Os Beatles como você nunca viu
Não há dúvidas, The Beatles é uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Na década de 1960 o grupo conquistou a admiração e respeito de milhares de fãs, críticos e estudiosos da música. A obra dos músicos apresentava um excepcional desenvolvimento artístico, deixando seus admiradores esperando por mais.
No início de 1969, um pouco antes da banda se separar, Paul McCartney convenceu seus colegas a voltarem para o estúdio, apesar de seus desentendimentos, a fim de criar um novo álbum e planejar uma nova turnê. Afinal, eles não pisavam nos palcos há três anos.
A proposta incluía a filmagem integral de todo o processo criativo da banda, dirigido por Michael Lindsay-Hogg. O projeto foi intitulado “Let it Be”, inicialmente seria um documentário de televisão mas, posteriormente, se tornou um longa-metragem. Somente após um ano das filmagens, o filme foi lançado nos cinemas.
O lançamento foi no mesmo período que a separação da banda, e por esse motivo o longa foi recebido de forma fria pelos críticos e fãs, sendo associado ao fim dos Beatles. No entanto, Lindsay-Hogg filmou muito mais do que mostrou, foram 56 horas de filmagens não usadas e mais de 150 horas de áudio.
Tesouro esquecido
Depois de 50 anos trancado em um cofre, o diretor Peter Jackson, conhecido por dirigir a saga O Senhor dos Anéis e também beatlemaníaco, teve acesso ao material. O cineasta dedicou-se a editar as dezenas de horas de filmagem nunca vista antes, transformando-a em uma série de documentários. Peter Jackson classificou como “alucinante” trabalhar em tanto material inédito.
As imagens mostram um retrato do quarteto totalmente diferente nos meses antes de sua separação amarga. A banda de Liverpool toca, dança e brinca durante seus momentos juntos em estúdio. “Estes são os Beatles como você nunca os viu antes. Como seres humanos”, disse o diretor.
No primeiro episódio observamos a genialidade dos quatro artistas, e para um fã, poder testemunhar os processos criativos da banda é extraordinário, independente de suas diferenças e questões pessoais. Acompanhamos como surgiram os clássicos Two of Us, Don´t Let me Down, I´ve got a Feeling, Get Back e entre outros.
Restauração minuciosa
É importante destacar a restauração das imagens e o som, um dos aspectos mais notáveis do documentário. Resultado de um trabalho minucioso de limpeza e afinação técnica. O filme de 1969 foi gravado em 16 mm e sua imagem era muito granulada.
"Os negativos originais estavam muito em bruto", disse Jackson, revelando que utilizou a mesma tecnologia usada por sua equipe para restaurar vídeos da 1º Guerra Mundial para o filme "Eles Não Envelheceram". Porém a grande inovação da restauração foi no som.
O áudio das imagens foi gravado em mono, e muitos diálogos nos ensaios estavam abafados por conta das guitarras e bateria. “Quase nunca se conseguia ouvir o Ringo”, revelou o cineasta. Os músicos estavam cientes disso e usavam seus instrumentos para disfarçar as conversas que não queriam que fossem captadas”.
O que John e George faziam durante uma conversa era simplesmente aumentar o som dos amplificadores e dedilhar nas guitarras. “Não tocavam nada, apenas dedilhavam”, e com a tecnologia de inteligência artificial, foi possível retirar as guitarras e expôr as conversas privadas.
Esse é um dos fatores que torna “The Beatles: Get Back” fascinante, porque oferece ao público imagens e conversas que o mundo não tinha acesso até agora. A forma como o grupo interage entre si e como suas parceiras Yoko Ono e Linda Eastman são presenças constantes nas gravações. Vemos um lado deles que mantiveram em segredo por tanto tempo.
Tudo isso só foi possível graças à maestria de Michael Lindsay-Hogg, que na época estava determinado a captar material o mais sincero possível. Para isso, o diretor utilizava de algumas técnicas para disfarçar a gravação.
Ao invés de apontar a câmera para os integrantes com um cinegrafista, gerando um certo desconforto em saber que estão sendo filmados, o diretor colocava a câmera em um tripé, e sem saberem que estavam sendo gravados, Michael saía dali fingindo buscar um chá. Ele também tampava a luz vermelha que sinalizava que a câmera estava ligada, e escondia microfones em cantos aleatórios para captar conversas privadas.
O resultado é o total de centenas de horas gravadas que geram aos fãs uma experiência única, como se por algumas horas tivéssemos um contato quase íntimo com a banda. A sensação é de ser uma mosquinha dentro das quatro paredes de sua intimidade, sendo possível conhecê-los melhor como pessoas e não só como artistas.
"Estou grato por este projeto me ter dado a oportunidade de pensar neles como seres humanos", confidenciou Peter Jackson. "Saí disso pensando que, na verdade, são homens decentes e sensatos. Não há egos, não há nenhuma prima donna".
Versão nua e crua
"The Beatles: Get Back" não é uma versão censurada da banda e, segundo Peter Jackson, os membros que ainda estão vivos McCartney e Starr não se opuseram a nada. "O Paul disse que é um retrato muito fiel de como eles eram na altura", contou o diretor.
A Disney pretendia remover os palavrões, no entanto ambos pediram para que mantivessem, porque era assim que falavam. "Não deixei de fora nada que sentisse que era importante", destacou Jackson. "Senti que qualquer coisa que eu não incluísse podia ser enterrada outra vez por mais cinquenta anos".
O adeus
Ainda que a intenção de Jackson era exibir os Beatles bem-humorados e tranquilos, de fato o fim da banda era algo iminente. Como uma despedida, a banda se reuniu após as gravações, e tocaram pela última vez ao vivo no topo do prédio da Apple Corps, uma empresa que fundaram juntos.
Naquele dia eles performaram um lendário show antes da separação, as imagens da apresentação se tornaram mundialmente famosas. Porém o que aconteceu nos bastidores ninguém sabia… até agora.
O documentário “The Beatles: Get Back” estreou recentemente no Disney+ e você já pode maratonar todos os três episódios.
Este artigo foi escrito por Bruna da Cruz Souza e publicado originalmente em Prensa.li.