessa’”. Menos dinheiro investido no país significa infraestrutura estagnada, saúde pública mal dimensionada, inflação desencadeada.
Até mesmo a relação do alto escalão do Planalto com os escalões imediatamente inferiores tem causado desconforto na opinião pública internacional. Não à toa, detalhes desconsoladores indicam tendência ideológica, como o leitor pode acompanhar neste excelente texto do colega de redação Kleber Carrilho.
Reveja conceitos
Tanto quanto a ideia “não se discute política e religião” tem sido quebrada de alguns anos para cá, a de “não me interesso por relações internacionais” deveria seguir o mesmo caminho. Participação ativa em Política nacional, não necessariamente em busca de cargos eletivos, é capaz de transformar uma sociedade.
A Prensa publica diversos textos em muitas áreas que auxiliam nesse recondicionamento de visão de participatividade. Aproveite.
Este artigo foi escrito por Serg Smigg e publicado originalmente em Prensa.li.